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sábado, 7 de janeiro de 2017

Sandford Fleming, Portugal e os fusos horários


O Google assinala hoje o 190º aniversário de Sandford Fleming, o engenheiro ferroviário escocês, emigrado no Canadá, e considerado o "pai" do sistema de fusos horários.

Em O Relógio da República (Âncora, 2010) tratamos num dos capítulos da presença de Portugal na Conferência de Washington, de 1884, onde o sistema de fusos horários foi discutido e aprovado, com Greenwich como meridiano zero. Portugal só viria a aderir a Greenwich como meridiano de referência com a República, a partir de 1 de Janeiro de 1912.


Respigamos, de posts anteriores:

Agora que o Tempo Universal Coordenado (UTC) ameaça "enterrar" por completo o velhinho GMT (Greenwich Mean Time), num debate que pode ser visto aqui, Estação Cronográfica reproduz nos próximos dias alguns extractos do livro O Relógio da República (Âncora, 2010), que versa a relação de Portugal com o GMT ou, como por cá se diz, TMG...

A Conferência Internacional de Washington de 1884, que aprovou o sistema de Fusos Horários e o meridiano de Greenwich como Meridiano Zero ou de referência. A inexplicada ausência portuguesa.

Em carta de 31 de Agosto de 1882, da Sociedade de Geografia de Lisboa (1), dirigida ao Ministério português dos Negócios Estrangeiros, através do seu Presidente, José Vicente Barbosa du Bocage, e do seu Secretário-Geral, Luciano Cordeiro, afirma-se, quanto à questão de determinação de um Meridiano Zero universal: “Por todos os títulos, Portugal nem pode ser indiferente à questão nem deixar que ela se resolva, como tende evidentemente a resolver-se, sem que ele se possa ouvir e valer por honra das suas tradições, da sua ciência e da sua posição de potência marítima e colonial, que encheu com o seu nome e com os seus serviços as primeiras páginas da geografia moderna”.

Os dois signatários da missiva tinham sido os delegados portugueses ao Terceiro Congresso Internacional de Ciências Geográficas, ocorrido em Veneza, no Outono do ano anterior. Nesse congresso, tanto Barbosa du Bocage como Luciano Cordeiro votaram a favor da resolução final – a necessidade da convocação de uma nova conferência internacional “destinada a resolver a questão da adopção de um meridiano universal”.
“Em princípio, ninguém contesta quanto seria racional e útil a adopção de um meridiano inicial”, sublinham. A questão também já tinha sido tratada no Congresso de Geografia Comercial, de Paris, de 1875, e onde Portugal igualmente se tinha feito representar (por José Júlio Bettencourt Rodrigues).

A necessidade de se convencionar um meridiano de referência universal era cada vez mais premente, dado o desenvolvimento de novas formas de comunicação, por um lado – telégrafo; de transporte, por outro – caminhos-de-ferro. Ambas as novas realidades exigiam tempo convencionado e coordenado, não apenas a nível nacional, mas continental e planetário.

O congresso de Veneza decidiu convocar para daí a um ano outra conferência internacional, “para resolver a questão do meridiano inicial, tendo em conta não somente a questão da longitude, mas particularmente a das horas e datas”.

Se a latitude de um lugar, medida a partir da linha do Equador, não ofereceu nunca polémica, já a longitude pode ser tomada a partir de qualquer linha imaginária traçada de pólo a pólo – partindo-se dela para leste ou oeste. Do ponto de vista cartográfico, as várias potências marítimas foram usando meridianos de referência vários – Mercator, por exemplo, usou o da ilha do Corvo para desenhar os seus mapas. Do ponto de vista de tempo, e a partir da segunda metade do século XIX, as nações começaram a usar como meridiano zero o que passava pelos respectivos observatórios astronómicos nacionais. Em Portugal, esse meridiano começou por ser o que passava pelo Observatório Astronómico que foi construído no início do século XIX no Castelo de São Jorge, em Lisboa (destruído em 1938, aquando obras de restauro no monumento); mas, ao mesmo tempo, e para a zona centro e norte do país, vigorava como meridiano zero (para efeitos horários), o Observatório da Universidade de Coimbra. Só a partir de 1878 o meridiano zero passou a ser único para todo o país – o do Observatório Astronómico de Lisboa.

É precisamente de 1878 a proposta de Sir Sandford Fleming, um engenheiro dos caminhos-de-ferro canadianos, de divisão do globo terrestre em 24 fusos horários, de 15 graus cada um, vigorando dentro de cada um uma mesma hora.

Por essa altura começava a impor-se como meridiano de referência na navegação marítima o de Greenwich, ao norte de Londres, onde estava o Observatório Astronómico britânico. A grande resistência ao uso desse meridiano de referência à escala global vinha da França, que não só insistia em usar o do Observatório de Paris como queria impô-lo em qualquer convenção internacional que viesse a haver sobre o assunto.

José Vicente Barbosa du Bocage e Luciano Cordeiro reconheciam isso na carta citada: “são as pretensões e as susceptibilidades do sentimento, do interesse e da política de cada um [dos Estados] que podem embaraçar e dificultar um acordo e obstar a adopção geral de um meridiano único”.

O Governo português ratificou a votação dos seus representantes na conferência de Veneza e comprometeu-se a “nomear oportunamente os seus representantes” à reunião internacional seguinte.

