"Com a invenção da fotografia digital, o ontem e o hoje começaram a coexistir com uma intensidade inédita: é como se o tubo de despejo do lixo num prédio deixasse de funcionar e todos os resíduos do dia-a-dia ficassem em casa para sempre. Não é preciso poupar a película, é só carregar no botão, e mesmo o que se apaga é passível de ser guardado na memória remota do computador. Para o esquecimento (este símio da não existência) surgiu um irmão gémeo - a memória morta do 'hard disk'. Se folhearmos o álbum da família com amor, há nele pouca coisa: apenas 'o que se conservou'. Mas o que se com o álbum onde foi guardado tudo sem exclusão, todo o volume incomensurável do passado? Na meta que a fotografia pretende alcançar, o volume da vida fixada equivale à sua extensão real; não existe fim para a escrita, só não há quem a leia."
Maria Stepánova, Memória da memória, Relógio D'Água, (2022) p.63.
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