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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A chegada ao Japão, a espingarda, o relógio e... prendas vindas pelo correio


O que nos trouxe hoje o correio: três presentes do camarada jornalista Luís Pinheiro de Almeida.

Em 1993, os CTT assinlavam os 450 anos da chegada dos portugueses ao Japão, com a emissão de selos e moedas de 200 escudos. O primeiro envelope diz respeito a isso mesmo. Os "nanbanjin", ou "bárbaros vindos do sul", como passaram a ser conhecidos, chegaram em 1543 a Tanegashima, bem na ponta sul do arquipélago nipónico. Tinham narizes grandes, cheiravam muito mal e comiam chocantemente com as mãos, segundo relatos coevos dos japões. Mas traziam consigo dois artefactos que iriam ter grande importância num país então numa longa e indecisa guerra civil - a espingarda e... o relógio.

O segundo envelope diz respeito à introdução da espingarda no Japão. Os senhores locais (daimios) que se converteram ao cristianismo (pela acção dos jesuítas), foram os primeiros a ter acesso a essa superioridade tecnológica, mas nem assim conseguiram vencer a guerra civil.

Espantados, primeiro, com a nova arma, os japoneses depressa passaram a reproduzi-la. E, passado pouco tempo, as cópias nipónicas da espingarda já eram mais certeiras e fiáveis...

O terceiro envelope diz respeito à embaixada de jovens samurais convertidos ao cristianismo que os jesuítas fizeram chegar até Roma, em 1582, com passagem por Lisboa.

Os grandes protagonistas deste período da História do Japão, e da sua unificação, são os senhores da guerra Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu. Todos eles tiveram portugueses ao seu serviço nas suas cortes. Tokugawa Ieyasu, tendo vencido os últimos rivais na batalha de Sekigahara, em 1600, fechou o país a estrangeiros, expulsou os jesuítas e iniciou o período de shogunato, com o imperador como figura decorativa. A sua família governou o Japão durante mais de 200 anos. O filme Kagemusha (A Sombra do Guerreiro), de Kurosawa Akira, retrata exactamente uma das batalhas desse período, e onde os jesuitas aparecem de um dos lados da guerra.


“São estes japões discretos, e regem-se pela razão, têm boa conversação e usam de grandes cumprimentos uns com os outros, e parecem homens criados em paço, murmuram pouco de seu próximo, não são invejosos e jogadores, porque assim matam por jogar como por furtar; têm por passatempo exercitar-se nas armas, nas quais são muito dextros, e nos versos de sua poesia. São de corações altos, e confiados nas armas, porque os mancebos de 13, 14 anos por diante logo cingem espada, e nunca tiram as adagas da cinta; são grandes frecheiros [arqueiros], e todas as outras nações têm em pouco; por sua grande severidade governam as repúblicas sem haver demandas entre elas, que é coisa de admiração”.

Esta descrição do povo nipónico é feita numa carta datada de 1551, por um jesuíta que viveu no Japão durante 19 anos, e está incluída na História do Japão, do também jesuíta Luís Fróis.

Os portugueses foram os primeiros ocidentais a terem contacto com o Japão feudal e são deles as primeiras descrições de uma sociedade que se baseava em muito no chamado código de Bushido – ou a via do guerreiro.


Portugal e o Japão, o Zen e a Espada

“Tinha o Padre Mestre Francisco esta natureza que, sem ser convidado dos bonzos nem chamado, ele os ia buscar aos seus mosteiros; e ou lhe punha dúvidas, para que lhe respondessem, ou lhas perguntava para lhe dar a resposta; e, neste entrar e sair, tinha tanta liberdade, como se fosse pessoa própria da casa”. O relato vem na História do Japão, do jesuíta Luís Fróis, e é um dos primeiros relatos dos contactos de ocidentais com o país do Sol Nascente. Neste caso, o missionário Francisco Xavier, que através de Macau, ia tentar, sem êxito, a conversão dos “japões”.

Segundo a táctica jesuíta, a conversão deveria começar pelas elites – conquistadas estas para a Fé católica, estaria assegurada a conversão maciça do povo. Para além dos daimios (senhores feudais), era preciso convencer os bonzos (os monges), que nos seus mosteiros influenciavam ideologicamente a classe dominante. Nesses mosteiros praticavam-se artes marciais e fazia-se a meditação zen. Os portugueses foram os primeiros a descreverem um mundo estranho e fascinante a uma Europa ávida de exotismo.

Prossegue Fróis: “Estava naquela cidade de Kagoshima um mosteiro que, entre todos, era o principal do reino, que el-rei tem como coisa sua própria, onde havia 100 e tantos bonzos, com grande renda; é o superior dele em extremo venerado de el-rei e de todos os senhores, cuja dignidade no Japão se chama “todo”, que então era um velho chamado Ninjit, naturalmente homem afável, benigno e inclinado a obras de piedade, e tinha outras boas partes naturais, pelas quais o Padre Francisco frequentava muito conversá-lo, e ele folgava de ouvir nossas coisas e lhe pareciam muito conforme à razão. Era aquele mosteiro da seita dos jenxus, que têm para si não haver mais que nascer e morrer, e que não há outra vida, nem castigo de males, nem remuneração dos bens, nem autor que governe o universo”.

Depois, há aquilo que poderá ser a primeira descrição, em fontes ocidentais, da técnica de meditação zen (vinda da Índia, pelos ensinamentos de Buda, chegada ao Japão através da China, onde tinha o nome de Chen): “Entre outras muitas coisas, que o Padre Mestre Francisco passou com este Ninjit, foram duas: a primeira é que têm por costume aqueles bonzos, dentro em um ano, meditarem – cem dias uma ou duas horas determinadas, a que chamam zagen sobre este não haver nada, para melhor extinguirem o remorso da consciência; e na compostura do corpo estavam com tanta modéstia, recolhimento e tranquilidade, como se estivessem arrebatados em uma contemplação divina”. E Fróis prossegue, descrevendo vários diálogos entre Xavier e o mestre budista.




Mas o mais interessante, do ponto de vista da História do Tempo e da Relojoaria, será o terem sido os portugueses a introduzir a relojoaria mecânica no Japão (como já sucedera na Índia, na China, no Vietname ou na Coreia). Um facto que passa despercebido, face à introdução mais impactante e "explosiva" da espingarda.

Um dos personagens mais fascinantes de todo este período será o "língua" João Rodrigues. Ele andou pelas cortes dos shoguns, foi mesmo interprete oficial de Tokugawa Ieyasu, e ajudou à disseminação da relojoaria, como recordamos aqui.

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