Quanto à Sociedade de Geografia de Lisboa (fundada em Novembro de 1875), para a preparação da posição portuguesa face ao assunto, e dado que ele “importa directamente aos interesses do comércio, da navegação, do ensino”, iria auscultar os vários ministérios e associações de classe envolvidos.

Em carta de 23 de Outubro de 1882 o Departamento de Estado norte-americano, em nome do Presidente dos Estados Unidos, e através do Ministério português dos Negócios Estrangeiros, sonda Portugal sobre o seu interesse em fazer-se representar numa futura reunião, em Washington, em data a marcar.

Na carta explica-se o contexto: “It may be well to state in the absence of a common and accepted standard for the computation of time for other than astronomical purposes, embarrassments are experienced in the ordinary affairs of modern commerce, - that this embarrassment is especially felt since the extension of telegraphic and railway communications has joined states and continents possessing independent and widely separated meridional standards of time, - that the subject of a common meridian has been for several years past discussed in this country and in Europe by commercial and scientific bodies, and the need of a general agreement upon a single standard recognized – and that, in recent European conferences especially, favor was shown to the suggestion that, as the United States possesses the greatest longitudinal extension of any country traversed by railway and telegraph lines, the initiatory measures for holding an international convention to consider so important a subject should be taken by this government”. (Poderá bem dizer-se que, na falta de um padrão comum e aceite para o computo do tempo para lá do propósito astronómico, se têm sentido embaraços nos assuntos comuns do comércio moderno, - esse embaraço é especialmente sentido desde que as comunicações telegráficas e ferroviárias têm ligado países e continentes que possuem tempos convencionados por meridianos independentes e largamente separados, - e que o assunto de um meridiano comum tem sido discutido desde há vários anos neste país e na Europa por organismos comerciais e científicos, e da necessidade de um acordo geral sobre um padrão único reconhecido – e que, especialmente em conferências recentes na Europa, foi mostrada abertura à sugestão de que, possuindo os Estados Unidos a maior extensão longitudinal do que qualquer outro país atravessado por linhas de caminhos-de-ferro e de telégrafo, este governo deveria tomar as medidas iniciais para a realização de uma convenção internacional que trate deste importante problema).

A reunião de Washington teria um único ponto na ordem dos trabalhos: “fixing upon a meridian proper to be employed as a common zero of longitude and standard of time reckoning throughout the globe” (fixação de um meridiano apropriado a ser usado como zero comum de longitude e tempo padrão, reconhecido em todo o globo).

O mundo tinha agora amplas redes transnacionais de caminhos-de-ferro e redes transatlânticas de telégrafo mas não dispunha ainda de um sistema global de coordenadas geográficas ou temporais. Era urgente chegar-se a um acordo.

Em carta de 22 de Dezembro de 1882, Frederico Augusto Oom (1830-1890), primeiro Director do Observatório Astronómico de Lisboa, respondia à solicitação de parecer feita pela Secretaria de Estados dos Negócios Estrangeiros. Divide a questão nos aspectos geográfico e temporal. Quanto ao primeiro, diz que o assunto está praticamente assente, já que o meridiano de Greenwich foi adoptado “de facto” como primeiro meridiano “pelos navegantes da maior parte das nações da Europa e pelos Estados Unidos da América”. Quanto à unificação do tempo médio, a posição de Frederico Augusto Oom é contrária, pois “não é difícil imaginar os embaraços e dificuldades de diversa ordem que resultariam para todas as classes da sociedade, em todos os actos da vida” se ela se concretizasse. Recomenda, assim que não se vá à Conferência de Washington nem se adopte a unificação do tempo médio, se ela aí ver a ser decidida.

Em carta de 6 de Janeiro de 1883, dirigida à Secretaria de Estados dos Negócios Estrangeiros, o Director do Observatório Astronómico de Coimbra, Rodrigo Ribeiro de Sousa Pinto não define claramente a sua posição, apesar de defender a adopção de um meridiano zero universal para fins geográficos e temporais. Mas não diz qual. De qualquer modo, declina a nomeação feita pelo Governo português para ser um dos delegados à Conferência de Washington, devido à idade e ao estado da sua saúde. Tinha na altura 75 anos, mas só viria a falecer dez anos mais tarde.

A 8 de Setembro de 1883 chega à Secretaria de Estado a posição da Sociedade de Geografia de Lisboa. Assinada pelo seu Vice-Presidente, António do Nascimento Pereira de Sampaio, e pelo seu Secretário-Geral, Luciano Cordeiro, informa que, após votação, se apoia a designação do meridiano de Greenwich como de referência, mas apenas para fins geográficos. E que se rejeita “a ideia da unificação da hora media universal”.

A 25 de Outubro desse ano chega à Secretaria de Estado uma nota da embaixada de Portugal em Itália, dando-se conta da Sétima Conferência Geodésica Internacional, ocorrida em Roma. “Para meridiano único foi escolhido o de Greenwich, devendo as longitudes serem contadas na direcção de O-E; foi igualmente aprovado que se adoptasse uma hora universal, sendo conveniente contá-la do meio-dia médio de Greenwich e de 0h a 24h”. Presume-se que não terão estado representantes portugueses presentes na conferência.

A 1 de Dezembro, o representante dos Estados Unidos em Lisboa recebe do Departamento de Estado uma carta com o convite formal para Portugal participar numa conferência, em Washington, sobre as questões de sempre – meridiano zero geográfico e de tempo. Encaminha-a de imediato para o ministro português dos Negócios Estrangeiros. Por coincidência, este era na altura José Vicente Barbosa du Bocage, um dos delegados à conferência de Veneza ocorrida dois anos antes, Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, sendo assim alguém que sabia bem da importância do que se estava a tratar.

