Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

A daily stopover, where Time is written. A blog of Todo o Tempo do Mundo © / All a World on Time © universe. Apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente. Um blog do universo Todo o Tempo do Mundo © All a World on Time ©)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Tese de Mestrado estudou o blogue Estação Cronográfica


Cláudia Baptista

O blogue Estação Cronográfica foi alvo recente de estudo académico, no âmbito de uma tese de Mestrado em Cultura e Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa - Jornalismo e alternativas mediáticas na era da Internet - A profissão perante o novo paradigma do acesso livre do cidadão à divulgação de informação na Internet.

A candidata, a jornalista Cláudia Fróis de Figueiredo Baptista, foi aprovada com 17 valores. Com os votos de parabéns à nova Mestre, deixamos aqui alguns extractos da tese e, na íntegra, a entrevista que concedemos a Cláudia Baptista para o seu trabalho académico.


O objectivo do trabalho sob o título «Jornalismo e alternativas mediáticas na era da Internet» consiste na apresentação de um olhar transversal que permita perceber como, sob diversos aspectos, o Jornalismo se está a transformar numa profissão alvo de uma diferente exposição, por influência da introdução de novas possibilidades gráficas e tecnológicas em ambiente Internet. O subtítulo, «A profissão perante o novo paradigma do acesso livre do cidadão à divulgação de informação na Internet», indica a perspectiva adoptada para observar o Jornalismo e os desafios que os Jornalistas enfrentam na actualidade, perante a presença da Internet e a possibilidade de acesso de todo o cidadão à informação e à publicação.

A profissão, Jornalismo, e os profissionais do ofício, Jornalistas, são entidades indissociáveis; impossível falar da primeira e reflectir sobre os problemas que merecem análise, sem se referirem os segundos e os dilemas que enfrentam no quotidiano.

A contextualização foi feita através da abordagem de alguns temas que mais insistentemente suscitam a reflexão sobre os novos media, bem como pelo prisma das problematizações que com frequência lhes estão associadas, e que com o evoluir do tempo vão adquirindo diferentes contornos. Esses temas estão desenvolvidos em capítulos aos quais dei os nomes, respectivamente: Mudança de paradigma com a Internet; Tecnologia no caminho do Jornalismo; O leitor, um «agente» próximo; Papel diferenciador do Jornalista; e Ética em questão. Na sequência da reflexão desenvolvida sobre as questões atrás enunciadas – numa tentativa de cruzar as referências teóricas com a prática, para uma caracterização mais sustentada –, foram seleccionados três exemplos de experiências jornalísticas diferentes, instaladas na Internet. Assim, foram tomados como Casos de Estudo: o blogue Estação Cronográfica; a edição online do Correio da Manhã; e a edição online do Diário Económico, em conjunto com a ferramenta Económico Social.

A metodologia adoptada para observar as mudanças que a Internet provoca no Jornalismo e na rotina dos Jornalistas resulta da intenção explícita de fazer interceptar produção teórica publicada e acessível com reflexão empírica acumulada ao longo de três décadas de exercício e observação da profissão, cruzando uma perspectiva lançada do interior da actividade jornalística com visões académicas sobre a matéria. Os três exemplos correspondem a meios de informação de características distintas, demonstram caminhos, todos eles válidos, que a Internet proporciona ao exercício do Jornalismo, espelhando parte da actual diversidade do cenário digital para a profissão. Ao tirarem partido da tecnologia, embora de modos distintos, colocando-a ao serviço do Jornalismo, aqueles exemplos oferecem modelos diferentes de comunicação com o público, e nalguns casos fornecem respostas distintas às questões identificadas como relevantes. [...]


[...] No blogue Estação Cronográfica, a comunicação faz-se a um nível intergrupal; os indivíduos estão ligados por uma filiação de interesses, como se pertencessem a uma tribo de cultores de assuntos de relojoaria e do tempo. A informação, seleccionada pelo Jornalista segundo critérios de serviço a esta comunidade, admite o contributo dos leitores, aproveitado sobretudo através da rede social Facebook. Na possibilidade de estes se transformarem em fonte de informação útil e credível, há a passagem obrigatória pelo crivo vigilante jornalístico, no que se refere à confirmação de dados. Toda a colaboração comunicacional que se revista de carácter publicitário ou propagandístico é identificada em hiperlink, ficando à responsabilidade da entidade emissora. [...]

[...] O blogue Estação Cronográfica (http://estacaochronographica.blogspot.com/) é da responsabilidade de Fernando Correia de Oliveira, Jornalista formado na prática da agência noticiosa, especialista na temática do tempo e das mentalidades. Com regularidade diária, coloca online informação actualizada sobre o mercado da relojoaria e da joalharia, nomeadamente noticiário sobre os mais recentes lançamentos, em Portugal e no estrangeiro, de modelos e colecções, exposições, livros, inaugurações, efemérides, feiras, desenvolvimentos técnicos ou prémios. Em paralelo com esta informação «de agenda», divulga a actividade que desenvolve como Jornalista e investigador, editada em publicações periódicas ou em livro – literatura menos do imediato e mais amadurecida e reflexiva. É ainda através desta plataforma que tomamos conhecimento de respectivas colaborações para alguns títulos da imprensa nacional e internacional. Ao utilizar hiperlinks, o blogue serve de veículo selectivo a noticiário relevante sobre o sector, publicado noutras fontes na Internet, imprensa internacional, sites de marcas ou outras instituições. A difusão dos conteúdos é potenciada mediante ligações ao Facebook, em três contas, abertas sucessivamente à medida que foram atingindo o limite de subscrições. Sempre que a oportunidade jornalística o justifica, a difusão noticiosa é reforçada pelo envio de emails para uma selectiva rede de contactos.

