segunda-feira, 20 de outubro de 2014
Os embaixadores e amigos das marcas ajudam a vender relógios?
Artigo de análise sobre o uso de figuras públicas na comunicação das marcas de relojoaria. No Fora de Série Especial Relógios, suplemento da edição de 17 de Outubro de 2014 do Diário Económico.
Marcas investem maciçamente em personalidades
Embaixadores, sim ou não?
Fernando Correia de Oliveira, em Genebra
“Isto agora vai mudar”, garantia-nos há um ano o executivo de uma grande marca relojoeira. “Duvido da eficácia dos embaixadores, o consumidor raramente o liga à marca, comigo o produto estará a partir de agora à frente na comunicação”. Meses depois, fazia um dos contratos mais caros de sempre da empresa, com uma personalidade global.
O caso, verídico, prova que, apesar de tudo, a táctica de associar nomes de pessoas conhecidas a marcas continua a ser usada. Mesmo sabendo-se que o consumidor está afogado em mensagens, que a confusão é total e que, na hora da compra, poderá não saber bem quem é que representa o quê. Mas vamos á raiz da estratégia.
A 7 de Outubro de 1927, Mercedes Gleitze foi a primeira britânica a atravessar a nado o Canal da Mancha. Houve dúvidas sobre o tempo que fez, quando uma norte-americana disse, quatro dias depois, ter reclamado um tempo mais rápido. Gleitze, rodeada de um grande interesse dos jornais, realizaria a 21 de Outubro aquilo que seria baptizado como “The vindication swim” (a travessia da vingança). O bávaro Hans Wildorf, que em 1905 tinha fundado, em Londres, a Rolex, e que em 1926 tinha lançado um relógio com caixa hermética, o Oyster, interessou-se pelo evento e ofereceu a Gleitze um Rolex Oyster, que ela usou durante a travessia de mais de dez horas, num fio pendurado ao pescoço, e com água muito fria. Partindo de França e chegada a Inglaterra, Gleitz ostentava o Rolex Oyster, de ouro, a trabalhar na perfeição, quando pousou para os fotógrafos. Um mês mais tarde, a 24 de Novembro de 1927, Wilsdorf lançava o Rolex Oyster no Reino Unido, numa maciça, inédita e milionária campanha de publicidade, que incluiu toda a primeira página do Daily Mail, e onde Mercedes Gleitz era a heroína. Este acontecimento marca o nascimento do conceito de Testemunho até hoje usado pela Rolex. E terá sido a primeira associação de uma celebridade a uma marca relojoeira, numa estratégia concebida por Wilsdorf, considerado um génio do marketing e da comunicação.
Até aos dias de hoje, a Rolex, com essa filosofia de Testemunho, arregimentou durante décadas exploradores e intelectuais, músicos e atletas, gente que por um qualquer motivo se destacou da multidão e projectou o seu valor… com um Rolex no pulso. O tenista suíço Roger Federer, que chega a figurar com um Rolex no pulso num selo emitido pelos Correios helvéticos, é um dos exemplos mais recentes e reconhecidos do “exército” de personalidades que a Rolex usa na sua comunicação. Caso curioso, o de Tiger Woods. A conservadora e ultra-cuidadosa Rolex foi recuperá-lo como embaixador, depois de a TAG Heuer o ter deixado cair, na sequência da saga pública da sua vida privada.
Para além do intrínseco investimento em publicidade e comunicação, a maior parte das marcas relojoeiras usa hoje em dia “amigos” ou “embaixadores” pagos para promoverem os seus produtos. Valerá a pena?
Estudos de mercado, nas sociedades ocidentais, revelam cada vez mais que o consumidor raramente associa a personalidade à marca para a qual está a ser paga para representar. Fruto da massificação dessa táctica de comunicação, que começa a estar saturada. E do facto de muitas dessas personalidades não usarem, no seu dia-a-dia, o relógio da marca com que assinaram contrato, limitando-se a ostentá-lo em eventos organizados por ela…
Na Fórmula 1, a confusão é total. Um piloto pode ser patrocinado por uma marca de relógios e não poder usá-lo se estiver perto do carro que pilota, pois a equipa terá contrato com outra marca concorrente. No futebol, a situação é caricata – a federação de um país tem contrato de exclusividade com uma marca de relógios, os clubes e os respectivos estádios com outra, cada jogador com outras diferentes. Mas, estes últimos, são vistos nas revistas sociais com relógios de quartas e quintas marcas, de que verdadeiramente gostam, e com as quais não têm qualquer contrato.
Vejamos alguns casos concretos. Leonel Messi, jogador do Barcelona, é a imagem da Audemars Piguet, mas o clube tem contrato com a Hublot. Esta última, numa estratégia delineada por Jean-Claude Biver, um dos “magos” actuais da comunicação e marketing relojoeiros, fez acordos com a UEFA e a FIFA e usa hoje em dia nas suas campanhas nomes como os de Maradona e Pelé. O português José Mourinho é, aliás, uma das figuras centrais desta nova campanha, quando ainda há pouco tempo dava a cara pela Delacour
Ainda no futebol, Luís Figo é amigo internacional da IWC, que até editou para o mercado português uma edição limitada do modelo Português Calendário Perpétuo com o seu nome.