A 4 de Janeiro de 1884, chega ao ministério português dos Negócios Estrangeiros um parecer do Ministério das Obras Públicas (com alçada sobre os Serviços Geodésicos), onde se apoia a declaração de Greenwich como meridiano zero para fins cartográficos, mas se rejeita a unificação da hora, “por causa das perturbações que iria causar nos usos e costumes dos povos”. Faz uma ressalva: “Mas desde que se empregue a hora única nos serviços que a exijam ou em que seja mais apropriada, e se conserve a hora local ou nacional para os usos vulgares […], parece não haver nisso inconveniente algum, mas antes grande utilidade”. E remete uma decisão final para quem estaria mais habilitado para o fazer, nomeadamente os Directores dos Observatórios Astronómicos de Lisboa e Coimbra.

A 9 de Janeiro de 1884, o representante dos Estados Unidos em Lisboa volta à carga, recordando ao ministro português dos Negócios Estrangeiros a primeira nota sobre o assunto, de 10 de Novembro de 1882. E Informa ainda que a conferência de Washington já tem data marcada – 1 de Outubro desse ano, devendo cada país nomear os seus representantes, no número máximo de três.

A 27 de Março de 1884, a Academia das Ciências de Lisboa envia para a Secretaria de Estado o parecer da sua secção de Ciências Matemáticas. Diz-se que a questão foi analisada do ponto de vista social e científico. “Considerando o problema pelo lado restrito da ciência pura, a sua importância é medíocre, ou antes, nula. Conhecidas, como de facto são, as posições geográficas das principais estações do globo e contando-se em cada uma delas a sua hora média local, todas se acham ligadas cientificamente por fáceis e determinadas relações, sem que haja a menor necessidade de se ir conceder a este ou àquele meridiano, passando por este ou por aquele observatório, uma preferência necessariamente litigiosa, quando dessa preferência não pode resultar qualquer progresso para a ciência física da Terra”.

Mas, no caso de vir a ser adoptado internacionalmente o meridiano zero, a Academia das Ciências acha não ser difícil Portugal reivindicar para si o privilégio da sua fixação – ou um que passa pelo meio do arquipélago dos Açores, nomeadamente pelo Pico (“que funciona como um grande farol estacionado sobre o Oceano”; ou o que passa por Sagres (evocando-se o Infante D. Henrique, a escola de astronomia que aí teria funcionado, o local onde começou “a época actual”).

Depois de reconhecer que o meridiano de Greenwich é já usado “pela maior parte dos povos navegadores”, a Academia diz: “É muito de crer, Senhores, que a França e a Inglaterra hajam de pleitear competências no seio do Congresso [de Washington] com respeito à fixação do meridiano destinado a servir de primário”. Mas recomenda-se que Lisboa vote a favor da parte inglesa, pelo menos na questão geográfica. Já quanto à questão da Hora Universal, a Academia tem uma posição semelhante à do Ministério das Obras Públicas – que convivam as duas horas – a do tempo médio de Greenwich para uso científico; a do tempo médio ditado pelo meridiano zero nacional, para uso geral das populações.

O parecer termina com a recomendação de que os que delegados portugueses à reunião de Washington sejam instruídos no sentido das conclusões a que as várias instituições nacionais foram chegando – sim a Greenwich para fins geográficos; não ou parcialmente não para fins de tempo e data.

A 26 de Maio, a Secretaria de Estado pede ao Ministério do Reino que se decida se participa ou não e “habilite esta Secretaria de Estado a dar ao representante dos EUA a resposta que lhe solicitava sobre a resolução de Portugal de se fazer ou não representar”. E, em caso afirmativo, “quais são os seus representantes, tendo consideração que não podem exceder os três”. Portugal, afinal, ainda não tinha decidido formalmente nada.

Com a data da reunião de Washington a aproximar-se, a 5 de Julho o representante dos EUA em Lisboa “volta a chamar a atenção para o assunto”, iniciado formalmente ano e meio antes. Que o Rei de Portugal decida se aceita ou declina o convite. E “begs for na answer” (suplica por uma resposta).

Finalmente, a 15 de Agosto de 1884, o representante da Legação dos Estados Unidos volta a insistir, recordando que falou com o anterior e o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, tendo aludido ao tema em vários encontros pessoais. “It still remains without a solution at the hands of His Magesty’s Government” (continua sem solução, nas mãos do Governo de Sua Majestade). Esta é a última nota que consta no dossier sobre o assunto no Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros que temos estado a seguir.
A 29 de Dezembro desse ano, o representante diplomático português em Washington, Visconde das Nogueiras, envia um exemplar dos Protocolos da Conferência, aprovados em Outubro.

Nessa Conferência, a posição francesa ficou isolada (apoiada praticamente apenas pelo Brasil). Segundo relatório apresentado na altura por Sir Sandford Fleming, um total de 37.663 navios, com o equivalente a 14,6 milhões de toneladas (65 por cento do total de navios e 72 por cento da tonelagem), usavam já na altura o meridiano de Greenwich nas suas cartas de navegação. Seguia-se o de Paris, com 5.914 navios e 1,7 milhões de toneladas (10 por cento dos navios, 8 por cento da tonelagem). Por essa altura, havia ainda quem usasse o meridiano de Lisboa (491 navios, 164 mil toneladas).