Observado como alternativa mediática, o blogue Estação Cronográfica permite reflectir sobre diversas questões suscitadas pelo aparecimento da Internet, relacionadas com o tema da informação e do exercício do Jornalismo como profissão, bem como a transformação que acarretou. Na sequência da incontornável intromissão da Internet nos ambientes de trabalho, ganham expressão a alteração provocada na rotina do Jornalista e na organização dos conteúdos online, bem como a nova relação estabelecida com o leitor que deixa de o ser para passar à condição de colaborador / contribuinte de informação, as questões éticas que se levantam no confronto com a participação do público que informa sem obedecer às regras que vinculam o Jornalista a uma deontologia própria do seu ofício, e a perspectiva de uma questionável globalização.


Estação Cronográfica foi criado na Internet a 12 de Junho de 2009, como uma via possível de resposta a um contexto de crise económica que no nosso País afecta Jornalistas profissionais com experiência. O êxito, medido em termos de aceitação e audiência, confirma que qualquer pessoa capaz de gerar um valor acrescentado excepcional em qualquer mercado goza da oportunidade de poder transaccionar o seu produto, comprar em qualquer ponto do globo e esse trabalho especializado se torna valioso no mundo globalizado. E, apesar de um invólucro tão diferente, a missão essencial do Jornalismo mantém o lugar na sociedade, um papel institucional traduzido na vigilância do que não é conforme à norma social e em que o acontecimento é a erupção do inesperado por entre o que é socialmente predictível (Correia: 100) e «tras el enfriamiento de la burbuja digital se hace aún más evidente la pervivencia de las constantes de trabajo tradicionales en el periodismo» (Muñoz, Roig 2008: 2).

Com mais de 50 mil páginas vistas em média por mês em 2012, Estação Cronográfica dirige-se a um público específico, interessado em assuntos relacionados com o tempo, o que é o mesmo que dizer que tanto lhe possam interessar os desenvolvimentos da indústria relojoeira como revelações científicas sobre o sincronismo cronológico da actividade cerebral do ser humano –, o que permite inferir tratar-se de um público com horizontes muito diversificados, apesar do interesse comum que une os leitores.

Não será, pois, uma mole de gente anónima a que se destinou a imprensa de massas, mas uma audiência segmentada, diferenciada e activa, que tende a escolher as suas mensagens, aprofundando a especialização e intensificando o relacionamento individual entre emissor e receptor – uma possibilidade que decorre das próprias características dos ambientes da Internet. Daí que, embora ainda longe das expectativas de intensidade de colaboração desejada – o que talvez se deva à natureza do ser humano de optar sempre pelo caminho mais fácil e, portanto, mais passivo e menos interveniente –, se percepciona uma proximidade de relações entre emissor e receptor.

A constituição de uma comunidade ligada por afinidades e interesses é um fenómeno típico do novo paradigma inaugurado pela era da Internet, em que todos podem comunicar entre si em qualquer parte e a todo o instante, como elementos de uma espécie de “tribo”. Ao contrário de há poucos anos, em que se debatia a dimensão social da Internet temendo conduzir ao isolamento pessoal e ao rompimento de laços dos indivíduos com a sociedade, a constituição de comunidades online com valores e interesses afins reforça o sentimento de grupo e situa-se nos antípodas das massas indiferenciadas e anónimas. Neste caso, estas têm em comum a força de um sentido de pertença que confere dinâmica à nova forma de sociabilidade adaptada a um ambiente proporcionado pela tecnologia, apesar de assente nos «laços fracos» a que Castells alude (Castells 2002: 470) e sobre os quais se constroem as comunidades online,:

A vantagem da Rede é que permite forjar laços fracos com estranhos, num padrão igualitário de interacção, onde as características sociais influenciam menos os constrangimentos, ou mesmo os bloqueios no processo comunicativo. Com efeito, quer on-line, quer off-line, os laços fracos facilitam a ligação entre indivíduos com diferentes características sociais, logo expandindo a sociabilidade para além das fronteiras socialmente definidas de reconhecimento mútuo. (Castells 2002: 470).

A interactividade, característica dos novos media, alterou o tradicional fluxo de informação unidireccional, centralizada no Jornalista como guardião da informação, para promover uma relação comunicacional entre todos e descentralizada: do Jornalista para o leitor, do leitor para o Jornalista, e dos leitores e Jornalista entre si. Desde que observadas as regras éticas fundamentais do Jornalismo, o encorajamento da reciprocidade de comunicação entre profissionais e não-profissionais da informação resulta em enriquecimento dos conteúdos:

The popularity of online newspapers (Annual Report on American Journalism, 2006) can be attributed to the interactive quality of the Internet. Journalists expect to bring people ‘‘closer to the news’’ by adopting interactivity in their online presentation of the news (Brown, 2000). The immediate back-and-forth communication is a new quality in the relationship between news publications and their audiences, and research suggests that online readers find this interaction valuable (Pew Research Center for the People and the Press, 1999). The Digital Journalism Credibility Study (2003) claims that the interactive nature of e-mail links, chats and message boards are the essence of the medium and has the potential to recreate community. In general, interactivity is considered to be a positive characteristic of new technologies. (Chung 2008: 3).

