Coisas do Ephemera ou a persistência das memórias olfactivas
O córtex olfactivo primário forma uma ligação anatómica
directa com o complexo amígdala – hipocampo do sistema límbico. Duas sinapses
apenas separam o nervo olfactivo da amígdala, que constitui uma zona crítica
para a expressão e experiência de emoções e para a memória emocional dos
humanos.
As amígdalas são grupos de neurónios que, juntos, formam
duas massas esferóides de substância cinzenta com cerca de três centímetros de
diâmetro, localizadas no pólo temporal de cada hemisfério cerebral de grande
parte dos vertebrados, incluindo o ser humano.
Esta região do cérebro faz parte do sistema límbico e é um
importante centro regulador do comportamento sexual, do comportamento
agressivo, respostas emocionais e da reactividade a estímulos biologicamente
relevantes. Este conjunto nuclear é também importante para os conteúdos
emocionais das nossas memórias.
Apenas três sinapses separam o nervo olfactivo do hipocampo,
envolvido na selecção, transmissão de informação e preservação da memória.
Nenhum outro sistema sensorial tem este tipo de contacto tão directo e intenso
com o substrato neurológico da emoção e da memória.
Isso poderá explicar porque, habitualmente, memórias
provocadas por odores são excepcionalmente potentes.
O olfacto é, contudo, o mais lento dos sentidos. A visão
demora cerca de 45 microssegundos a ser detectada pelo cérebro, enquanto o
olfacto demora cerca de 400 microssegundos e o reconhecimento demora 600 a 800
microssegundos.
Mas, uma vez recebida, a sensação de cheiro também persiste
mais tempo do que sensações produzidas por outros sentidos.
Os receptores olfactivos são os únicos directamente expostos
ao meio ambiente e são também os únicos, que se saiba, regenerarem, com a sua substituição
completa aproximadamente a cada 28 dias. [1]
Tudo isto para dizer que o cheiro a grãos de café acabados
de moer é dos mais genericamente reconhecidos, dos que mais memórias
agradáveis, de conforto e intimidade, costumam despertar. O café desperta, o
seu cheiro também…
O odor a café, aos seus grãos feitos pó, é também muito persistente
no tempo. Um moinho de café é mais do que o objecto em si. Projecta a memória
de quem o usou durante décadas para situações, locais, emoções. E o odor que
dele emana costuma despertar o desejo de… beber um café.
Fabricado em Espanha pela fundição M. J. F., mais propriamente
na Catalunha (Cornellá de Llobregat, Barcelona), nos anos 1930 / 1940, este
moinho de café, em ferro fundido e gaveta de madeira, pesa quase 3 kg. Está em
perfeitas condições e foi oferecido ao arquivo Ephemera por um dos seus
voluntários, Francisco Avillez. Guardado há anos, destronado por maquinaria
eléctrica, irá agora fazer parte do espólio guardado no Núcleo de Gastronomia
do maior arquivo privado do país.
Quando se abre a sua gaveta, o odor a grão moído continuará –
por quanto tempo mais? – a provocar o desejo incontornável de… beber um café, Na
máquina expresso mais à mão.
[1] https://link.springer.com/content/pdf/10.3758/BF03210754.pdf
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