quinta-feira, 24 de julho de 2014
O mundo dos relógios cronógrafos na revista Turbilhão, em artigo de Estação Cronográfica
Já está nas bancas o nº 6 da revista Turbilhão. Onde se trata especialmente do mundo dos cronógrafos. Num artigo da autoria de Estação Cronográfica.
A batalha pela medição dos tempos curtos
O mundo do cronógrafo
Fernando Correia de Oliveira*
O progresso realizado em astronomia, física, química, medicina, balística ou medição de provas desportivas tem sido companheiro perene dos progressos conseguidos em relojoaria, e vice-versa. A necessidade de medição de tempos curtos levou ao cronógrafo, a mais popular das “complicações”.
Os cronógrafos estão para os relógios simples como os carros para as carrinhas – estas últimas melhoram sempre o aspecto estético de um qualquer modelo. Desde há uns anos que, devido a esse apelo estético do cronógrafo, com botões e mostradores suplementares, as marcas de moda resolveram “vestir” relógios simples sob a capa de “cronógrafos”.
Tendo começado como uma verdadeira necessidade, no campo da ciência, da guerra ou do desporto, o cronógrafo passou a ser antes sinal de estatuto e complexidade da máquina que trazemos no pulso. Há quanto tempo não acciona a função de cronógrafo? Mas vamos por partes. Ou antes, comecemos pelo início…
Até há pouco tempo, pensava-se que tinha sido o francês Nicolas Mathieu Rieussec a inventar o cronógrafo, em 1821. Mas sabe-se hoje que terá sido o seu compatriota Louis Moinet a registar, em 1816, um “compteur de tierces” capaz de medir e registar tempos intermédios. De qualquer modo, atribui-se a Rieussec o termo “cronógrafo”, literalmente “escrever o tempo”, nome que deu a uma máquina que, munida de aparo e tinta, ia inscrevendo num disco com uma escala de 60, através do ponteiro dos segundos, os tempos feitos pelos vários cavalos numa prova no Champ-de-Mars, em Paris, para satisfação do Rei… É o primeiro caso de cronometragem desportiva que se conhece. Rieussec conseguiu a divisão até um quarto de segundo. Chega-se ao quinto de segundo apenas em 1862 – aquando dos primeiros Jogos Olímpicos da era moderna.
Data de 1882 o cronógrafo “à rattrapante” (dois ponteiros dos segundos, co-axiais, podendo um ser parado para medir um primeiro tempo e reaccionado para se juntar (rattrapé) ao segundo que continua a andar).
Desporto, ciência e guerra são áreas onde os cronógrafos são necessários. Os “cronómetros desportivos”, com precisão até um décimo de segundo aparecem no final do século XIX. A artilharia pesada usa já por essa altura cronógrafos para o cálculo do tiro. Os observatórios astronómicos e laboratórios científicos passam a usar cronógrafos para os seus cálculos.
Só em 1927, com um modelo Patek Philippe, surge um cronógrafo de pulso. Trata-se de um exemplar mono-botão, accionado através da coroa.
Pela mesma época, a Breitling inventa o botão de cronógrafo independente, que acciona e para a função de cronógrafo e, em 1932, a mesma manufactura apresenta um segundo botão, que serve para colocar “a zeros” os vários ponteiros.
Só em 1969 surge o cronógrafo automático, com o Zenith El Primero a destacar-se, permitindo medir fracções de 1/10 de segundo.
Embora as tecnologias de concepção e produção dos cronógrafos sejam conhecidas do sector relojoeiro helvético desde o início do século XIX (e falamos aqui, obviamente, de relógios de bolso), a sua produção é extremamente limitada, até aos anos 1890. As exportações suíças de relógios complicados – que incluem na quase totalidade a função de cronógrafo – resumem-se a 78 exemplares em 1885. O seu número cresce rapidamente, atingindo as 7.327 unidades em 1900 e 42.342 em 1920.
Isto explica-se em grande parte pelas mudanças socio-económicas que sofriam então os países ocidentais. Medir tempos precisos tornara-se um aspecto importante no capítulo do desporto e nas fábricas, locais que se tinham tornado o centro da actividade social. De qualquer modo, os cronógrafos representavam em 1920 apenas 0,4 por cento do volume de relógios exportados pela Suíça.
O cronógrafo é, pois, um produto de nicho até essa data. Alguns fabricantes especializam-se neste tipo de relógio, como Edouard Heuer, que funda a sua empresa em 1860. Em 1916, a Heuer lança o Mikrograph, que consegue medir fracções de 1/100 de segundo. Quanto a Léon Breitling, funda a sua empresa em 1884 e especializa-se igualmente em cronógrafos.