Convém, a propósito, evocar a distinção entre a interactividade do meio e a interactividade humana, que tem sido objecto de discussão académica, a primeira referindo-se ao campo de acção que a tecnologia permite ao utilizador, e a segunda, como o acto de comunicação entre duas ou mais pessoas através de um determinado canal. Para Chung (2008), interactividade é definida como uma construção multi-dimensional, numa sequência da interactividade do meio para a interatividade humana.

Sem publicidade, Estação Cronográfica surge livre de pressões várias, designadamente vindas da esfera comercial que, na maioria dos casos da Imprensa (e dos Meios de Comunicação em geral) são exercidas sobre o Jornalista. A publicidade, garante da sobrevivência económica do título para o qual o Jornalista trabalha, com frequência é invocada para o incitamento à publicação de notícias a pretexto de constituir «legítima» contrapartida.


Este blogue pode, assim, ser observado como alternativa mediática, independente, focado na essência da missão jornalística: informar, dar notícias, contribuir para formar uma opinião. Não nasce no contexto de um receio generalizado em relação à sobrevivência das publicações tradicionais em papel que vêem o online como uma ameaça, mas como uma excelente oportunidade para um Jornalista experiente poder prosseguir na profissão, publicando através de um meio económico e de fácil manipulação técnica, um produto jornalístico. Neste sentido o blogue pode ser o catalisador de uma outra forma de sociabilidade, em que os elementos desta comunidade virtual estão nivelados por afinidades intelectuais e culturais, e que convergem para este pólo profissional irradiador de informação especializada, algo artesanal e, por isso, livre dos constrangimentos de um modelo industrial. Perante alguma indefinição em relação aos modelos que subsistirão no futuro, assiste-se na actualidade à convivência dos diferentes formatos dos produtos jornalísticos – em papel ou online –, complementares entre si, mas que não se excluem:

The […] myth is that the Internet will set us free. We have no reason to worry about corrupt policymaking, corporate control, lousy journalism, or hypercommercialism because the advent of the Internet ends the problem of broadcast scarcity […] and means that everyone communicates on a relatively equal playing field. […] Anyone can launch a blog or website to finally compete with the big guys. It is just a matter of time until the corporate media dinosaurs disappear beneath the tidal wave of new media competition. (McChesney 2005: 17)

As semelhanças com o Jornalismo de agência noticiosa são evidentes no Estação Cronográfica: o «grosso» do noticiário é despido de qualquer «gordura» opiniosa ou adjectivada, centrando-se de preferência na matéria noticiosa; há lugar para o feature (um artigo mais alongado, onde a opinião tem lugar), a título de excepção.

Como que num reforço dessa austeridade noticiosa, o «invólucro», a apresentação gráfica é simplificada no estilo, pois o formato blogue assim o condiciona, despojada de artifícios distractivos, o que pode ser considerado um estilo depurado, oposto do caminho da informação espectacularizada por que alguma imprensa envereda e para quem o leitor é, muitas vezes, confinado à categoria de mero consumidor. A informação não está submetida a uma organização gráfica hierarquizada. Quem consulta Estação Cronográfica procura informação «seca», como a que é transmitida às Redacções pelas agências noticiosas.

Imediatismo, globalidade, fluxo constante e espaço ilimitado – características da Internet, anteriormente referidas – encontram em Estação Cronográfica um modelo aplicado. Nele se reflecte a ideia, agora destruída, do jornal como marcador de tempo. Com a Internet, a informação surge a todo o instante, pode ser consultada no momento em que é lançada na rede ou mais tarde, permanecendo disponível em arquivo, obviando, naturalmente, uma presença «física» embaraçosa. Tempos houve em que o vespertino anunciava o início da tarde, mantendo-se hoje o diário a marcar o início do dia e o semanário, o fim-de-semana. Conhecimento e informação passaram a estar acessíveis a qualquer hora do dia, uma vez que a Internet nunca fecha, ao contrário de quiosques de jornais ou bibliotecas. A tecnologia digital torna possível o contacto com alguém nos antípodas à distância de um clique, eliminando o impacto da distância, promovendo a mobilidade infinita que, graças à convergência de equipamentos, facilita uma mobilidade tecnológica com várias plataformas do mundo cibernético. Por outro lado, é legítimo acreditar que a facilidade de acesso à informação influencia a postura do cidadão em relação à necessidade de se manter informado. Como ignorar a oferta, se ela vem ter à mão sem esforço?

O tão propalado conceito de globalização – no caso vertente, a perspectiva de o blogue ser acessível a um incomensurável número de leitores – acontece apenas em teoria, por causa da barreira da língua, apesar de o universo de falantes de língua portuguesa ser vasto (240,236 milhões de indivíduos, segundo dados do Observatório da Língua Portuguesa, de 2010), e o Português ser a terceira língua europeia mais falada do mundo. No entanto, o inverso acontece numa maior medida, porque o autor do blogue tem acesso à informação online em todas as línguas que domina, e pode retransmiti-la através de hiperlinks.

O hipertexto, base da actual arquitectura de informações em rede, de extensão e alcance infinitos, é como uma versão hipermoderna da velha nota de rodapé, um excurso ao texto principal, agora tornado ponto de partida de uma imensidão de conexões – e um sistema amplamente desenvolvido nos veículos jornalísticos digitais. Graças a uma sucessão intrincada de ligações entre documentos, a linguagem do hipertexto, base configurativa da web, é responsável por alterações nos modelos de comunicabilidade entre o emissor dos conteúdos online e os seus receptores. É através da hipertextualidade que o leitor pode construir o seu próprio percurso noticioso, imprevisível. As empresas de comunicação por detrás dos sites informativos e / ou imprensa online fomentam a participação dos leitores, apelando ao contributo na construção informativa com dados e opiniões, mas existirá sempre o Jornalista como mediador de informação, como se infere de uma reflexão de McChesney (2005), citado por Almiron Roig (2006: 5):

The Internet and the digital communication revolution are in fact radically transforming the media landscape, but how they do so will be determined by policies, not by magic. […]. How the Internet develops in the future will have everything to do with policies, ranging from the application of copyright law through the allocation of spectrum for open wireless systems to that is already clear is that merely having the ability to launch a website does not magically transform the media system. (McChesney 2005: 17).

