A torre do relógio público de Constância encontra-se adossada à casa de residência da família Themudo de Castro, sendo o que resta de uma antiga capela de invocação a São Pedro, do século XVIII. O conjunto torre-relógio sofreu recentemente trabalhos de restauro. Completamente recuperada por dentro e caiada por fora, usando-se técnicas tradicionais, a torre viu ainda reabilitada a velha escada de madeira que dá acesso ao mecanismo relojoeiro.
Hoje, o público pode aceder ao topo do conjunto, vendo de perto a máquina a funcionar, apreciando, pelo caminho, a grandiosidade dos pesos, suspensos de cabos, que, até ao fundo de um poço, garantem a corda que permite ao relógio trabalhar um dia inteiro.
Segundo o historiador local António Matias Coelho, há documentação dos meados do século XIX que testemunha os cuidados que a Câmara de Constância tinha com a torre. Em 1853, por exemplo, o município estabeleceu contrato com um tal António José de Carvalho, designado Encarregado do Relógio, que se obrigava a mandar “esfregar as escadas uma vez cada mês, e caiar as paredes que assim o precisam”, de modo a trazer “a casa do sobredito Relógio sempre com o devido asseio”. Esse Encarregado comprometia-se “a dar corda ao Relógio diariamente, a uma hora dada, e tantas vezes quantas o bom regulamento do Relógio o exigir, trazê-lo sempre bem regulado quando ser possa, concertar ou mandar concertar, construir ou mandar construir à sua custa quaisquer peças que o Relógio precise em sua máquina, cordas, etc.”. De então para cá, e até hoje, foi sempre a Câmara de Constância que se encarregou da manutenção do dito relógio público.
António Matias Coelho admitia há uns anos que o relógio pudesse ter sido instalado em 1837, a fazer fé na data inscrita a vermelho na parede, no início da escadaria interior. Hoje, e depois de consultar especialistas em relojoaria férrea, o historiador está mais inclinado para a hipótese de a máquina, provavelmente de fabrico francês, ser ainda do século XVIII, pelo facto de o mostrador ter apenas um ponteiro, o das horas. Ora, é só a partir do século XIX que os mostradores com dois ponteiros, de horas e minutos, passam a ser vulgarizados.
Diz o historiador que, com as características do de Constância, e a funcionar, existe apenas em Portugal o da torre da Igreja Matriz de Penafiel. Quem recuperou o relógio de Constância foi Mestre Venâncio Maia, 61 anos, a trabalhar como relojoeiro desde os 12. Na sua oficina em Arcozelo, Gaia, mestre Venâncio dedicou dois meses da sua atenção ao exemplar de Constância, que pesa 100 quilos — desmontou-o, decapou-o, lavou-o com benzina e gasolina, eliminou folgas nas peças, substituiu algumas, procedendo finalmente ao restauro estético do conjunto, pintando-o a negro e ouro. Finalmente, in loco, procedeu-se à montagem, lubrificação e afinação. Hoje, a população de Constância, pode ouvir de novo as horas e as meias horas do seu relógio renovado.
Ainda em Constância, há um Centro Ciência Viva que merece visita, com observatório astronómico e planetário, e que tem um relógio de sol analemático no exterior.
Os relógios mecânico e de sol no castelo de Palmela
Outro caso recente de sensibilidade municipal quanto à recuperação do património relojoeiro férreo é o de Palmela. Na torre sineira da Igreja de Santiago sobressai, na sua face norte, um mostrador, mais uma vez de ponteiro único. Lá dentro, encontra-se um mecanismo fabricado em 1752, na Bélgica, Liége, pela Casa Henri Rossius.
A primeira reparação conhecida, e inscrita no próprio aparelho, realizou-se em 1907, por um relojoeiro alemão. Sem som durante várias dezenas de anos — devido a uma avaria no sistema mecânico do relógio — os sinos da Igreja voltaram a ouvir-se em Maio de 1996, após reparação do conjunto promovida pela autarquia. Hoje, a máquina de Palmela pode ser vista pelo público, mediante marcação junto do Serviço Educativo do Museu Municipal.
Junto à torre, num passadiço, encontra-se um relógio de sol, não datado. Vertical, com cunha, para poder estar com o mostrador orientado para Sul e assim permitir que as marcações das horas sejam simétricas em relação ao eixo do meio-dia solar.
Pensamos que este relógio de sol, como muitos outros em idênticas circunstâncias, serviu para o acerto diário do relógio mecânico na torre adjacente. Ao meio-dia solar local, assinalado pela sombra do gnómon, o relógio mecânico era ajustado. Claro que o dia solar verdadeiro não tem sempre ao longo do ano 24 horas exactas (daí a chamada Equação do Tempo para poder calcular a hora civil a partir de um relógio de sol). E que a hora solar é sempre local. Mas até praticamente ao final do século XIX o tempo foi sempre local e era preferível ter o relógio mecânico a bater horas com o acerto do seu "irmão" solar do que deixar o primeiro acumular atrasos ou adiantamentos.
Finalmente, dois casos paradigmáticos, pela negativa, dos muitos que têm ocorrido ao longo dos tempos, em Portugal — soubemos que a igreja paroquial de Bucelas tem desde há pouco um novo relógio de torre, adquirido através de um subsídio atribuído pela respectiva Câmara Municipal. Com um custo total de 920 contos. O novo relógio — modelo computorizado Apollo, com toque de horas — substituiu o anterior, “em risco de partir e de danificar a estrutura em que está colocado”, segundo justificação do executivo autárquico. Não seria mais correcto reforçar a estrutura da torre sineira, restaurar a velha máquina, e guardar os circuitos integrados e outras modernices para áreas menos nobres?
Em 2002 fomos contactados pelo Presidente da Junta de Bucelas, e foi-nos garantido que a máquina antiga está devidamente guardada, à espera de um tratamento museológico. Do mal, o menos.
O outro: o boletim municipal de Viana do Alentejo de Dezembro de 2002 dava conta do seguinte: “Na vila de Alcáçovas, a Câmara de Viana reparou ainda a Torre do Relógio. Durante a reparação o relógio existente foi retirado e colocado outro no seu lugar. Tratava-se de uma velha aspiração da população daquela freguesia”.
Estação Cronográfica não sabe do estado actual dos antigos relógios de Bucelas e Viana do Alentejo, decerto exemplares de arqueologia industrial que mereceriam contextualização e tratamento museológico.
A pista da semana, desta vez, é um desafio ao seu olhar - por onde quer que ande, observe as torres relojoeiras - os velhos relógios mecânicos, ou estão parados; ou foram substituídos por circuitos electrónicos, ligados por sua vez a melodias informáticas. São poucas, infelizmente as excepções. Constança e Palmela são-no.
Para saber mais: História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003)
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