Note-se a subtileza – há “amigos” e “embaixadores” globais, internacionais; mas, em cada mercado, há depois embaixadores locais. Isso passa-se muito com os mercados asiáticos, onde os famosos não passam a notoriedade dos seus países ou região para o resto do globo. Com a massificação do turismo asiático, as coisas estão a mudar num aspecto – pontos de venda na Europa ou nos Estados Unidos colocam nas montras fotografias de personagens que… só os turistas de determinados países conhecem. Embaixadores globais, portugueses, para além de Mourinho ou Figo, só há mais um – claro, Cristiano Ronaldo. Depois de ter tido um contrato com uma marca de gama baixa, a Time Force, passou a representar outra de gama alta, a Jacob & Co. Mas mudou-se, no início deste ano para a TAG Heuer, onde é o protagonista da forte campanha da marca, em todo o mundo, e que tem como ideia-base a frase que começa sempre por “teoricamente…” No Caso de Ronaldo, teoricamente, um jogador não marca em todas as partidas; ou, teoricamente, um homem não chora (aqui, mostram-se imagens do português, comovido, ao receber a Bola de Ouro). De qualquer forma, como muitos outros jogadores, Ronaldo é um ávido comprador de relógios e vai continuar a ser visto com peças no pulso que não propriamente só TAG Heuer de aço…
Ainda na TAG Heuer, de assinalar o pioneirismo de Jack Heuer ao procurar e conseguir associar a marca a personalidades da Formula 1, mas sobretudo ao cinema, com um Steve McQueen a usar um modelo Monaco azul no filme Le Mans, de 1971. Numa altura em que ainda nenhuma outra marca o fazia. Imagens de McQueen seriam, aliás, usadas, mesmo após o seu falecimento, para a comunicação da marca.
A sul-africana Diane Kruger tem sido escolhida pela Jaeger-LeCoultre como sua embaixadora para os relógios femininos e para demonstrar a relação privilegiada da marca ao cinema e a certos festivais, como o de Veneza.
A Longines, cujo lema é “a elegância é uma atitude”, usou figuras já falecidas – o par Humphrey Bogard / Lauren Bacall aquando do reposicionamento da marca. E tem mantido uma estabilidade notável nos seus embaixadores, nomeadamente o casal de ex-tenistas Steffi Graf e Andre Agassi, cooperando com eles em acções de solidariedade social. Mas usa também actores como Kate Winslet ou Simon Baker.
Na Omega, obviamente a ligação à figura de James Bond e aos seus filmes faz com que o actor de serviço à série seja também seu embaixador, no caso actual, Daniel Craig. Mas hesitamos quanto a reconhecimento público de outra das imagens da marca – o recém-casado George Clooney será mais o “senhor Nespresso” do que o “senhor Omega”. De qualquer forma, no feminino, a Omega conta com alguém incontornável e de reconhecimento imediato, a australiana Nicole Kidman.
A TAG Heuer, das marcas com maiores campanhas globais, assinava nos anos 1990 um dos clássicos da publicidade, usando o piloto brasileiro Ayrton Senna para declarar “don’t crack under pressure” (não te vás abaixo com a pressão). Hoje, continua ligada à Fórmula 1, com Louis Hamilton, mas também a Leonardo di Caprio. Para os relógios femininos (e o público masculino) há Maria Sharapova, claro. Para além do já citado Ronaldo, o português.
Um dos maiores êxitos de sempre em operações de comunicação associados a uma personagem foi o da Zenith com o austríaco Felix Baumgartner, o primeiro homem a atravessar, apenas com o corpo, a barreira do som, num evento visto em directo por dezenas de milhões de pessoas. No pulso, levava um Zenith El Primero, que chegou ao solo tão em forma como ele.
A Richard Mille tem usado essa táctica à exaustão – os seus embaixadores, sejam eles tenistas, como o espanhol Rafa Nadal, ou pilotos de Fórmula 1, como o brasileiro Felipe Massa, usam mesmo os relógios enquanto em actividade, provando assim em directo a resistência e fiabilidade do que levam no pulso.
Ah… e depois, temos marcas que não precisam de embaixador. Como uma tal Patek Philippe, que usa anónimos modelos retratando situações familiares e inter-geracionais onde se proclama uma frase, também ela, já um clássico no mundo da publicidade: “não és dono dele, apenas o guardas para a próxima geração”. Para certos modelos Patek raros, os famosos inscrevem-se na lista de espera. Garantem-nos da manufactura genebrina que são tratados do mesmo modo que o resto dos clientes. E, claro, muito menos têm direito a relógio de representação.
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