Inaugura-se, assim, um modo de enriquecer textos, aberto a diversas co-autorias. Partindo de um texto principal, «postado» no blogue, convida-se o leitor a seguir um trilho de «link em link», em patamares sucessivos, sem fronteiras linguísticas. O procedimento pode, aliás, ser capturado pelo leitor para definir o seu próprio percurso informativo, para além da página de onde partiu.

Mas aquele também deixa de ser um leitor, com uma postura passiva, para ser «convidado» a participar da construção noticiosa, com contributos informativos através de textos, imagens ou vídeos, opinião, sugestões, etc. A interacção possível mesmo que nem sempre praticada ou aproveitada em pleno pelo leitor inaugura um trilho de imprevisibilidade e o conteúdo noticioso pode fugir ao controlo do Jornalista, porque dependente de variantes exteriores. Nasce a possibilidade de a interactividade entre Jornalista e leitor influir no curso da agenda jornalística, poder intervir e alterar o modelo centralizado de fornecimento de informação. É neste momento que o modelo propiciado pela Internet pode provocar mudança no esquema tradicional de acesso a fontes que dá origem à construção noticiosa, em que num novo paradigma, é concedida ao leitor a oportunidade de intervenção activa e publicação, passando à condição de interveniente, identificado, tal como manda a ética jornalística:

[...] podemos já concluir que a revolução das comunicações mudou “o equilíbrio do poder”, dos media para as audiências, na medida em que existem mais opções de escolha e usos mais activos dos media disponíveis. A comunicação de massas tradicional era especialmente num sentido, enquanto as novas formas de comunicação são essencialmente interactivas. A comunicação de massas tornou-se em vários aspectos menos massiva e centralizada. Além disso é útil distinguir entre as implicações da melhoria da transmissão e da emergência de um novo meio como tal. (McQuail 2003: 29).

A notícia como tradução de uma única realidade possível, conceito abstrato e ilusório que durante muito tempo foi central na discussão jornalística, tem aqui uma oportunidade de abordagem mais próxima da realidade e destruidora do mito da objectividade, permitindo questionar sobre os constrangimentos que dificultam geralmente a adequação entre os relatos e a realidade, pensando que nem as palavras têm capacidade de traduzir as coisas. A blogosfera pode constituir mais uma base reflexiva sobre um tema não esgotado e aberto à discussão para compreender a construção do mundo mediada pelo Jornalista. Um exemplo: divulgar que a realização de uma reportagem foi proporcionada por uma entidade exterior ao jornalista ou à empresa jornalística não sonega que essa premissa de enunciação e produção do relato jornalístico foi crucial a relação com a fonte para transformar o acontecimento em notícia. Sem incorrer na ilusão da simplicidade e ingenuidade do acto jornalístico, é a transparência sobre as condições de enunciação que concorre para estabelecer uma relação de confiança com o leitor.

Tomando a actividade de Maio de 2012 como corpus de Estação Cronográfica, observa-se, afinal, ser um mês particularmente profícuo em noticiário, dada a abundância de novidades que absorvem a comunicação das fontes para com o blogue. Numa estrutura fixa de publicação, que se inicia invariavelmente com uma missiva de pendor poético relacionada com o tempo, segue-se uma sucessão de posts noticiosos, alguns em primeira mão, redireccionamento através de hiperlinks para fontes como sites de entidades, instituições ou outros blogues, se surge propósito noticioso. De um total de 413 posts, repartidos por todos os dias do mês, verifica-se que cerca de 170 mensagens online reportam à actualidade sobre o sector da relojoaria nacional e internacional. Outras abordagens, como à temática do Tempo e da Ciência, em muitos posts, confirmam a diversidade de conteúdos e o papel mediador do Jornalista na ligação entre o acontecimento e o leitor. Finalmente, a capacidade arquivística do blogue ocupa outro espaço de publicação de acesso instantâneo.

Na Internet, um meio por direito próprio, a mensagem jornalística, apesar de se exibir numa diferente plataforma, mantém-se vinculada aos pressupostos éticos fundadores do Jornalismo com o seu carácter diferenciador, em que identificação de fontes e verificação possível dos factos o separam de um mero fornecedor de conteúdos. A blogosfera é uma alternativa mediática, enriquecida pela interacção com o leitor / participante na construção noticiosa, que a exemplo de Estação Cronográfica pode dar um sentido efectivo à globalização, levando a mensagem a ultrapassar fronteiras físicas, nas redes virtuais, edificando um modelo de independência perante a pressão comercial e a estrutura burocratizada das empresas de comunicação social.


6.1.1. Apêndice 1

Entrevista a Fernando Correia de Oliveira, responsável pelo blogue Estação Cronográfica, especializado na temática do tempo e da evolução das mentalidades.

É possível estabelecer um paralelo entre o estilo jornalístico «seco» da agência noticiosa e o praticado pelo blogue Estação Cronográfica. Em que medida essa opção contribui para cativar o leitor e é apropriada a esta plataforma mediática?