Alfred Lugrin produz a partir de 1884 calibres cronógrafos para outras marcas e a Longines é a primeira a lançar a produção industrial de cronógrafos, em 1878, exactamente a partir de um calibre concebido por Lugrin.
É no período entre as duas Grandes Guerras que os cronógrafos (cada vez mais os de pulso, ganhando terreno aos de bolso) começam a ganhar importância, cada vez maior, até atingir o auge, em meados dos anos 1970. Os números de produção – 140 mil unidades em 1935; 1,4 milhões em 1950; 3,2 milhões em 1959…
Este crescimento tem por base uma consolidação industrial – em 1932, a Societé suisse pour l’industrie horlogère (SSIH) compra a Lemania-Lugrin, permitindo à Omega adquirir as competências em matéria de desenvolvimento de relógios de pulso cronógrafos e de se empenhar activamente na cronometragem desportiva a partir dos Jogos OIímpicos de Los Angeles, em 1932. Antes da II Guerra Mundial, também a Longines e a Heuer entram em força na cronometragem de competições desportivas.
Nos anos 1960 entra na corrida a japonesa Seiko, que tinha conseguido ser o cronometrista oficial dos Jogos Olímpicos de Tóquio, de 1964. Em resposta, a Omega e a Longines criam em 1972, com o apoio da Fédération de l’industrie horlogère suisse, a Société suisse de chronométrage sportif, que pouco depois muda o nome para Swiss Timing. A Heuer-Leónidas (fusão ocorrida em 1964) torna-se também pouco depois acionista da empresa.
Para além do crescimento na produção de cronógrafos a que se assiste desde os anos 1930, há paralelamente a passagem do relógio de bolso para o relógio de pulso. Não são os novos usos sociais que fazem aumentar a procura de cronógrafos mas sim o aparecimento de uma dimensão ostentatória que faz do relógio de pulso e das suas complicações um acessório de moda. Os cronógrafos não servem tanto para medir tempos intermédios, mas mais para dar corpo aos valores de precisão e de qualidade veiculados pela publicidade das respectivas marcas.
É neste contexto que a Omega surge com o cronógrafo Speedmaster (1957) e que a Zenith lança o El Primero em 1969. Um gigante, a Ebauches SA, desenvolve nesse período calibres cronógrafos que irão equipar centenas de milhares de relógios de pulso e que se tornarão famosos entre os entendidos, como é caso do Vajoux 7750 (saído em 1973).
A revolução do quartzo tem um impacto enorme na indústria suíça, incluindo o segmento de cronógrafos. Por um lado, esta complicação perde a sua razão de ser de símbolo da precisão e da excelência técnica do relógio suíço, ultrapassado pelo rival japonês. Por outro lado, a função cronógrafo torna-se acessível a preços extremamente reduzidos, com o lançamento de relógios digitais de quartzo, durante a década de 1980.
Centenas de pequenas marcas suíças desaparecem e a base industrial é atingida quase mortalmente, tendo dificuldade em transitar do mecânico para o quartzo. Em 1990, a Suíça exporta menos de um milhão de cronógrafos (3,3 por cento do volume total). Mas as coisas vão, inesperadamente, mudar.
O cronógrafo surge como uma alegoria quase perfeita sobre o renascimento da indústria relojoeira helvética e do seu reposicionamento face ao luxo. Os números das exportações ilustram bem esse formidável regresso, com menos de um milhão de cronógrafos em 1990 para 4,2 milhões em 2000 e 5,3 milhões em 2010, ao mesmo tempo que o volume global baixa. De 3,3 por cento do volume em 1990, os cronógrafos ultrapassam os 20 por cento em 2010.
Mais uma vez, não são as necessidades utilitárias a explicar o fenómeno, mas antes a emergência de novos produtos de moda. A Swatch lança em 1990 a sua primeira linha de cronógrafos. Mas é sobretudo a transformação dos relógios de pulso em produtos de tradição e em acessórios de moda de luxo que sustenta esta nova sede pelos cronógrafos.
Esta complicação, como outras menos acessíveis para o consumidor médio, torna-se no símbolo de um savoir-faire suíço tradicional e fonte de uma mais-valia financeira. Além disso, as empresas relojoeiras investem maciçamente no cronógrafo, tanto em termos de produção como em publicidade. Para a produção, destaque para o Swatch Group, que adquire em 1999 a Breguet e, com ela, a Nouvelle Lémania, produtora tradicional de cronógrafos. Ainda no universo Swatch Group, a ETA, fruto da fusão, durante a crise do quartzo, de várias unidades industriais, torna-se no fornecedor da quase totalidade dos calibres cronógrafos usados pela indústria suíça, incluindo marcas directamente concorrentes.
