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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A habitação social na indústria relojoeira suíça em 1898

Nos paizes extrangeiros muito se tem feito com o fim de melhorar as habitações operarias, as casas para gente pobre.

Bastar-nos-hia citar a Suissa, uma nação pequena e pobre como a nossa. E a Suissa que, no ponto de vista politico, é uma nação modêlo, no ponto de vista da remodelação social está ainda longe de attingir a mesma altura. Apesar d'isso, muito tem realisado. A questão das casas para operarios dispertou alli a attenção publica e a solicitude dos donos de fabricas. Lavollée na sua interessante obra—Les classes ouvrières en Europe—publicada em 1882, reuniu elementos curiosissimos. Extrahiremos para aqui alguns.

Na Suissa teem sido ensaiados todos os systemas para dar á gente pobre, em particular aos operarios, habitações salubres, espaçosas, que fiquem a poucos passos das officinas e que sejam baratas o mais possivel. Em grande parte teem tirado optimo resultado, apesar das difficuldades que tinham a vencer, das quaes não eram decerto as menos importantes o rigor do clima e a agglomeração anti-hygienica, devida á pequenez das cidades.

Muitos operarios e industriaes, graças á industria caracteristica do paiz, a relojoaria, lhes permittir que trabalhem isolados, podem gosar a felicidade de viver em familia e no meio do campo. Habitam chalets de madeira, espaçosos, arejados, bem limpos, expostos ao bom sol e afastados uns dos outros. Rarissimas vezes precisam sahir para ir procurar fora trabalho.

Ha excepções, localidades onde os operarios estão como os nossos relativamente a habitações.

Schaffhouse, por exemplo, onde os bairros operarios são insalubres. Em Neuchâtel os operarios que teem familia pagam de renda annual 250 a 300 francos por casas más; um quarto custa de 120 a 150 francos. Em Genebra as habitações miseraveis, insalubres, em ruas estreitas e tortuosas, como as da nossa Alfama, arrendam-se ainda por preços muito mais elevados: um quarto não custa menos de 150 francos e um alojamento para uma familia 450 francos.

Boehmert, em 1872, citava casos de viverem familias n'um só quarto, n'um estado vizinho da promiscuidade. E outros de casas com oito ou nove compartimentos habitadas por tres ou quatro familias, tendo de mais a mais hospedes permanentes! Não era tambem raro encontrar-se um quarto estreito e baixo, onde dormiam seis, sete e mais homens, isto é, o que succede em Lisboa nos quartos de malta.

Mas na Suissa, onde quer que se denuncie a existencia do mal, todos procuram remedial-o. Assim, o operario encontrou por toda a parte poderosos auxiliares para sahir d'essa situação miseravel. Sociedades de construcção e associações operarias, proprietarios e fabricantes, especuladores e philantropos disputam entre si os melhores systemas de casas boas e baratas para dar á gente pobre. Vê-se ahi, par a par, o typo mulhousiano, isto é, de casas independentes e isoladas para uma só familia, a habitação caserna, as casas agrupadas de duas a duas ou de quatro a quatro, mas tendo cada uma entrada separada, os bairros operarios, etc.

Estes ultimos multiplicaram-se em alguns cantões, como em Argovia, Zurich, Glaris e Saint-Gall. Entre os mais notaveis podem-se citar, em primeiro logar, os da grande fabrica de machinas de Escher, Wyss & C.a, em Zurich.

Em 1881, fundou-so um em Ziegelbrück, o qual se compõe de dois edificios, podendo fornecer habitação para quarenta familias. Cada familia fica separada das outras por um corredor, e occupa uma sala, dois ou tres quartos, uma cozinha, um subterraneo, uma casa para lenha e um pequeno quintal.

Diz Lavollée que todos estes melhoramentos teem sempre em vista a caridade intelligente e o lucro bem entendido9.

Associações de varios generos promovem essas construcções economicas e teem visto os seus esforços coroados do mais brilhante resultado. A par umas das outras, sem se odiarem, sem se guerrearem, rivalisando pacificamente nas fôrças dispendidas, vemos em alguns centros industriaes fundarem-se, desenvolverem-se e prosperarem sociedades de capitalistas e aggremiações de operarios com o fim exclusivo de construirem casas baratas e bairros salubres para as classes laboriosas e pobres.

Na Basiléa, por exemplo, uma das principaes cidades da Suissa, ao lado da Associação para a construcção de habitações operarias, fundada em 1870 com o capital de 327:300 francos, e da Sociedade de utilidade publica, fundada em 1851 e cujo capital de 100:000 francos foi consagrado á construcção de casas do systema mulhousiano, existe a Sociedade basilense de construcção de casas baratas formada só por operarios, entre os quaes predominam os das construcções civis.

Esta ultima empresa, estabelecida por dez membros, cujo capital primitivo não passava de 1:000 francos, contava em junho de 1873, 120 associados que tinham elevado o capital a 15:000 fr. por meio de collectas, que variavam de 100 a 1:000 francos.

Possue duas classes de socios. Uns compromettem-se a trazer um capital não inferior a 1:000 francos, nem superior a 6:000, e tomam uma parte activa na empresa, consagrando-lhe todo o seu tempo, todas as suas fôrças, e toda a sua intelligencia, em troca de salarios fixos ou de uma percentagem sobre os lucros. Os outros, devendo concorrer com o mesmo capital, uma terça parte do qual é pago no acto da inscripção, e as duas restantes em prestações maiores ou menores, consagram as suas aptidões á administração e á contabilidade da empresa, recebendo honorarios certos, senhas de presença ou uma parte dos lucros determinada pela assembléa.

A sociedade conta tambem com associados ou subscriptores de obrigações. É considerado tal o possuidor de uma ou mais obrigações, no valor de 100 francos cada uma. As obrigações rendem 5 por cento e dão direito a 20 por cento dos lucros liquidos.

Na Suissa ha muitas associações d'este genero. E, na verdade, as que se compõem unicamente de operarios são as mais interessantes de todas as sociedades constructoras.

Teixeira Bastos, in Habitações Operarias, 1898 (arquivo Fernando Correia de Oliveira)

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