sábado, 1 de junho de 2013
GQ Guia de Relógios 2013 - Editorial
Pelo quarto ano consecutivo, fomos Editor Convidado do suplemento anual de Relojoaria da GQ Brasil. Eis o Editorial:
Todo o tempo do mundo
Paris, Parc de Bagatelle, Novembro de 1906. A máquina voadora motorizada manteve-se no ar durante 21 segundos, levitando entre 4 a 6 metros do chão e percorrendo 220 metros, antes de cair na relva do parque.
A multidão que assistia à proeza passou da excitação barulhenta ao silêncio expectante e ao aplauso triunfal. Alberto Santos Dumont (1873-1932) tinha conquistado mais uma etapa na conquista dos céus. Aos comandos da sua estranha máquina, tinha levantado do chão e a duração do seu voo valeu-lhe o primeiro recorde mundial da história da aviação.
Será que Louis Cartier (1875-1942) estava entre a assistência? Provavelmente. Os dois homens conheciam-se e, dois anos antes, o brasileiro tinha feito um pedido específico ao joalheiro – que lhe arranjasse um relógio mais prático, pois era impossível puxar de um relógio do bolso da jaqueta quando estava aos comandos da sua aeronave e queria saber tempos.
Louis Cartier adaptou um conceito que começava a ganhar popularidade por aqueles anos – o relógio de pulso, com pulseira de cabedal. Naquele caso, com caixa rectangular. Tinha nascido o Santos, que a Cartier viria a comercializar mais tarde e se tornaria num dos seus modelos icónicos.
Este foi um dos primeiros relógios de pulso para homem. Um século antes, tinha-se começado a fazer relógios de pulso de senhora, relógios-jóia, com bracelete de tecido.
Só com a I Guerra Mundial e o desembarque de tropas americanas em teatro europeu trouxe uma maior popularização ao relógio de pulso masculino – os oficiais estavam munidos de exemplares, mais práticos de consulta em pleno teatro de guerra do que os de bolso. Serviam para coordenar acções em combate.
Mesmo assim, até à década de 30, o relógio de bolso era o objecto de excelência para definir o estatuto do homem bem sucedido, do pater famílias, da autoridade por detrás da bengala, do chapéu de coco, do terno de três peças e… do relógio com corrente.
Só na II Guerra Mundial e depois dela a produção de relógios de pulso masculinos passa a superar a dos relógios de bolso, que praticamente desapareceram. Embora haja hoje algum revivalismo e algumas manufacturas recomecem a produzi-los.
De objecto necessário ao regular do quotidiano, acertado diariamente pelo relógio da estação de caminhos-de-ferro ou telegráfica, o relógio de pulso mecânico sofre na década de 70 a concorrência do relógio de quartzo, vindo do Japão. Mais barato, muito mais certo, muito mais fácil de manter.
Há 30 anos, a indústria relojoeira mecânica estava moribunda. Mas, a pouco e pouco, o gosto pelo relógio mecânico foi recuperando terreno. Actualmente, ninguém precisa de um relógio certo ao segundo. Para isso, tem o celular que, se tiver GPS, tem ao seu serviço, a triangulação de 3 ou mais relógios atómicos. Mais certo que isso, é impossível.
Então, porquê o gosto, a febre mesmo, pelo relógio mecânico? Ele é o seu prazer pessoal, a sua jóia com alma e animação, o seu sinal a si e aos outros de uma maneira de viver, de um estatuto adquirido, de uma etapa vencida com sucesso. É um objecto com história, que pode deixar à próxima geração. Mas a paixão não se explica, vive-se. Com todo o tempo do mundo. Nas páginas seguintes, damos-lhe mais 100 argumentos.
Fernando Correia de Oliveira
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2 comentários:
Belo texto, Fernando. Parabéns!
Obrigado, caro Relógio de Pulso
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