A estratégia de comunicação, muito apoiada nos grandes eventos desportivos e na sua cronometragem, passa também por atletas que são embaixadores das várias marcas. O cronógrafo e o relógio desportivo em geral tornam-se, a partir dos anos 1990, no ícone central da batalha que os grandes grupos relojoeiros travam à escala global.
*Jornalista e investigador
Caixa
A evolução da medida de tempos intermédios
1695 – O inglês Samuel Watson inventa um relógio de pulso especificamente criado para ajudar à medição de tempos em experiências científicas – o calibre já permite a paragem do ponteiro dos segundos, através de uma alavanca. É o primeiro “stop watch”, termo inglês que tem em português a tradução de cronómetro, o que ajuda à confusão de termos.
1720 – O inglês George Graham constrói uma pêndula com ponteiro dos segundos a quatro saltos (medindo assim quartos de segundo)
1776 – Invenção do relógio de segundos mortos independentes, pelo genebrino Jean-Moïse Pouzait. Trata-se do precursor do cronógrafo.
1816 – O francês Louis Moinet apresenta um “compteur de tierces”, relógio de bolso capaz de medir e registar tempos intermédios. É o primeiro cronoscópio, o nome correcto do cronógrafo. O relógio é usado nas observações astronómicas.
1821 – O francês Nicolas Mathieu Rieussec obtém patente para um “garde temps ou compteur de chemin parcorou”, a que chama “chronograph à secondes”. Está istalado numa estutura de madeira do tamanho de uma caixa de sapatos.
1822 – Frédérique Louis Fatton, a pedido de Abraham Louis Breguet, transforma o conceito de Rieussec para relógio de bolso.
1831 – O austríaco Joseph Thaddäus Winnerl avança com a solução para um ponteiro de segundos que pode ser parado independentemente do resto do calibre. É o precursor da função rattrapante (split-seconds em inglês, duplo cronógrafo, em português).
1844 – Adolphe Nicole, relojoeiro suíço estabelecido em Londres, regista patente para função de retorno a zeros do ponteiro de segundos (trotteuse) do cronógrafo.
1878 – Criação do primeiro instituto suíço para o controlo oficial da marcha de relógios, em Bienne, precursor do COSC actual.
1909 / 1910 – Primeiros modelos de cronógrafos de pulso patenteados em Berna.
1916 – A Heuer patenteia o MIcrograph, que mede centésimos de segundo e o Semi-Micrograph, que mede meios segundos.
1924 – Primeira patente suíça para um relógio de pulso com massa oscilante central, o automático (John Harwood)
1933 – A Breitling patenteia cronógrafos com dois botões (poussoirs) além da coroa.
1937 – Sistema dito “de cames e sem bloqueador” apresentado pela Dubois-Dépraz e destinado a suprimir a roda de colunas dos cronógrafos.
1969 – Omegas Speedmaster são usados por Neil Armstrong e Buzz Aldrin na missão Apolo XI, que marca a chegada do Homem à Lua. Nesse mesmo ano surgem os primeiros cronógrafos automáticos – o consórcio Heuer, Breitling e Buren, por um lado; o El Primero da Zenith, por outro. Surge o primeiro relógio de pulso de quartzo com indicação numérica (digital) através de díodos electroluminescentes (LED – Light Emitting Diodes).
1985 – É lançado o primeiro cronógrafo calendário perpétuo – o IWC da Vinci, da autoria do mestre relojoeiro Kurt Klaus.
Caixa
Cronómetros, cronógrafos, rattrapante, flyback…
Acumulador – O mesmo que contador ou totalizador. Os cronógrafos têm sistemas de amostragem de acumulação dos tempos medidos. Há mostradores de acumulação de minutos, de horas.
Astmómetro – Cronógrafo que permite medir a cadência respiratória através de uma escala no mostrador.
Complicação – Todas as indicações de um relógio que não sejam as de assinalar as horas, minutos e segundos são consideradas “complicações” – data, dia da semana, mês, cronógrafo, sonnerie, repetição minutos, despertador, calendário perpétuo, fases de lua, etc.
Cronógrafo à rattrapante – Recuperador em português, split-seconds em inglês ou doppelchronograph em alemão. Cronógrafo com dois botões e dois ponteiros dos segundos – o primeiro é o habitual do cronógrafo, o segundo é o rattrapante. Permite a cronometragem de vários fenómenos que comecem simultaneamente mas cuja duração seja diferente. Terminado o primeiro fenómeno, pára-se o rattrapante, permitindo ler a sua duração; depois, faz-se o rattrapante voltar a ficar em cima do outro ponteiro dos segundos, com o qual se sincroniza; terminado o segundo fenómeno, pára-se de novo o rattrapante, permitindo a leitura da sua duração, e assim sucessivamente. Terminado o último fenómeno, pode-se imobilizar os dois ponteiros dos segundos e voltar a repor a zeros. Um dos botões acciona apenas o rattrapante, o outro o ponteiro normal dos segundos do cronógrafo. Não confundir com fly-back. O cronógrafo rattrapante é útil, por exemplo, numa corrida de atletismo, para registar os tempos de chegada do primeiro, do segundo, do terceiro corredor. Há uma confusão recorrente da função rattrapante com a função fly-back ou retour en vol. A maneira mais fácil de as distinguir é saber que a primeira usa dois ponteiros dos segundos ao centro e a segunda apenas um.