Quando iniciei o blogue, essa foi uma das primeiras questões que se me colocou – o estilo. Desde logo, não queria que o Estação Cronográfica fosse um espaço de «recados» ou de «desabafos», a regra seria a informação pura, sem grandes adjectivações. Isso sem deixar, claro, de ter reportagens ou features, peças mais extensas, onde a opinião podia ter lugar.

Mas sempre como excepção e não como regra. Acho que a minha Escola de Agência se materializou aqui claramente. Aliás, se houve alguma coisa que trouxe ao sector, há 15 anos, foi um certo profissionalismo jornalístico, muito ausente da imprensa especializada em Relojoaria, não apenas em Portugal como em muitos outros países.

Traçar uma linha entre informação comercial e informação, enriquecer os dados disponibilizados pelas marcas ou pelas agências de comunicação, relacionar produtos e marcas diferentes entre si. Mais uma vez, com o blogue, a Escola de Agência – seca, directa – foi-me útil. Sei que a maioria dos blogues são «diários», com conteúdos muito pessoais. Tentei que o Estação Cronográfica fosse o que o define – «apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente». Talvez um site fosse mais apropriado a este estilo, mas o crescimento do blogue veio provar que a minha abordagem, afinal, também é válida.

Ao contrário de um vespertino de outros tempos ou de um semanário, que são ao seu modo «marcadores de tempo», o blogue não conhece horas do dia nem fusos horários. Que benefícios para a informação prestada e transformação na rotina jornalística?

A Internet tem estas vantagens – imediatismo, globalidade, fluxo constante, espaço ilimitado. Também aqui há uma aproximação ao meio Agências Noticiosas. As informações (posts) não precisam de ser hierarquizados – do mais importante ao menos; arrumados – breves, features, reportagens, informação de produto, património, fait-divers, memória, etc. podem sair a qualquer hora, uns a seguir aos outros. E ficam eternamente na Net, entram nos sistemas de buscas, são lidos uma semana depois, um mês, um ano depois. 

Estrategicamente, criei alguns produtos obrigatórios – Meditações (uma vez por dia, logo de manhã, com citações relacionadas com o Tempo); Memorabilia (dia sim dia não, com artefactos relacionados com eventos relojoeiros); Memória (features, aos fins de semana, que já saíram no suporte papel); Pilares do Tempo (relógios públicos, em todo o mundo, mas com fotos tiradas in loco, a um ritmo quase diário); Livro do Dia (obras relacionadas com o Tempo; Design Relojoeiro (com peças modernas); etc. Essa ossatura, que pode ser programável (tenho em memória, pronto a sair automaticamente, dezenas desses posts) dá a vantagem de emprestar ao blogue um ritmo regular. Não há pior coisa do que visitar um blogue e, uma semana depois voltar lá, estando tudo na mesma. A colaboração dos leitores do blogue tem sido muito interessante e vindo a aumentar em relação a muitas destas rúbricas. Dá-se sempre crédito a essas contribuições, assinando-as e, quando possível, remetendo-as para hipertexto. O Estação Cronográfica, aliás, rege-se por uma deontologia muito apertada quanto a fontes – identifica-as sempre e dá-lhes sempre crédito. Quando quero usar determinado material, contacto as fontes e peço-lhes autorização. Na Internet, nem sempre as coisas se passam assim. Em termos de rotina, o blogue tem esses produtos obrigatórios. Que habituam o leitor. A secção Chegados ao Mercado, por exemplo (versando produto e informação sobre ele, quando passa a estar disponível) ganhou peso – a expressão é agora usada por muitos players do sector.

A inexistência de limites de espaço é uma característica do novo paradigma informativo iniciado com a Internet, ao contrário do que acontece no formato tradicional em papel. De que modo o blogue tira partido dessa prerrogativa?

Como já referi, essa é uma das vantagens do meio. Como colaboro com publicações especializadas, em papel, em Portugal, Espanha, Brasil, México e Coreia do Sul, uso muito desse material no blogue. Mas sigo sempre a regra de deixar passar algum tempo, dando a «exclusividade temporária» ao meio papel que me pagou o conteúdo editorial. Não havendo problemas de espaço, uso muitas vezes ilustrações diferentes e mais numerosas do que as usadas no papel. E, em circunstâncias como efemérides, uso material publicado em livro – excertos de obras minhas que podem marcar uma data – aniversário da introdução dos fusos horários em Portugal, por exemplo – sem me preocupar em cortar ou adaptar. Esses artigos mais longos são consultados regularmente, anos depois de terem saído – sei disso pelos dois sistemas de auditoria que uso – o Google Analytics e o Blogger. Há algum perigo em postar artigos dessa densidade na Internet, podem vir a ser usados sem que haja citação da fonte, mas costumo arriscar.

A distribuição de blocos de texto noticioso por «patamares», profusamente enriquecidos por links remetendo para outras fontes (blogues especializados, sites institucionais ou noticiosos, etc.) pode facilitar a deriva da leitura, num convite à navegação sem rumo. Que ferramentas são utilizadas para fidelizar o leitor?

