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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Memória - A hora amarela - a China e o Luxo


Noiva a ser fotografada em Beijing, junto a uma antiga igreja cristã


Texto publicado no Fora de Série Especial Jóias, de Maio de 2011

A hora amarela

Fernando Correia de Oliveira

Estará a indústria do luxo, e por maioria de razão, a relojoaria, a viver tempos demasiado dependentes da surpreendente China? Por enquanto, os ventos estão de feição, o semáforo está verde, mas há quem avise que ele vai passar rapidamente a amarelo, e preveja que a próxima tempestade económica e financeira virá do “vermelho” Império do Meio.

A relojoaria é a terceira indústria de exportação suíça e, após a crise de 2008/2009, a recuperação foi rápida, devido à procura exponencial que continua a registar-se na Ásia, especialmente na China.

Pela primeira vez desde que há registos, a China colocou-se em Março como segundo mercado para a relojoaria suíça, ultrapassando os Estados Unidos. Se pensarmos que em primeiro lugar está Hong Kong, e que mercados como o francês vivem bastante das compras efectuadas por chineses em viagem, podemos facilmente perceber a importância crucial que está a assumir o consumidor chinês no quadro global.

A maior parte dos observadores prevê que 2011 seja, também por isso, um ano de recorde absoluto em termos de exportações relojoeiras helvéticas.

A médio prazo, o quadro poderá não ser tão animador, avisam algumas vozes. Desde logo, alerta-se para o facto de o sector começar a estar demasiado dependente de um único mercado – há marcas que destinam até 50 por cento da sua produção para a China e, no cômputo geral, pensa-se que entre cada 4 relógios produzidos na Suíça, um vá parar a mãos chinesas. Ora, se algo ocorrer de negativo para os lados de Beijing…

Martin Wolf, editor-chefe-adjunto e comentador do Financial Times, recentemente nomeado pelo governo britânico para a nova Independent Commission on Banking, é uma das vozes pessimistas. Falando no Fórum de Alta Relojoaria, há dias ocorrido em Genebra, ele pensa que a economia mundial ainda se encontra à beira da recessão. “Quando tudo parece bem em economia, a experiência diz-nos que é porque vem aí uma crise”, pensa ele. “Como está tudo a correr tão bem nos países emergentes, a próxima crise virá daí”, conclui.

Martin Wolf faz notar que esses países emergentes têm conseguido taxas de crescimento da ordem dos 6 a 7 por cento ao ano, “duplicam a sua economia em cada 12 anos” e que os optimistas antevêem uma China mais rica que os Estados Unidos já daqui a 20 anos.

O quadro é impressionante – a China conseguiu, em 20 anos, passar o seu PIB do equivalente a 5 por cento do PIB norte-americano para os actuais 20 por cento. “Isso pode comparar-se com o quadro do Japão face aos EUA nos anos 50 do século XX”, faz notar Martin Wolf.

Adepto das análises dos chamados “modelos longos”, o britânico salienta que a crise mundial vivida em 2008/2009 foi a maior desde a Grande Depressão e que os factores da sua génese se encontram ainda todos presentes. A Grã-Bretanha, a exemplo da generalidade dos países ocidentais, regista défices apenas ocorridos em tempos de guerra. “Os países desenvolvidos não ultrapassarão tão cedo os efeitos da crise e não é seguro que o crescimento a que temos vindo a assistir em países como a China, Índia, Brasil ou México seja sustentado”, diz.

Martin Wolf traça um quadro negro – desastre fiscal iminente no Ocidente, aumento das desigualdades sociais, inflação devido à subida de preço das matérias-primas não renováveis.

“A China vai passar ao estádio de desenvolvimento mais exigente em termos de matérias-primas – o do aumento do consumo privado: carros, máquinas de lavar, frigoríficos, televisões”, aponta. “O aumento do preço das matérias-primas é estrutural e não conjuntural. Se a China e a Índia quiserem ter o número de carros per capita igual ao dos Estados Unidos, não haverá petróleo que chegue”.

