Em frente dos meus olhos, ela passa
Toda negra de crepes lutuosos.
Os seus passos são leves, vigorosos:
No seu perfil há distinção, há raça.
Paris, Inverno e sol. Tarde gentil.
Crianças chilreantes deslisando...
Eu perco o meu olhar de quando em quando,
Olhando o azul, sorvendo o ar de Abril.
... Agora sigo a sua silhueta
Até desapar'cer no boulevard,
E eu que não sou nem nunca fui poeta,
Estes versos começo a meditar.
Perfil perdido... Imaginariamente,
Vou conhecendo a sua vida inteira.
Sei que é honesta, sã, trabalhadeira.
E que o pai lhe morreu recentemente.
(Ah! como nesse instante a invejei,
Olhando a minha vida deplorável -
A ela, que era enérgica e prestável,
Eu, que até hoje nunca trabalhei!...)
A dor foi muito, muito grande. Entanto
Ela e a mãe souberam resistir.
Nunca devemos sucumbir ao pranto;
É preciso ter força e reagir.
Ai daqueles - os fracos - que sentindo
Perdido o seu amparo, o seu amor,
Caem por terra, escravos duma dor
Que é apenas o fim de um sonho lindo.
Elas trabalham. Têm confiança.
Se às vezes o seu pranto é mal retido,
Em breve seca, e volta-lhes a esperança
Com a alegria do dever cumprido.
Assim vou suscitando, em fantasia,
Uma experiência calma e santa e nobre,
Toda a ventura duma vida pobre
Eu compreendo neste fim de dia:
Para um bairro longínquo e salutar,
Uma casa modesta e sossegada;
Seis divisões (a renda é limitada),
Mas que gentil salinha de jantar...
Alegre, confortável e pequena;
Móveis úteis, sensatos e garridos...
Pela janela são jardins floridos
E a serpente aquática do Sena.
Respira-se um aroma a gentileza
No jarro das flores, sobre o fogão.
Quem as dispôs em tanta devoção,
Foram dedos de noiva, com certeza.
Ai que bem estar, ai que serenidade...
A fé robusta dispensou a dor...
Naquela vida faz calor e amor,
E tudo nela é paz, simplicidade!
Mário de Sá-Carneiro
domingo, 14 de abril de 2013
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1 comentário:
Teve um triste desenlace
o Mário de Sá-Carneiro:
por muito tempo que passe,
será sempre um pioneiro!
JCN
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