Cronógrafo com fly-back – Retour en vol, em francês. Trata-se de um mecanismo de contagem de tempos que se pode fazer parar e regressar a zero com apenas uma pressão de botão. Quando este se solta, o ponteiro retoma a sua marcha. Este dispositivo permite a um avião ou a um navio mudar de rumo segundo um programa preparado. Logo que uma sequência termina, a pressão sobre o botão leva o ponteiro a zeros e põe em marcha a sequência seguinte, permitindo ganhar assim alguns segundos na manipulação do cronógrafo.
Cronómetro – Etimologicamente, designa qualquer instrumento destinado à medição do tempo, mas o uso consagrou-o como significando relógio de alta precisão. O público em geral confunde cronómetro com cronógrafo, mas a maioria dos cronógrafos não são cronómetros e muitos destes não são cronógrafos. Segundo a definição aceite nos meios relojoeiros, “um cronómetro é um relógio de alta precisão, capaz de marcar segundos, e cujo movimento é testado durante vários dias, em diferentes posições e a várias temperaturas e choques, por um organismo oficial independente”. Os mecanismos que satisfaçam os critérios de precisão previstos na norma ISSO 3159 recebem um certificado oficial de cronometria. O mais célebre é emitido na Suíça pelo COSC (Contrôle Officiel Suisse des Chronomètres). Quando vai para o consumidor final, um relógio com certificado COSC não deve na sua marcha diária variar mais do que 6 e menos que 4 segundos. Esses parâmetros são difíceis de conseguir para relógios mecânicos, mas facilmente atingíveis para relógios de quartzo, pelo que o COSC é mais exigente com estes últimos. A inclusão de um sistema electrónico que compensa a variação de frequência do quartzo em função da temperatura (movimentos termocompensados) é uma das exigências. Apenas 3 por cento da produção suíça se submete ao controlo de qualidade COSC, pelo que um relógio que ostente o seu certificado tem um bom argumento junto do consumidor final.
Cronómetro (stop watch) – Para aumentar a confusão, os relógios que apenas indicam tempos curtos e não as horas – stop watch em inglês – são traduzidos em português como “cronómetros”. As funções de medição são controladas geralmente por dois botões – um inicia e pára a contagem de tempo; outro repõe os ponteiros a zeros. Neste caso não há ponteiros das horas ou dos minutos.
Cronoscópio – Designação correcta do que geralmente se designa por cronógrafo. O cronoscópio indica os intervalos de tempo enquanto o cronógrafo, de início, os registava por escrito.
Pulsómetro – Dispositivo que permite medir rapidamente as pulsações por minuto. Um cronógrafo com escala pulsométrica baseia-se geralmente em 15 ou 30 pulsações contadas. Iniciada e parada a marcha do ponteiro dos segundos do cronógrafo depois dessa contagem, basta ler a escala.
Repor a zeros – Diz-se da operação, geralmente nos cronógrafos, de recolocar os ponteiros no início da escala ou do mostrador acumulador.
Taquímetro – Dispositivo que mede velocidade desde que se saiba a distância percorrida. Mil metros percorridos em 45 segundos correspondem, por exemplo, a uma velocidade de 80 km/h. Há relógios, cronógrafos, que têm escala taquimétrica. O taquímetro pode ser também um aparelho que serve para medir o número de rotações por minuto de um motor e, assim, a velocidade de máquinas ou veículos. Neste caso, usa-se também “tacómetro”. Um tacógrafo é um taquímetro que regista (dantes num disco de papel, hoje em memória de um chip) essas indicações. Os taquímetros e tacógrafos usam-se, por exemplo, para fiscalizar motoristas profissionais, ficando a saber-se se estão a cumprir limites de velocidade e períodos obrigatórios de descanso.
Telémetro – Dispositivo que indica a distância baseando-se na velocidade do som (333 1/3 metros por segundo), ou seja, um km em cada 3 segundos. Qualquer relógio pode ser usado como telémetro, mas um cronógrafo é o ideal, se tiver escala telemétrica. Põe-se em marcha o ponteiro dos segundos do cronógrafo quando, por exemplo, se vê um raio, pára-se quando se ouvi o ruído do trovão. A escala indica a distância a que caiu o raio (tempo x 333 1/3 metros).
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário