A Terra
Nos palacetes desta Moscovo,
A Primavera, com insolência,
Dispersa a traça que há nos armários:
São as peliças que lá regressam,
Trajos de estio que de lá saem.
Vão-se alinhando vasos de flores
Nos parapeitos, nos patamares:
São violetas e amor's-perfeitos...
Ficam mais frescos agora os quartos,
Ficam os sótãos mais poeirentos.
Vãos os passeios, familiarmente,
Para as janelas, cegas, sorrindo.
Nem se distinguem do sol poente
Algumas noites, junto do rio.
E o mais humilde dos corredores
Repete as falas de todo o espaço.
Bem nos conhecem os corredores.
A nós, humanos, e aos nossos males!
Assim repetem fortuitas frases
Que vão ouvindo no mês das flores,
Ao som das gotas entremeadas,
E a madrugada, por sobre os muros,
Parece às vezes eternizar-se.
Tanto lá fora como nas casas,
Luzes e trevas que se misturam!
Por toda a parte, corre a loucura,
Por toda a parte, do próprio ar!
Por toda a parte, rebentos grimpam,
Por toda a parte se agitam ramos,
Ante as janelas, nas oficinas,
Tanto nas ruas como nos campos.
Por que se queixam os horizontes
E o odor da terra se torna amargo?
Aos solitários, brumosos longes,
É meu destino reconciliá-los.
Ao mesmo tempo, conjuro, espulso,
Toda a tristeza que há nos subúrbio.
E no regresso da Primavera
Se, em minha casa, os meus amigos
Se reúnem todos, temos conversas
Que se parecem com despedidas:
Pois só à chama do sofrimento
Se aquece o frio da existência.
Boris Pasternak, in O Doutor Jivago, tradução de David Mourão-Ferreira
sexta-feira, 21 de março de 2014
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1 comentário:
Com o governo que temos
nem sequer há primavera:
a toda a hora tememos
aquilo que nos espera!
JCN
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