“O Meridiano de Greenwich é usado por 72 por cento do comércio marítimo mundial, com os restantes 28 por cento a serem divididos entre outros dez diferentes meridianos nacionais”, fazia notar o “pai” do sistema de Fusos Horários.

A Conferência de Washington, embora não tivesse poderes para decidir, tinha aprovado claramente o uso de Greenwich. E não apenas para fins geográficos. Rapidamente as nações representadas começaram a mudar o seu sistema nacional de Hora, passando a usar como referência Greenwich como meridiano zero, substituindo-o assim ao seu meridiano zero nacional. A França viria a fazê-lo apenas a 11 de Março de 1911 (nesse sábado, os relógios franceses atrasaram 9 minutos e 21 segundos, a diferença horária correspondente em graus entre os meridianos de Paris e de Greenwich). E Portugal, só viria a fazê-lo em 1 de Janeiro de 1912, como veremos.

Continua sem ficar claro porque é que Portugal não se fez representar na Conferência de Washington, uma ausência incompreensível à luz da História do país, das suas tradições marítimas, de um território espalhado por longitudes extremas.

De qualquer modo, a Monarquia perdia aqui uma oportunidade de acertar o passo com o Tempo Moderno.

(1) Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Correspondência da Legação em Washington, anos 1883, 1884 e 1885; e 3º Piso, Armário 15, Maço 53-A


Sir Sandford Fleming

Mudança estrutural que a República trouxe ao Tempo português – Greenwich como meridiano de referência e os fusos horários. Segundo extracto do livro O Relógio da República (Âncora, 2010), a propósito do actual debate sobre GMT e UTC.

Como referido anteriormente, foram emitidas em 1891 pelo Governo português instruções regulamentares relativas às horas e duração de serviço nas estações dependentes da Direcção-Geral dos Correios, Telégrafos e Faróis. Elas estabeleciam que “[…] a hora em todas as estações, será a média oficial contada pelo meridiano do Real Observatório Astronómico de Lisboa; nas principais cidades do reino e em quaisquer pontos do país, quando a conveniência do serviço público aconselhar, serão estabelecidos postos cronométricos destinados a fazer conhecer a hora média oficial”.

Assim, a hora oficial era transmitida diariamente do Observatório à estação central dos telégrafos de Lisboa e desta sucessivamente a todas as estações telegráficas do continente e ilhas adjacentes.

Era a primeira vez que Portugal tinha uma única hora oficial. E isso só se tornara possível devido à invenção do telégrafo.

Como explica David S. Landes em Revolution in Time, de 1983, a invenção do telégrafo, “primeiramente aplicada em 1837 na London and North Western Railway, tornou possível transmitir quase instantaneamente as horas e os minutos exactos a partir de um escritório central para qualquer ponto da linha. O efeito disso foi a criação de um tempo padrão para todos os que eram servidos por uma determinada rede de caminhos-de-ferro”.

O passo seguinte foi a unificação de todas as redes e linhas. E, a 22 de Setembro de 1847, a British Railway Clearing House recomendou que cada companhia adoptasse o tempo médio de Greenwich em todas as suas estações, “tão rápido quanto os serviços de Correios o permitam”. E, antes do fim do ano, estavam reunidas as condições técnicas para que os caminhos-de-ferro britânicos tivessem as suas actividades totalmente interligadas, operando sob um único tempo padrão.

O exemplo inglês foi seguido por vários países na Europa mas, à semelhança de Portugal, usando cada um o seu meridiano nacional de referência. Colocava-se um problema acrescido a países com longitudes amplas, como a Rússia ou os Estados Unidos, onde a hora determinada por um único meridiano não chegava. Em 1883, os norte-americanos foram os primeiros a aplicar o sistema de fusos horários ao seu território.

O corolário lógico era o de adoptar o sistema não apenas a um país mas a todo um continente, a todo o mundo. Como vimos, na Conferência de Washington, de 1884, convocada para o efeito de determinar Greenwich como meridiano de referência internacional, Portugal, apesar de convidado, não compareceu. E continuou a usar o sistema de tempo coordenado em vigor desde 1891. Para um país periférico, isso não trazia grandes inconvenientes. Até que a Espanha aderiu, em 1901, a Greenwich… e aí começaram a surgir problemas directos, relacionados com a coordenação de horários de comboios peninsulares, por exemplo.
No final de 1901, a Revista Encyclopedica constatava: “A nossa hora oficial é a do meridiano de Lisboa (Observatório). Quando lá é meio-dia, os relógios devem marcar meio-dia em todo o país. Este uso, de uma nação adoptar a hora da sua capital, que outrora era seguido em toda a parte, está hoje abandonado. Na Europa, cremos que só Portugal, a França e a Rússia é que contam o tempo pelo relógio das suas capitais, sem se importarem com o uso dos outros estados. A própria Espanha já hoje não acerta os seus relógios pela hora de Madrid. Há meses que aderiu à convenção horária internacional, recebida há anos friamente, mas que tende agora a universalizar-se”.

Como explicava então a Revista Encyclopedica, a Europa estava dividida em três zonas horárias: ocidental, central e oriental, cada uma de 15 graus de longitude, ou, em tempo, de uma hora de extensão; a primeira, que se tomava como zona unidade, estava dividida em duas partes iguais pelo meridiano do Observatório de Greenwich – localidade nos arredores de Londres. Convencionou-se que em cada zona se adoptasse uma hora uniforme – a hora do meridiano que a dividia ao meio. “Na prática, modifica-se muitas vezes, embora ligeiramente essa fórmula: em regra cada país usa a hora da zona em que está situada a maior parte da sua área”.

