Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

A daily stopover, where Time is written. A blog of Todo o Tempo do Mundo © / All a World on Time © universe. Apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente. Um blog do universo Todo o Tempo do Mundo © All a World on Time ©)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Meditações - D. Manuel II comparado a um relojoeiro

Quem reina agora em Portugal não é o senhor D. Manuel, é sua Magestade o Mêdo. Que quadro para um Saint-Simon, que descrevesse os politicos e a côrte, o que se diz e o que se adivinha, o que resalta dos Documentos politicos, e o que se conserva na sombra como um baixo relevo de odios e de interesses! Enredam, intrigam-se, perdem-se todos juntos. A politica portugueza gira sobre este fulchro: «O José Luciano, não podendo governar por se achar impossibilitado... e não querendo substituir-se para não perder o comando de que é muito cioso» emprega até ao fim todos os esforços para inutilisar o Julio de Vilhena. Só pela vã ambição de mandar? O velho é perspicaz e teimoso, o velho conhece, como poucos, os homens e entende que só elle pode e sabe governar. É teimosia e grandeza. Não abdica, não pode. Toda a vida foi obedecido. Aferra-se. O que elle quer é ser o «Deus ex-machina da nossa politica sem se mexer da sua chaise-longue». Que tipo! Governou sempre, mandou sempre, conservou-se sempre lucido. E tanta serenidade, que até no dia em que lhe assaltaram a casa dos Navegantes, é o unico que não perde o sangue-frio, e, quando o querem esconder n'uma banheira, teima em ficar na cadeira de rodas! Tem a logica do diabo e uma manha, um conhecimento dos homens, a que os outros não chegam. Desde o principio que todos se congregam para enfraquecer o partido regenerador. «Isto—diz a velha rapoza—é uma lucta de politicos que se querem inutilisar e desacreditar uns aos outros». É assim—e nenhum d'elles se lembrou que só os republicanos lucravam. Até os franquistas. «Os franquistas, por intermedio do Martins de Carvalho, forneceram aos republicanos todos os elementos que poderam colligir para descredito dos rotativos» (T. do Amaral ao rei). Até os nacionalistas. Entretanto o rei ouve-os e toma notas... A sua vontade é acertar. Passa a vida a acertar, o que não é bem a missão d'um chefe, mas a d'um relojoeiro. Não creio que os homens se governem só pelo interesse ou pelo terror, como queria Napoleão, mas creio que se não governam com pannos quentes, e que mais vale tomar uma decisão má do que não tomar nenhuma. O povo, como o soldado, precisa de sentir um chefe, e adivinha-o logo. Tudo no rei são boas intenções. Mal ousa dar um passo, não se resolve nunca—e atraz d'elle está a mãe, que quer educal-o para rei, mas que tem diante dos olhos o quadro horroroso... Apezar d'isso é ella propria que o incita a passear á luz do dia, como uma vez quando o trouxeram a galope, entre uma escolta de cavalaria, do Rocio ao Paço... Arrisca-o. Procura congraçar toda a gente.

Raul Brandão, Memórias

2 comentários:

João de Castro Nunes disse...








D. Manuel II



Com ele terminou a dinastia
com outro Manuel iniciada:
há quase nove séculos fundada,
findou também com ele a monarquia.


Previsto não estava que reinasse
por ser filho-segundo, mas o certo
é que o acaso quis ou Deus decerto
que esse destino ingrato lhe tocasse.


Renunciou ao trono muito moço
e sem alarde, em paz, sem alvoroço,
partiu para o exílio… de bom grado.


No Panteão Real jaz sepultado
ao pé do seu irmão, cujo lugar
ele assumiu no ofício de reinar!


João de Castro Nunes

João de Castro Nunes disse...


Ante a mesma realidade
pode haver muitas versões
consoante as posições
de cada mentalidade!

JCN