Como se refere, enriqueço muito os posts com hipertexto, acho que isso não dispersa a leitura – quem quer a informação concisa basta-se pelo post, quem quer aprofundar mais, vai aos links – acho que isso demonstra uma certa dose de honestidade intelectual minha, algum investimento, alguma poupança na escrita. A fidelização do leitor faz-se sobretudo por lhe fazer notar que a informação que encontra no Estação Cronográfica ou é em primeira mão, ou é a mais rápida, ou é a mais completa. E, sobretudo, fiável. A pouco e pouco, um público muito diferenciado, que se interessa pelo Tempo, em toda a sua multidisciplinariedade, vai descobrindo o blogue. Fazê-lo voltar regularmente é a chave. A potenciação dos conteúdos do Estação Cronográfica é feita com anúncios dos posts mais importantes no Facebook ou, ainda mais excepcionalmente, no Linkedin. Só uso essas redes sociais, e inteiramente para fins profissionais. As entradas no blogue cresceram exponencialmente com a visibilidade que ele adquiriu nessas plataformas. Mas é preciso ter cuidado e não banalizar – há três a quatro avisos diários, num dia que costuma ter entre 15 a 20 posts.

Podemos considerar que existe um determinismo tecnológico, quando a máquina condiciona a organização e a rotina do jornalista profissional?

A mensagem é o meio? Claro. Mas não adapto o estilo ao blogue. Se a abordagem foi a usada para o meio papel, para um jornal de Economia, é essa que aparece no blogue. Se a abordagem foi mais técnica, num artigo para uma revista especializada, é assim que aparece. Se o post é informação dada em primeira mão no Estação Cronográfica – e isso acontece cada vez mais –, haverá depois adaptação ao formato papel e à publicação específica, mas o contrário não acontece. O Estação Cronográfica é uma espécie de Agência Noticiosa sobre Tempo, Luxo, Sociologia do Luxo, onde as notícias não têm hierarquia e onde todos podem encontrar tudo. Do ponto de vista da minha rotina profissional como Jornalista, o Estação Cronográfica veio assim alterar radicalmente a minha forma de trabalhar – estou sempre a trabalhar, a qualquer hora, em qualquer sítio – e tenho sempre em conta, antes de tudo, a publicação no blogue. Aí se encontra também uma certa Escola de Agência, com a técnica de racionalização e economia de meios, rapidez. Como o blogue é totalmente independente – não tem publicidade – pode haver uma certa contradição entre o tempo gasto com ele e o trabalho (remunerado) que desenvolto em termos de conteúdos editoriais. Mas, sendo Jornalista freelance, há dez anos, o blogue potencia-me a importância no sector, e não apenas à escala nacional, mas internacional – há cada vez mais marcas que mantêm com o Estação Cronográfica uma relação directa, sem passar por intermediários; há cada vez mais marcas que me solicitam para eventos, apenas pela importância do blogue (os clips das agências de comunicação passaram a incluir os blogues, as buscas no Google mostram a importância relativa de cada um, o Estação Cronográfica está cada vez mais bem colocado nesses rankings, isso faz com que ele seja procurado para difusão de informação em primeira mão, é um efeito de bola de neve). O Estação Cronográfica é hoje o meu principal cartão-de-visita em termos mundiais – secundariza-se o facto de manter colaboração com mais de vinte títulos, em várias línguas. Mas tudo isto é um sistema de vasos comunicantes. Digamos que não dou por mal empregue o tempo (muito) que dedico ao blogue.

O ambiente online afecta a estrutura da notícia, dada a inexistência de limites de espaço: a resposta às perguntas elementares do lead (o quê?, quem?, quando?, onde?, como?, e porquê?) surge desconstruída podendo alargar-se os itens como? e porquê?. Até onde vai a influência da tecnologia na organização e rotina do ofício do Jornalista?

Como já disse, não faço adaptações de estilo quando publico no blogue alguma coisa que já publiquei noutro meio. Passa-se essa adaptação quando publico primeiro no blogue e depois repito a informação no papel. O estilo jornalístico, em toda a sua plenitude, está presente no que escrevo – sigo as regras éticas, deontológicas da profissão. Cito fontes, respeito o contraditório, separo a opinião do facto, depuro as adjectivações de marketing (quase sempre imbecis, aliás) quando trabalho press-releases. Acho que isso tem sido o segredo do sucesso do blogue – informação fiável, se possível dada antes dos outros, se possível em exclusivo e em primeira mão, se possível ir mais longe do que o press release, se possível investigar fora da agenda das agências de comunicação. Manter uma leitura atenta das fontes primárias – blogues e sites de instituições científicas e culturais ligadas ao Tempo, de manufacturas, de outros Jornalistas especializados – e fazer recensões, citando sempre a fonte. Esse tem sido também um trabalho inédito no meio, que tem ganho leitores – as instituições, depois de serem citadas uma vez, são elas próprias que passam a enviar a informação directamente para o blogue.

Estação Cronográfica pode ser observado como um exemplo de alternativa mediática, por ser um blogue noticioso profissional sem espaços publicitários. Esta opção liberta-o duplamente, por um lado, da pressão publicitária que cada vez mais é exercida sobre o Jornalista com vista à publicação de notícias com proveito comercial, e, por outro, da estrutura burocratizada das Redacções das empresas de Comunicação Social, que interfere consideravelmente nos conteúdos das publicações. Em que medida esta liberdade consegue ser exercida em pleno?

Até agora, a 100 por cento. Como Jornalista, não é apenas no blogue que me preocupo em separar as águas. Nos cerca de 20 títulos em papel em que colaboro, não tenho qualquer interferência no aspecto publicitário, quando se sabe qual é a lamentável realidade quando falamos de imprensa especializada – não apenas em Portugal… Os meus conteúdos são puramente editoriais, as capas dos títulos em que colaboro são opções editoriais, o espaço e a cobertura da informação são da minha inteira responsabilidade, nada tendo a ver com o facto de haver ou não investimento publicitário. Isso tem-me dado uma equidistância em relação aos players do sector, a nível nacional e internacional. Será, aliás, a minha principal mais-valia. O blogue apenas veio reforçar essa imagem de independência. Claro que sou solicitado – mais pelas agências de comunicação do que pelos seus clientes – a dar determinadas coisas, a dar-lhes determinado espaço, relevância de primeira página. Mas, com o tempo, uns e outros foram-se apercebendo de que, em caso de pressão, as coisas até costumam funcionar ao contrário… E o blogue é um grande espaço de liberdade, da minha liberdade.