O fluxo de capital que nos últimos anos inverteu a tendência normal e começou a ir dos países pobres (com balanças comerciais positivas) para os países ricos (especialmente os Estados Unidos, onde foi gasto na bolha imobiliária) vai continuar. “Nos países emergentes, está mais dinheiro a chegar lá do quem aquilo que eles podem absorver”.

“Em termos mundiais, os países não podem todos crescer as suas exportações. Não temos um grande mercado em Marte”, diz Martin Wolf.

Considerada actualmente o motor da indústria do luxo (ultrapassou no ano passado o Japão como primeiro mercado mundial), a China viverá dentro de pouco tempo uma crise – vaticina Wolf. “Durante as últimas décadas, o investimento chinês foi superior ao crescimento do PIB, criando uma situação muito instável em termos de inflação. Agora, as autoridades chinesas começam a estar preocupadas e haverá uma diminuição brusca do investimento. O crescimento cairá abruptamente quando o investimento estiver abaixo da taxa de consumo”, avisa. “O fim do boom vai acontecer, inevitavelmente, só não sabemos quando”.

Quanto ao mercado português, 2010 foi ano de recorde absoluto de importações relojoeiras – o que não deixa de surpreender, dado que já então prevalecia o ambiente de crise. Mas 2011 deverá ter uma redução sensível no consumo, como já indicam os números do primeiro trimestre.

“A situação só não é mais grave porque temos tido a ajuda dos consumidores angolanos, sobretudo, e brasileiros”, dizia-nos há dias um dos principais retalhistas de Alta relojoaria, com pontos de venda em Lisboa e Porto. “E, agora, começa a surgir também o chinês residente em Portugal, que vai comprando algumas peças caras”.

O universo Internet

O ano relojoeiro começou, como é já tradição, com a realização em Janeiro, do Salão Internacional de Alta Relojoaria (SIHH), em Genebra. Ali, um escasso número de marcas (não chegam a 20, mas produzem peças de altíssimo valor acrescentado) tem os primeiros contactos com os maiores e melhores retalhistas de todo o mundo.

O SIHH deste ano decorreu sob o pano de fundo de mais um WorldWatchReport, o estudo regular online sobre as tendências de consumo no sector, a nível mundial. Uma das primeiras conclusões: uma em cada quatro buscas de marcas de Alta Relojoaria na Internet é proveniente da China, posição apenas ultrapassada pelos Estados Unidos (29%).

Depois, aquilo que os potenciais consumidores procuram difere de país para país: o interesse em falsificações de Alta Relojoaria é mais elevado no Brasil e nos Estados Unidos. A informação sobre preços tem grande importância nas buscas da China e da Índia: Os nomes dos modelos lideram nos países ocidentais.

A IWC e a Patek Philippe consolidam a sua posição como marcas mais procuradas em Alta Relojoaria, com respectivamente 31.4% (+6.7 pontos) e 18.8% (+5.3 pontos) da procura global online.

Com mais de 45 mil fãs, a Audemars Piguet é a mais popular marca de Alta Relojoaria no Facebook, que continua a ser a maior comunidade online para relógios topo de gama, com um total de 150 mil fãs.

A sétima edição do estudo de Mercado WorldWatchReport foi feito pela IC-Agency,uma empresa especializada em marketing de luxo digital, e baseou-se em entradas registadas em motores de busca para 25 marcas de relojoaria de luxo. O estudo cobriu 10 mercados cruciais, incluindo os BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China; e os principais mercados de exportação (Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Itália, França e Alemanha).

Por ordem decrescente, estas são as dez marcas de Alta Relojoaria mais populares na Internet: Audemars Piguet, Blancpain, Breguet, Franck Muller, Girard-Perregaux, IWC, Jaeger-LeCoultre, Patek Philippe, Vacheron Constantin e Zenith.

Os três modelos mais populares nas buscas online são o Reverso, da Jaeger-LeCoultre, o Royal Oak da Audemars Piguet e o Português da IWC. O trio representa cerca de 20 por cento da procura global de Alta Relojoaria.

