Não se sabe ao certo quando é que os relógios mecânicos foram introduzidos em Portugal, embora seja provável que tenham vindo com as ordens religiosas que ajudaram a dar forma ao território no tempo da Reconquista.
De qualquer modo, em 1377, a Sé de Lisboa tinha uma torre de relógio, batendo sinos, um mecanismo financiado em partes iguais pelo rei, D. Fernando, pelo Cabido, e pelos homens bons da urbe. Terá sido o primeiro relógio mecânico na capital, feito e mantido por um certo “mestre João, francês”, e sintomaticamente erigido pelos três poderes – nobreza, clero e povo. Como seria normal na altura, esse relógio não teria mostrador – servia para “bater” horas e não para as mostrar. Regulava mais a vida religiosa do burgo do que outra coisa, mas servia também para indicar a hora de recolher a casa, o fechar de portas dos bairros onde viviam as várias minorias – judeus, mouros, através do toque do chamado sino da colhença.
Com D. Manuel I, e a construção do Paço da Ribeira das Naus, o tempo de Lisboa passava a ser regulado mais pela torre do relógio que aí passou a existir. A primeira imagem desse relógio data de 1520, já com mostrador, mas apenas com um ponteiro, pois os mecanismos da época eram pouco exactos e o ponteiro dos minutos não fazia grande sentido quando os desvios diários eram enormes.
Com o dinheiro do ouro do Brasil, D. João V mandou reformular o Paço da Ribeira e encomendou uma torre do relógio ao arquitecto italiano Canevari. O edifício ficou rapidamente célebre não só em Lisboa como em todo o país, pela sua opulência e pela qualidade do mecanismo do relógio ali instalado. Forasteiros vindos de toda a Europa também faziam notar o esplendor barroco desta torre.
Mas o terramoto de 1755 faz desaparecer parte de Lisboa, incluindo a torre de Canevari e o que resta desse tempo é um painel, hoje no Museu do Azulejo, onde o Paço e o efémero relógio aparecem.
A reconstrução da capital, sob a direcção de Pombal, previa uma praça esplendorosa em redor do que havia sido o Paço e um projecto de Carlos Mardel contemplava um enorme arco triunfal, com relógio. Isso não passou do papel e o que é hoje o Terreiro do Paço é bem diferente e demorou quase um século a ser feito.
Quanto ao Arco da Rua Augusta, tal como hoje o vemos, terá recebido em finais do séc. XIX um mecanismo vindo do Convento de Jesus, que “não estava preparado para indicar as horas para o lado da rua”, segundo relato da época. Ou seja, era um relógio apenas para “bater” horas.
Foi Augusto Justiniano de Araújo, o fundador da Escola de Relojoaria da Casa Pia de Lisboa, quem o adaptou, e o relógio passou a dar as horas aos alfacinhas a partir de 4 de Dezembro de 1883.
Peripécias várias, avarias, levaram à substituição do relógio já no séc. XX, por uma máquina da autoria de Manuel Francisco Cousinha. Que por sua vez tem tido hiatos grandes em que está parado. Como agora.
A manufactura suíça Jaeger-LeCoultre financiou recentemente o restauro e manutenção do relógio do Arco da Rua Augusta, mas tem havido sucessivos problemas em conseguir que ele funcione como deve ser.
Sabemos que em 2010 se iniciarão de novo trabalhos no relógio (até tendo em vista a possibilidade de abrir ao público a sala onde ele está, no miolo do arco) e quem continuará a fazer esse trabalho é um neto de Cousinha.
*Adaptado de coluna A Máquina do Tempo, publicada a 1/6/07 no suplemento Casual, do Semanário Económico.
Para saber mais: História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003) ou Tempo e Poder em Lisboa - O Relógio do Arco da Rua Augusta (Espiral do Tempo, 2008).
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