“Salta aos olhos a utilidade de semelhante de semelhante convenção para as relações internacionais”, defendia-se. “Quando se atravessa a fronteira de um país de uma zona horária diferente, para acertar o relógio basta adiantá-lo ou atrasá-lo uma hora, conforme se caminha para oriente ou para ocidente. Resulta uma grande simplificação nos horários das linhas internacionais de telegrafia e telefonia, dos caminhos-de-ferro e da marinha. As vantagens são comparáveis às que provêem da uniformização do calendário, dos sistemas de unidades de medidas, etc.”

Naquela altura, as nações da chamada zona ocidental da Europa eram a Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. A zona central abrangia a Itália, Suíça Alemanha, Áustria-Hungria, Sérvia, Dinamarca, Suécia e Noruega. A zona oriental compreendia a Rússia, Bulgária, Grécia e a parte europeia da Turquia. Assim, em sendo uma hora nos países da Europa ocidental, eram duas horas nos da zona central e três nos da oriental.

“O nosso país não aderiu a esta convenção. Não é decerto por imitação do chauvinismo francês, nem do conservadorismo russo. Será antes para ter a glória de possuir uma hora... nacional”, dizia em tom jocoso a Revista Encyclopedica.

E, para quem entrava ou saía do país, para quem fazia ligações telefónicas ou telegráficas de e para Portugal, a confusão era enorme: quem seguia para Espanha tinha que adiantar o relógio 38 minutos e 3,5 segundos. Quem seguia de Espanha para França teria que avançar o relógio 9 minutos e 11 segundos. Na passagem da França para a Suíça, que adoptara a hora universal, o avanço era de 50 minutos e 49 segundos. A Rússia conservava a hora de São Petersburgo, que adiantava 2 horas, 4 minutos e 13 segundos em relação à de Greenwich.

No número seguinte, no correio dos leitores, a reacção negativa não se fez esperar. Assinado “J.C.”, a carta dizia ser impossível a divisão mundial em zonas horárias, “visto os países não estarem separados por linhas de longitude e poder por isso um país (como acontece) pertencer a duas zonas horárias”. A discussão pública foi-se arrastando, sem decisões.

Com o regicídio, em 1908, sobe ao trono, por morte de D. Carlos, o filho, D. Manuel II. A rede de caminhos-de-ferro tinha-se desenvolvido muito nos últimos 20 anos, as ligações internacionais por essa via e através dos novos meios de telecomunicações iam pressionando cada vez mais para que se fizesse a mudança horária.

Foi preciso cair a Monarquia, mudar o regime, para que o país adoptasse a Hora decretada pelo meridiano zero, o de Greenwich. Por Decreto, com força de lei, de 26 de Maio de 1911, assinado por Teófilo Braga, António José de Almeida, Bernardino Machado, José Relvas e Brito Camacho, entre outros, decidia-se que a partir de 1 de Janeiro de 1912, a chamada Hora Legal, em todo o território português, fica subordinada a esse meridiano, segundo o princípio adoptado na Convenção de Washington em 1884. A decisão tinha sido baseada no parecer unânime de uma comissão nomeada em Maio de 1911, e de que fizeram parte o almirante José Nunes da Mata; o tenente-coronel João Maria de Almeida Lima, Director do Observatório Meteorológico de Lisboa; o capitão de engenharia Frederico Oom, astrónomo do Observatório Astronómico da Tapada da Ajuda; o capitão de engenharia Pedro José da Cunha, lente de Astronomia da Escola Politécnica; e o engenheiro civil e de minas Luís da Costa Amorim.

O preâmbulo do Decreto afirmava:

“Considerando que já todos os países cultos, com raras excepções, terem adoptado para base da contagem do tempo o meridiano de Greenwich, segundo o princípio aceito na Convenção de Washington em 1884;

Considerando que a adopção do mesmo princípio no território português oferece incontestáveis e numerosas vantagens, tanto no movimento internacional dos comboios, como nos serviços telegráficos, nas relações marítimas e no convívio científico do país com o estrangeiro;

Considerando que o persistirmos no obsoleto sistema vigente representaria da nossa parte um verdadeiro atraso perante os progressos da civilização e até uma incúria, dada a nossa situação geográfica e os deveres que ela nos impõe, tanto no continente europeu como nas ilhas adjacentes e colónias;

Considerando que tal adopção, tendo indubitáveis e largas vantagens, não oferece nenhum inconveniente prático e não importa a mínima despesa […]”

Determinava-se depois que os relógios nacionais fossem adiantados de 36 minutos e 44,68 segundos a partir das 00h00 de dia 1 de Janeiro de 1912.

“São regulados pela hora legal todos os serviços públicos e particulares da República, devendo todas as repartições, edifícios e estações conservar os seus relógios, tanto internos como externos, sempre certos por essa hora e conceder todas as facilidades ao seu alcance para a tornar exactamente conhecida do público em geral, cumprindo às repartições telegráficas dar a este serviço toda a preferência”.

