Estação Cronográfica começou a sua carreira a 6 de Março de 1974, na ANI, e foi fundador da ANOP, da NP e da Lusa, pertencendo a um núcleo reduzido de quadros que fez o pleno das agências noticiosas portuguesas. O mundo das agências foi, para si, uma escola de Jornalismo e de Vida. Três décadas nas agências, uma década no Público, com colaborações em muitos outros OCS, incluindo a fundação das rádios RFM ou TSF. A última década passou-se depressa, como freelancer. Mas... o melhor ainda está para vir.
Deixamos aqui o depoimento que fizemos para um trabalho que outro "histórico" das agências em Portugal, Santos Gomes, desenvolveu:
Comecei a minha carreira de jornalista a 6 de Março de 1974, penso que no 5º andar de um prédio da Praça da Alegria, em Lisboa, na agência de notícias ANI. Nessa altura, estudante do 1º ano de Direito, e devido a actividade política contrária ao regime, já tinha um processo disciplinar a correr e estava impedido de entrar nas instalações da Faculdade. O que se seguiria era o normal para a época – interrupção do curso, incorporação imediata no Exército, para ir combater na Guerra Colonial.
Entrei para a ANI depois de prestar provas como Tradutor. O meu objectivo era ganhar algum dinheiro e, entretanto, ir preparando a saída clandestina de Portugal, para França, para o exílio, para não ir à tropa.
Passei no teste de tradução de telegramas em inglês e francês das agências internacionais com quem a ANI tinha acordo para receber o seu serviço, e o primeiro contacto, nesse “exame” com Luísa Metzner Leone, a chefe de turno da tarde em que prestei provas.
Foi-me comunicado uma semana depois que tinha sido aprovado e que seria de imediato admitido, se o quisesse. Entrei para o turno da noite, chefiado por Jorge Heitor. Desde logo fiquei surpreendido, não pelo facto de ter passado o teste, mas por ser admitido sem mais perguntas, sabendo-se que era estudante universitário e que nessa época o meio estudantil era maioritariamente contrário ao regime.
Quando se dá o chamado Golpe das Caldas (16 de Março de 1974), tomei contacto mais directo com o Chefe de Redacção da ANI, António Maria Zorro. Nunca mais me esqueço, nessa mesma noite, estando eu de turno, a traduzir telegramas, de ver e ouvir Zorro a gritar com convicção ao telefone, a saúde do regime e o fracasso dos golpistas. Presumi que estava a falar com várias pessoas em Angola, Moçambique ou Guiné, a explicar o que se tinha passado em Lisboa. Uma das vezes, emocionado, terminou a chamada com a célebre frase “Angola é nossa!”. Confesso que me arrepiei. Estranha contradição – eu, adversário do regime, a ganhar ali dinheiro (3.300 escudos foi o meu primeiro ordenado, bastante razoável para a época) para sair do país e não ir para a guerra, enquanto ao meu lado, Zorro, oficial da Mocidade Portuguesa, convencia-se a si e aos outros de que o regime estava para durar.
Mas não durou, como se viu semanas depois. Com o 25 de Abril de 1974, grandes convulsões se sucederam também na ANI. Não conhecia até então Dutra Faria ou Barradas de Oliveira, os proprietários da agência, mas sabia quem eram. Escassas semanas após o golpe de estado, fui eleito para a primeira Comissão de Trabalhadores da agência. Lembro-me de um outro episódio – pela primeira vez desci ao segundo andar do prédio, onde funcionava a Administração e os serviços de Pessoal da ANI, para me apresentar a Dutra Faria, no âmbito das actividades da Comissão de Trabalhadores. Como porta-voz do grupo (os outros sentiam o peso da situação, estavam há mais tempo na empresa, eu era jovem e totalmente desprendido) ainda estendi a mão para cumprimentar, mas Dutra Faria ignorou o gesto. E a conversa correu mal, embora sempre em tom calmo.
A ANI continuou o seu trabalho de agência noticiosa, sem interrupções, ao longo dos primeiros dias do novo regime, até que chegou um Delegado do MFA, um militar, que ali era colocado, à semelhança do que ocorria nos outros órgãos de comunicação social estratégicos.
Pouca gente saberá, mas a ANI não foi nacionalizada, antes comprada pelo Estado, através do antigo SNI, por um preço simbólico.
Sem Dutra Faria ou Barradas de Oliveira, com o representante do MFA (capitão Pombinho?) a gerir a empresa, permaneceram inalteráveis os procedimentos hierárquicos, embora já sem Censura Prévia. Nesses meses agitados, muito agitados, tive uma experiência profissional extraordinária, agora tendo também como chefe directo António Maria Zorro. Foi ele quem me deu as primeiras noções éticas e deontológicas de Jornalismo, numa altura em que não havia no país qualquer curso de Comunicação Social.
António Maria Zorro, Luísa Metzner Leone, Ricardo Romão, Domingos Neves foram pessoas de uma geração bastante mais velha que, mesmo no meio do PREC, souberam manter o diálogo com a geração de estudantes universitários que ali estava – jovens que, passado pouco tempo, viram o seu estatuto de jornalista confirmado pelo Sindicato da classe.
Penso que foi nesse núcleo profissional composto por antigos quadros da ANI e por jovens como eu, os irmãos Pinheiro de Almeida, João Pedro Martins e outros que se construiu a génese da Independência editorial das agências em Portugal, ameaçada desde logo pela entrada maciça de quadros do Partido Comunista Português, não só na agência como em todos os outros órgãos de comunicação social do Estado.
Por lei, a ANI tinha, como todas as empresas, que cumprir os Saneamentos (afastamento de pessoas ligadas directamente e com responsabilidade ao regime). Depois de consultada a lista fornecida pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS, onde figuravam os nomes das pessoas a sanear, verificou-se que apenas António Maria Zorro lá figurava, e só porque era Graduado da Mocidade Portuguesa, e não pela sua actividade jornalística. Foi com grande pena que a Comissão de Trabalhadores aplicou a lei.
Resumindo: a ANI foi, logo antes do 25 de Abril, a minha verdadeira escola de Jornalismo, pelo exemplo que gente ligada ao regime salazarista me soube dar – ideologicamente distantes de mim, profissionalmente muito próximos, pois conseguiam não misturar as coisas. Depois de instaurada a democracia, foi com eles que construi uma frente comum de resistência aos que queriam fazer regressar Portugal a uma ditadura, agora de sinal contrário.
E o caminho foi-se fazendo: fui fundador da ANOP, da NP, da Lusa. E, ao fim de 20 anos de carreira nas agências, onde desempenhei os mais variados cargos, de Estagiário a Subdirector de Informação, abandonei esse sector da Comunicação Social que foi, para mim e para muitos da minha geração, a melhor Escola de Jornalismo a que poderíamos aspirar e que tivemos a sorte de frequentar.
2 comentários:
Parabéns, camarada, o futuro ainda não chegou!
LPA
Obrigado, Luís
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