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domingo, 27 de novembro de 2011

Memória - Os sinos e o silêncio


Os sinos e o silêncio

Fernando Correia de Oliveira*

Se há denominador comum ao que se convencionou chamar de Ocidente, ele é o Sino. Objecto desde sempre ligado ao sagrado, o sino assume-se como “voz” do substrato cristão que, ainda durante o Império Romano, se vai estender até limites que hoje continuam a funcionar como fronteiras desse Ocidente: desde logo, a África, a sul; a Turquia e as planícies para lá dos Urais, a leste. Só na Ásia voltamos a encontrar os sinos como reguladores colectivos de ritmos e vivências.

O que é o sino? Acima de tudo, um marcador de tempo. De tempos, religiosos, primeiro. Usado entre as comunidades fechadas em mosteiros e conventos, foi desde cedo acoplado a torres de igreja. O seu som servia para regular, através de toques associados às Horas Canónicas, o dia normal de uma comunidade. Não apenas a comunidade de frades ou monges, mas também a comunidade de leigos que vivesse nas proximidades. Hora de levantar e de deitar, de rezar e comer. Em ocasiões especiais, o sino marcava com alarme as horas de aflição (incêndios, inundações, invasões) ou de pesar (enterros). Mas também de alegria (assinalando o final da Quaresma, o fim da Paixão).

Inicialmente, os sinos viveram sozinhos, pendurados em sítios altos, accionados de forma mais ou menos regular, e de forma manual, por religiosos que se orientavam por relógios de sol.

Depois, e não se sabe bem quando nem onde, apenas que terá sido no seio dessas comunidades religiosas em mosteiros e conventos, aos sinos foram sendo acoplados mecanismos que mediam o tempo – os relógios.
Os primeiros relógios não têm mostrador. Servem para “bater” as horas e não para as “mostrar”.

Com o desenvolvimento da técnica, os sinos que davam apenas horas, passaram a dar meias horas e quartos, em tons diferentes. E, depois, começamos a falar de carrilhões, com os mecanismos de relojoaria a accionarem, a pedido ou automaticamente, melodias religiosas de louvor a Deus e ao panteão cristão.

Para que os sinos pudessem funcionar, passou a ser necessário que os relógios também funcionassem. E que alguém lhes desse regularmente corda. Com os tempos, o sacristão ou o monge foi-se tornando “bem escasso” e, hoje em dia, em praticamente todo o Ocidente, os mecanismos de dar corda dos relógios acoplados a sistemas de sinos estão automatizados, electrificados.

Em Portugal, onde esse problema também se colocou, os relógios e os sinos foram sendo deixados, no último meio século, ao mais feroz abandono.

Se olharmos para as torres das igrejas, os relógios estão parados e os sinos não cantam. Ou… as rodas dentadas estão paradas, mas os ponteiros até andam, os sinos não se movem mas até parecem tocar. Nos bastidores há um circuito de quartzo a fazer andar o relógio e o som que se ouve é debitado por um altifalante, fruto de um programa informático, onde dezenas de melodias se armazenam. Nem o relógio nem o som têm “alma”.

Em alguns casos, os relógios já desapareceram ou deixaram de estar umbilicalmente ligados (através de cabos, travessas e martelos) aos sinos, deixando estes sós, tristes, sem jeito ou função. É o Tempo que está parado.

*Jornalista e investigador na área do Tempo, da Relojoaria e da evolução das Mentalidades a eles ligada (artigo publicado na revista Espiral)

2 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Quando nas nossas aldeias
deixa o sino de tocar,
nossas almas ficam cheias
de uma tristeza sem par!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Sempre que uma badalada
dos sinos ouço tocar,
vem-me à ideia o lugar
da minha última morada!

JCN