Além disso, permitiu-se e tornou-se válido para todos os efeitos legais ou jurídicos, que se designassem pelos números 13 a 23 as horas compreendidas entre o meio-dia e a meia-noite, suprimindo-se assim, as designações “Tarde” e “Manhã” ou outras equivalentes, e que a meia-noite se designasse por zero. Pelo mesmo diploma, desapareceu a diferença existente de cinco minutos entre os relógios internos e externos das estações ferroviárias.

Fosse qual fosse a hora que vigorava, desde 1903 que, por lei, era o Real Observatório Astronómico de Lisboa (Tapada da Ajuda) quem tinha por missão o serviço de transmissão telegráfica da hora oficial às estações semafóricas, que constituía na “transmissão diária dos sinais da pêndula média para o Arsenal da Marinha e Escola Politécnica, a fim de promover a queda do balão à uma hora precisa do tempo médio oficial”.


Terceiro e último extracto de O Relógio da República (Âncora, 2010), a propósito do debate actual sobre os conceitos GMT e UTC.

Em 1912, José Nunes da Mata edita A nova hora e os fusos horários. Pode-se dizer que este homem foi o “pai” da Hora moderna portuguesa. Nascido em 1849, na Sertã, faleceu em 1945. Entrou para a marinha em 1878, onde acabou no posto de Almirante. Fez o curso de construção naval, concebeu e construiu barcos á vela. Republicano desde os bancos da escola, colaborou com a imprensa anti-monárquica e tomou parte activa no cortejo organizado por ocasião do centenário de Camões, em 1880. Amigo íntimo de Manuel de Arriaga e de Manuel de Azevedo Gomes, fundou com eles, desde aspirante de marinha, um triunvirato republicano dentro da corporação da Armada, participando activamente na vida dos centros republicanos. Foi desde 1881 professor da Escola Naval.

Agora director da Escola Naval e membro do senado, o “pai” da nova hora portuguesa achou-se na obrigação de dar “uma rápida explicação conducente a facilitar a execução do decreto de 26 de Maio de 1911”.

É ele mesmo quem relata: “Em princípio do mês de Fevereiro de 1911, fomos chamados ao Estoril pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, o sr. Bernardino Machado [...]. Aproveitámos então a ocasião para lhe dizer que era de toda a urgência que a República adoptasse a hora internacional, visto já ter sido adoptada por quase todas as nações civilizadas do velho e do novo mundo, e pedimos-lhe para nos dizer por qual dos ministérios conviria melhor que o assunto fosse tratado, se pelo Fomento, se pelo dos Estrangeiros... [...].
Decorridos uns quinze dias [...] entregámos um borrão de um projecto de lei relativo à adopção da nova hora [...] ao ministro da Justiça, sr. Afonso Costa [...]. Em meados de Abril, encontrámo-nos no largo do Município com o Presidente do Governo Provisório, sr. Teófilo Braga, que nos perguntou a razão porque ainda não estava adoptada a nova hora, pois lhe constava que estávamos encarregado de fazer progredir a útil reforma”.

Quanto à nova contagem seguida das horas, desaparecendo os conceitos mais vagos de “manhã” e “tarde”, José Nunes da Mata afirmava: “Ninguém tenha dúvidas a este respeito: a contagem das horas será em toda a parte, dentro de algumas dezenas de anos, das 0 às 24”. E acrescentava: “Para Portugal deve ser motivo de orgulho o ter adoptado a contagem seguida das horas, sem estar humildemente à espera do exemplo da França e da Inglaterra. Até que uma vez houve uma reforma em que não ficámos na retaguarda das nações civilizadas, e antes quase na vanguarda!”

Para um Portugal ainda muito rural e pouco cosmopolita, onde os relógios batiam religiosamente 13, 14, 15, 16… badaladas quando marcavam as horas depois do meio-dia, a revolução era de monta. Mas José Nunes da Mata insistia: “Pelo que diz respeito ao facto de os relógios baterem as horas apenas até 12, não nos parece que apresente o menor inconveniente, e pode isto servir até de auxílio aos que encontram dificuldade em estabelecer a correspondência entre as horas actuais da tarde e noite e as antigas.”

A Comissão que o Governo nomeara para estudar a alteração do regime horário, alvitrara: “A modificação mais simples, económica e útil dos mostradores dos relógios consiste em pintar por dentro da actual numeração romana que vai até 12, uma outra numeração árabe ou usual que fosse até 23, sendo preferível pintar um 0 no lugar do 24. As horas inferiores a 12 são horas da manhã; as horas superiores a 12 indicam horas da tarde; 12 indica o meio-dia e 0 ou 24 indicam a meia-noite”.

O Diário de Notícias de 31 de Dezembro de 1911, dedicando um extenso artigo à nova Hora Legal, que iria entrar em vigor no dia seguinte, escrevia pedagogicamente: “Não deve inquietar ninguém uma tal mudança realizada por conveniência geral; de resto, é uma questão de hábito, que é, segundo se diz proverbialmente, uma segunda natureza. Para os devidos efeitos, a lei manda adiantar os relógios de 36 minutos, 44 segundos. A única desvantagem, afinal, é parecermos mais velhos alguns instantes mais”.

“Estava-se no princípio do novo regime e muitas pessoas, em oposição política, obstinaram-se em não cumprir o decreto, e ainda hoje se encontra um ou outro relógio nessas condições”, afirmava Mário Costa em 1956, na já citada obra Duas curiosidades lisboetas.