O conceito de globalização está associado à Internet como ambiente com possibilidades quase «infinitas» de atingir um público com certeza vasto, mas dificilmente mensurável. A barreira da língua, todavia, torna a globalização uma «ideia questionável». Estação Cronográfica contraria esse carácter redutor do Português, publicando noutras línguas. Que expectativas em relação à recepção no universo de falantes de Português?

O universo da língua portuguesa não é tão despiciendo como isso. E, por outro lado, inclui dois espaços com grandes potencialidades no âmbito do luxo – Brasil e Angola. Por um lado, como já disse, o Estação Cronográfica ganhou um peso específico a nível internacional, junto da indústria relojoeira no seu todo, junto da comunidade de fazedores de opinião nesse sector porque, mesmo não percebendo português, as marcas, as agências, os meus colegas apercebem-se do âmbito, da exclusividade, da rapidez – basta verem as fotos que ilustram os posts. O meu benchmark são dois blogues norte-americanos, dois sites suíços e um site francês. Cito-os com regularidade e eles citam-me. Sentimo-nos fazendo parte de uma comunidade muito restrita. As autoridades do sector relojoeiro mundial elegem-nos para determinados eventos institucionais, muito restritos, onde estão muito poucos Jornalistas. Acho que isso se deve à importância do Estação Cronográfica, não tanto ao que escrevo em papel. Depois, como chego aos falantes de língua portuguesa, isso ganha ainda maior dimensão. Recentemente, passei a ser contactado directamente por agências de comunicação e por representantes de marcas que actuam apenas no mercado brasileiro, e que querem que a sua informação apareça no blogue.

O autor do blogue tem acesso à informação veiculada online em todas as línguas que domina. Coloca-se a questão da filtragem da informação. Que critérios para dosear o excesso de informação, a chamada «infoxicação»?

Procuro, como referi, preencher uma lacuna em língua portuguesa – fazer um digest de informação para quem está interessado nas temáticas do Tempo e do Luxo – para isso tenho uma rede de contactos, leituras diárias obrigatórias, etc. Para combater a «infoxicação», nada melhor do que fazer uma leitura diária do Estação Cronográfica.

Procuro que esteja lá tudo o que é mais importante – que ali dei ou que li em determinado sítio. O objectivo é criar ao leitor do Estação Cronográfica uma sensação de conforto – a de não ter perdido nada de importante. No início, fazia uma espécie de newsletter semanal, que enviava para uma rede de contactos – à sexta-feira fazia um tratamento noticioso, e em texto corrido, do que o blogue tinha dado de mais importante nessa semana. Isso foi importante para fidelizar leitores nos primeiros meses, mas depois achei desnecessário e demasiado. Banalizar os alertas mata os alertas. Um mail do Estação Cronográfica deve ser a excepção e tratar de algo verdadeiramente muito importante.

O apelo à interactividade e à participação / contribuição do público é incrementado nas versões online dos Meios de Comunicação Social e uma característica da blogosfera. O retorno por parte do leitor do Estação Cronográfica permite concluir que estamos perante uma plataforma que incentiva ao exercício da cidadania?

O Estação Cronográfica preocupa-se, desde a sua génese, com a Cultura, o Património, faz campanha pela defesa de peças, procura a pedagogia. Liderámos já processos de restauro em três casos de relojoaria grossa, fazemos palestras nas mais diversas instituições falando da necessidade de proteger esse património, falamos regularmente disso no Estação Cronográfica – que trabalha em rede com lóbis instituídos como o Observatório dos Relógios Históricos de Lisboa ou com o Cidadania LX. Os leitores são incentivados a localizar e / ou a denunciar casos de abandono, incúria. E têm respondido (pouco, convenhamos) a esses apelos.

Se o público interage e participa da construção da notícia com contributos, gozando de um acesso à publicação de que antes não dispunha, podemos continuar a chamar-lhe leitor, ou deveríamos passar a designá-lo colaborador? Todo o leitor está identificado ou parte é anónimo?

Os leitores do blogue são cada vez mais colaboradores. Sempre que há uma dica de um leitor, o post que daí resulta traz sempre a sua identificação e um agradecimento. Há um núcleo duro de colaboradores, desde os que contribuem com fotos para a secção Pilares do Tempo (relógios públicos em todo o mundo) aos que fazem versos para as Meditações. Essa participação tem aumentado, com alguns leitores a fazerem mesmo investigações em fontes primárias, que depois nos disponibilizam de forma generosa. Esse é um dos aspectos mais gratificantes do blogue. Não aceito nem contribuições nem comentários anónimos.

O blogue responde à tendência actual de segmentação de públicos dirigindo-se “cirurgicamente” a uma faixa de população interessada na temática do tempo. Como foi construído o universo de público-alvo?