A importância do Facebook é crescente. No WorldWatchReport de 2010, apenas metade das marcas analisadas tinham página nessa rede social. Em 2011, apenas uma não está presente (Patek Philippe).

O WorldWatchReport tem como campo de análise as seguintes marcas: Alta Relojoaria: Audemars Piguet, Blancpain, Breguet, Girard- Perregaux, Jaeger-LeCoultre, Patek Philippe, Vacheron Constantin, Franck Muller, Zenith, IWC; Joalharia / Femininas: Bvlgari, Cartier, Chopard, Piaget; Prestígio: Breitling, Hublot, Omega, Rolex, Tag Heuer; Gama média: Baume & Mercier, Ebel, Longines, Montblanc, Raymond Weil, Rado.

As tendências formais

Em Março, na Baselworld, a maior feira do sector, que congrega centenas de marcas em Basileia, o ambiente geral era de optimismo, mais uma vez devido à presença maciça de compradores chineses – contrabalançando a ausência do Norte de África e de algum Médio Oriente (devido à agitação social e política na zona) e o choque psicológico do Japão (no rescaldo da catástrofe terramoto /tsumani / nuclear).
As tendências formais na Baselworld vieram confirmar as do SIHH em Genebra e estiveram em linha com o volte-face ocorrido em 2010, após a crise – modelos mais sóbrios, linhas mais depuradas, cores pastel, formas revivalistas a lembrar os anos 50 e 60 – as chamadas peças vintage são agora as grandes inspiradoras.

Não quer isto dizer que os chamados relógios conceptuais (novas formas de ler o tempo, uma explosão criativa ocorrida há 15 anos) tenham desaparecido. Mas estão hoje mais claramente situados em nichos de mercado, com as grandes marcas a abandonarem essas experiências. Uma das excepções é a Hermès, que continua a cultivar a sua “leitura poética do Tempo”, tendo apresentado este ano um surpreendente Temps Suspendu, revolução mecânica “vestida” num fato clássico… (criação do mestre relojoeiro Jean-Marc Wiedrrecht, que permite a suspensão da contagem do tempo pelo período que se quiser, premindo um botão, com os ponteiros das horas e minutos a recolherem-se às 12 horas, desaparecendo o ponteiro da data. Accionando-se de novo o botão, a contagem do tempo recupera, como se nada se tivesse passado).

Uma das razões dessa onda conservadora na indústria é o novíssimo mercado emergente asiático, que quer comprar relógios de formas clássicas, que lhes dê acesso imediato ao paradigma de “luxo europeu”, sem estravagâncias…

As caixas estão a diminuir de tamanho – os 38 mm começam de novo a ser aceites, acima dos 44 mm já quase não há modelos – e os extra-planos aumentam a sua presença nos catálogos.

As marcas com história revisitam os seus catálogos antigos e começam a cingir-se a ícones que lhes dão automática identidade – a Cartier com um Ballon Bleu extra-plano; a Glashütte Original com o Sixties Square Tourbillon; a Jaeger-LeCoultre com o Grande Reverso Ultra Thin Tribute to 1931; a Omega com o De Ville Hour Vision Blue; a Rolex e a declinação do Cosmograph Daytona; a Vacheron Constantin com o Historiques Aronde 1954 – são exemplos disso mesmo.

Para além do quadro global de incerteza, num sector que vive hoje em dia de olhos voltados para a China (onde tem feito investimentos avultados, com a inauguração de boutiques mono-marca, a melhor maneira de chegar ao consumidor local), há um factor que se vai agravando de dia para dia: a falta de relojoeiros.

No último quarto de século, com o ressuscitar do relógio mecânico, centenas de milhões de novas peças foram vendidas. Elas têm que ser mantidas, reparadas. Estima-se que o ritmo de formação de relojoeiros seja dez vezes inferior às necessidades do mercado. Ora, aí está uma profissão de futuro…

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