Diário de Notícias de 31 de Dezembro de 1911, explicando o novo sistema da Hora Legal

Por todo o país houve algum alvoroço provocado pela adopção do novo sistema de contagem das horas. Um desses episódios passou-se em Guimarães, tendo por protagonista o relojoeiro local e como centro das atenções o relógio da torre da Oliveira. Houve um dia em que o relógio deu mais de 800 horas seguidas… O coronel António de Quadros Flores, em Guimarães na última quadra do romantismo, 1898-1912, recorda esse episódio, que aqui transcrevemos na íntegra, por ser paradigmático em relação ao que se passou noutras localidades:

O memorialista fala do que “[…] sucedeu ao relógio da Oliveira há coisa de uns quarenta e tal anos na gerência da primeira vereação republicana, a do sr. Teixeira de Abreu, se não estou enganado.

“Por altura de 1911 houve uma convenção internacional para a adopção da hora mundial, de modo que toda a contagem do tempo se referisse ao mesmo meridiano e as horas mencionadas desde Zero a 24, isto para uso oficial.

“Portugal aderiu a essa convenção, meteu-se no “fuso” de 15 graus que lhe competia em relação ao de Greenwich, que era o Zero de origem da contagem, adiantou os relógios uns 30 minutos sobre a hora solar, e decretou o novo horário.

“Foi uma confusão dos diabos e durante um certo período ninguém se entendia com a “hora nova”; as 14 horas eram as 4; às 7 da tarde, chamavam 17, dando em resultado algumas perdas de comboios ou chegarem à estação do C. F. com duas horas de avanço, só por não reflectirem em que tinham de acrescentar ou diminuir 12 horas às da tarde, e isto para o caminho-de-ferro, que então era o único meio de transporte acelerado e com horário já organizado pela nova designação.

“Os relojoeiros apressaram-se a actualizar os mostradores dos relógios inscrevendo numa circunferência interior à das horas habituais as de 13 a 24, com números a vermelho; até aparecerem com os 24 seguidos, o que demandava novo maquinismo.

“Ainda há-de haver quem possua desses relógios que dispensavam aborrecidos cálculos de – 21 menos 12 dá 9 da noite, ou 14 menos 12 dá 2 da tarde – enfim, uma barafunda que, nestes tempos cronometrados, sujeitos a horários cumpridos quase rigorosamente, dariam origem a tantas trapalhadas, que seria necessário um período de preparação, que agora se adopta para as inovações, e que naquele tempo, ou não se pôs em prática, ou o foi por espaço reduzido.

“A verdade é que no trato comum e familiar continua a dizer-se – 4 da tarde e 9 da noite – e só oficialmente é que mencionam as “horas novas”, que toda a gente interpreta correctamente, depois de quarenta e tantos anos de exercício.

“Ora a Câmara de Guimarães desejando ser útil aos seus concidadãos neste arreliento problema resolveu pôr o relógio da Oliveira, que era então o oficial, a dar as horas pela nova contagem e chamou um relojoeiro para modificar os maquinismos de modo a dar até 24 horas.

“Foi um sucesso, principalmente na noite da inauguração e nas que se seguiram durante um certo período, em que havia quem esperasse pelas horas adiantadas da noite para contar 22, 23 e 24 badaladas.

“Mas chegou-se à conclusão de que era muito mais maçador, no meio da noite, estar a contar além das 12 badaladas para se saber que hora era das que habitualmente se designavam.

“A intenção era boa, mas a verdade é que a contagem anterior era mais simples, principalmente depois do pôr-do-sol.

“Além de que o maquinismo de vez em quando se desarranjava e para isso havia o “Doutrinas”, relojoeiro, com oficina no Largo da Oliveira, que acudia prontamente para o pôr no seu lugar.

“E sucedeu certa noite de verão que as molas do relógio não o travaram na altura precisa e o sino do relógio desatou a badalar, talvez pelas 22, a badalar além da marca, tanto que chamou a atenção da gente das redondezas que acudiu ao Largo da Oliveira, e o nosso grupo, cujo Quartel-general era na loja do Barbosa, da rua da Rainha, também compareceu para presenciar o espectáculo.

“A garotada das cercanias, do Campo da Feira, da Feira do Pão, de Santa Luzia, correu alvoroçada a juntar-se ao alarido da contagem em coro das horas que iam caindo da torre, já no número das centenas – quatrocentas... quinhentas... – tudo acompanhado de berros pelo relojoeiro – ò Doutrinas, ò Doutrinas!

“O desgraçado do Doutrinas, que tinha a chave do relógio, tinha ido por azar dar um passeio, talvez para a Fonte Santa, e só chegou esbaforido quando a contagem, entre gritaria e gargalhadas, ia talvez nas oitocentas e tal badaladas, e foi recebido com uma verdadeira ovação, e correu à torre para pôr fim àquele gasto de tempo.

“Assim, o Doutrinas nos fez passar, aos daquele tempo, essas 800 horas, que são 33 dias e tal, no espaço de uma, tempo que vivemos sem canseiras nem transtornos e na melhor disposição.

“Mas esse acontecimento não ficou por aí e a Academia resolveu solenizá-lo.

“Convidou então um grupo de “sábios russos” que viessem estudar o fenómeno, e foi esperá-lo à estação do C. F. com uma deputação de estudantes e a restante Academia, que lhes fizeram uma calorosa recepção, e num brilhante cortejo a pé, que os automóveis ainda eram raros, atravessou a cidade a caminho do Largo da Oliveira.