Não houve, confesso, qualquer preocupação em criar um público-alvo. Criei o conceito do blogue ao fim de um mês de estudo, mas apenas para saber o que eu queria dele e não o que os potenciais leitores poderiam procurar. Lancei o Estação Cronográfica em pleno Verão, não lhe dei um nome que facilitasse a busca na Internet (não há Relógio ou Relojoeiro, ou Tempo), não fiz qualquer lançamento apoiado noutro meio. As coisas foram acontecendo naturalmente. A principal razão para ter avançado com o blogue foi o facto de, em 2009, e devido já à crise, não ter assegurado qualquer tipo de mecenato para as obras de investigação que costumo produzir anualmente. Tinha, assim, tempo. Depois, e porque me ia chegando cada vez mais informação, que não publicava no suporte papel, pensei em «desentupi» o sistema, criando o blogue. Abriu-se uma Caixa de Pandora e, hoje, é o blogue que determina os meus dias, não sou eu quem determina os dias do blogue… E os meus públicos são cada vez mais vastos e inesperados.

Que sistemas utiliza o Estação Cronográfica para quantificar o público que consulta o blogue? Que fiabilidade por comparação com os medidores de audiências dos Meios de Comunicação Social?

Como referi, uso duas ferramentas de audimetria – o Google Analytics e as Estatísticas do Blogger. Ambas são fiáveis, independentes, e muito pormenorizadas. E não mentem, coisa que não se passa, infelizmente, no papel e nos seus números de tiragem, que são muitas vezes fantasiosos. Funcionam em tempo real, a qualquer hora, e em qualquer lado. Tenho usado essas ferramentas para ir afinando conteúdos. Por exemplo – há uma quebra de cerca de 30 por cento na consulta do blogue aos fins-de-semana. Há dois meses comecei a tentar contrariar isso colocando nesses períodos peças mais longas, que tratam de Cultura, de Património. A correcção do desvio tem sido notória.

Para se ser Jornalista num determinado meio de comunicação não é necessário «estar» nas instalações desse meio. A profissão tem características que se enquadram muito bem no regime de teletrabalho. No entanto, a facilidade de comunicação e de encontro com as fontes através da rede Internet convida a um Jornalismo «sentado», mais passivo, menos interveniente, uma espécie de relato em «segunda mão» de uma realidade que é, assim, duplamente intermediada. Comentário?

No meu caso, até se passou tudo ao contrário. Fazia um jornalismo muito mais «sentado» antes de ter o blogue. Com a importância que o Estação Cronográfica atingiu, sou cada vez mais solicitado a estar presente em eventos, em Portugal e no estrangeiro. Devido ao blogue, passei a estar incluído num círculo restrito de uns vinte Jornalistas, à escala mundial, solicitados a estar presentes nos mais importantes eventos do sector da Relojoaria. O conteúdo do blogue reflecte isso, com cada vez mais reportagens. Por outro lado, essa cobertura em directo dos acontecimentos tem-me dado acesso a fontes que, de outro modo, me estariam vedadas ou seriam muito difíceis de contactar. Falo de CEOs dos grandes grupos económicos do Luxo, dos líderes das grandes manufacturas relojoeiras, dos players mundiais – eles fazem hoje parte da minha rede de contactos no Linkedin e isso só é possível depois de ter havido contactos directos. Por outro lado, mantendo as colaborações que mantenho, contacto hoje em dia com regularidade cerca de dez redacções em Portugal e outras tantas no estrangeiro, o que me dá vantagens de «geometria variável» muitos úteis.

Não basta saber escrever para informar, é preciso dominar uma série de técnicas relacionadas com a digitalização, apesar de as ferramentas de software de blogues disponíveis, do género amigas do utilizador (users friendly), permitirem a manipulação fácil com reduzidos conhecimentos técnicos, resultando num modelo económico de publicação com expectativas de larga audiência. Como vê o Estação Cronográfica a execução destas tarefas?

Estranhamente, cada vez melhor. Os meios à minha disposição são cada vez mais «amigos». Mas reconheço que deveria investir algum tempo em conhecimento de software e outras ferramentas, para poder potenciar ainda mais o blogue e as redes sociais onde ele e eu estamos presentes. No que respeita ao uso do meio, sou muito pragmático – faço o que sei, procuro não perder tempo em complicar. Não uso, por exemplo, filmes no blogue. Acho que a tecnologia não é ainda suficientemente rápida. Quando muito, remeto para links onde os filmes se podem ver. Do ponto de vista de titulação e «paginação» do blogue, os «truques» usados dizem muito respeito aos 40 anos de Jornalismo. A tarimba, mesmo na Internet, acho que se nota… Iniciei há exactamente dez anos a actividade como freelance, «empurrado» por mais uma crise no Público. Sem a Internet, sem as redes sociais, penso que não teria sobrevivido. Acho que me adaptei razoavelmente, atendendo à idade…

A plataforma online traz a possibilidade inédita de oferecer um arquivo online, centralizando conhecimentos e informação de acesso fácil e rápido. Essa alteração reforça e promove a proximidade do blogue com o seu público?

Sim, muito. Como disse, e consultando as notícias mais vistas ao longo do dia, da semana ou do mês, através dos softwares de audimetria online, cada vez mais se percebe que posts colocados há muito tempo – de repente – se tornaram populares, tiveram um pico de consulta, por razões «misteriosas». O melhor teste para se saber da importância que temos na blogoesfera é fazer buscas com palavras-chave no Google ou outros motores. Se estamos regularmente entre os cinco primeiros links indicados – no nosso respectivo sector, e aqui, o Tempo e a Relojoaria – é porque estamos no bom caminho. E, se continuarmos a alimentar o caudal, daqui a um ano só poderemos estar melhor… mesmo que essa primazia seja fruto de posts colocados há muito tempo. Numa palavra – fascinante!