Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

A daily stopover, where Time is written. A blog of Todo o Tempo do Mundo © / All a World on Time © universe. Apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente. Um blog do universo Todo o Tempo do Mundo © All a World on Time ©)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Meditações - ... longe e soturnamente, bate as onze...

[...] Quando a noite desce e sepulta dentro do manto o perfil austero do castelo de Fuentes, Fronteira desperta. Range primeiro a porta do Valentim, e sai por ela, magro, fechado numa roupa negra de bombazina, um vulto que se perde cinco ou seis passos depois. A seguir, aponta à escuridão o nariz afilado do Sabino. Parece um rato a surgir do buraco. Fareja, fareja, hesita, bate as pestanas meia dúzia de vezes e a acostumar-se às trevas, e corre docemente a fechadura do cortelho. O Rala, de braço bambo da navalhada que o D. José, em Lovios, lhe mandou à traição, dá sempre uma resposta torta à mãe, quando já no quinteiro ela lhe recomenda não sei quê lá de dentro. O Salta, que parece anão, esgueira-se pelos fundos da casa, chega ao cruzeiro, benze-se, e ninguém lhe põe mais a vista em cima. A Isabel, sempre com aquele ar de quem vai lavar os cueiros de um filho, sai quando o relógio de Fuentes, longe e soturnamente, bate as onze. Aparece no patamar como se nada fosse, toma altura às estrelas, se as há, e some-se na negrura como os outros. O Júlio Moinante, esse levanta o gravelho, abre, senta-se num degrau da casa, acomoda o coto da perna da melhor maneira que pode, e fica horas a fio a seguir na escuridão o destino de um que lhe dói. Era o rei da Fronteira. [...]

Miguel Torga, in O Caçador

1 comentário:

João de Castro Nunes disse...

Há sempre uma hora qualquer
a averbar na nossa vida
ou por ser bem sucedida
ou por ser para esquecer!

JCN