“Ali montou um óculo de marinha, num tripé, dirigido para o relógio e, depois de várias observações, o Director da Missão, o “sábio dr. Doutrinoff”, que era o Aprígio Neves de Castro, proferiu um discurso tendo como tema o resultado dos “estudos” efectuados, elogiando o seu “colega” de Guimarães – o Doutrinas – pela perfeição dos maquinismos […].”

No dossier sobre Fusos Horários existente no Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, já aqui utilizado, (1) há uma série de documentação relacionada com a medida adoptada pelo Governo português, a informação que prestou sobre isso à comunidade internacional e o interesse de alguns países sobre o que mudou em Portugal.

Uma carta de Nunes da Mata, de 29 de Abril de 1911, informa sobre a recém-criada comissão para a Hora Legal; a 22 de Maio, a embaixada portuguesa em França envia o Jornal Oficial, de 10 de Março desse ano, onde se determina que a Hora Legal francesa também é alterada (à meia-noite desse dia, o relógio do Observatório de Paris, e com ele todos os relógios das repartições públicas que davam a Hora oficial, foram atrasados 9 minutos e 24 segundos); a 14 de Agosto, a New York Public Library agradece o envio de um exemplar de “A nova hora e os fusos horários”, o panfleto explicativo da autoria de Nunes da Mata; a 2 de Junho, a legação portuguesa em Londres confirma ter sido informada da mudança da hora decretada em Lisboa e envia recortes de imprensa sobre o assunto; a 6 de Junho, idêntica situação com a legação junto do Império Austro-Hungaro; a 7 de Junho, o representante de Portugal em Roma informa que deu conta ao Governo italiano da alteração ao regime da Hora Legal que se processará em Portugal a partir de 1 de Janeiro de 1912; a 23 de Junho, o representante português em Washington diz que se informou junto do Departamento de Estado e que a reunião de Washington de 1884, tendo debatido “a adopção de princípios gerais para a fixação da hora legal nos diferentes países”, isso “não resultou propriamente numa convenção” e que a Conferência “separou-se depois de emitir um simples parecer”. Informa ainda que o Departamento de Estado “teve a grande amabilidade” de ceder “um dos raros exemplares que ainda restam da publicação que contém os protocolos da Conferência”. Finalmente, informa Lisboa que já deu conta ao Secretário de Estado norte-americano das alterações ao regime da hora legal em Portugal.

A 26 de Março de 1913, ainda o representante diplomático alemão em Lisboa pergunta sobre a experiência do cômputo das horas de 0 a 24 e qual o acolhimento feito pelo público a esta inovação; a 3 de Maio de 1913, a resposta do Ministério do Interior é “Posto não seja obrigatória a contagem das horas de 1 a 24 esta inovação tem sido bem acolhida e vai entrando no uso geral da população”; e, a 23 de Dezembro de 1913, o representante da Legação dos Estados Unidos em Lisboa pergunta ao Ministro dos Negócios Estrangeiros se houve quaisquer mudanças no tempo legal usado em Portugal e, se sim, qual, denotando-se assim alguma falta de coordenação na informação fornecida ao exterior.

Quanto ao acervo respeitante à Hora Legal existente no arquivo do Noviciado da Cotovia / Colégio dos Nobres / Escola Politécnica / Faculdade de Ciências (2), também já aqui utilizado, de notar a seguinte documentação:

A 19 de Dezembro de 1911, A Universidade de Lisboa informa ter recebido da Direcção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial uma circular, informando da mudança do regime da Hora Legal e determinando: “Ao bater das 12 horas da noite de 31 de Dezembro corrente, os relógios dessa Universidade devem ser adiantados 36 minutos 44 segundos e 68 terços, isto é, aproximadamente, 37 minutos. Mas como este avanço é apenas convencional, devem, correspondentemente, os horários ser atrasados 40 minutos.”

A 8 de Julho de 1912, Pedro José da Cunha, director do Observatório Astronómico da Faculdade de Ciências, e que tinha também feito parte da comissão nomeada para estudar a nova Hora, informa o Director desse estabelecimento ter respondido “negativamente à consulta relativa à próxima conferência de Paris, em que se vai tratar da transmissão da hora pela telegrafia sem fios, porque, efectivamente, os fundos disponíveis do Observatório não permitem mandar nenhum dos seus membros àquela conferência sem ónus para o Estado”. Depois, considera “uma vergonha para o nosso país o não se fazer representar naquela conferência internacional”, sugerindo que “no Observatório da Tapada encontraria o Governo quem, melhor do que ninguém, - tanto pelo que respeita à índole do serviço do Observatório, como pelo que se refere à autoridade e competência, - poderia desempenhar-se da missão de que se trata com honra e proveito para o nosso país”.

A 29 de Abril de 1913, tendo-lhe sido pedido parecer sobre o estatuto da Comission Internationale de l’Heure, elaborado em Paris em Outubro de 1912, o Observatório Astronómico da Faculdade de Ciências faz notar que as colónias podem aderir como Estados separados, e defende que Portugal deve aderir, bem como as províncias de Angola e Moçambique, como associados, especialmente no último caso, por nele haver um observatório astronómico moderno.

Embora tenha adoptado o regime de fusos horários e Greenwich como meridiano de referência para a sua Hora Legal, Portugal só em 1920 determina o emprego desse sistema no mar, nas Marinhas de Guerra e Mercante.

(2) AHMCUL, caixas 1910 a 1940

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