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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Comunicação sobre relógios de sol na Associação de Arqueólogos Portugueses


(foto Adriana Correia de Oliveira)

Proferimos ontem, ao fim da tarde, no Museu do Carmo,em Lisboa, a comunicação "Gnomómica em Portugal - Vestígios Materiais". Fize-mo-lo a convite da Secção de História da Associação de Arqueólogos Portugueses.


(foto Manuel Moura)


Comunicação Associação de Arqueólogos Portugueses 3 de Dezembro 2015

Boa tarde, obrigado pela vossa presença

Foi com muito prazer que aceitei o convite que me foi dirigido pela Dra. Ana Pereira do Vale, em nome da Secção de História da Associação de Arqueólogos Portugueses para vir aqui partilhar convosco algumas considerações sobre o património gnomónico português e falar de marcadores de tempo muito especiais – os relógios de sol.

Tudo começou quando, há mais de uma década, investigando o trabalho na área da gnomónica do General Pereira do Vale, contactei uma sua neta, Ana Pereira do Vale, que me deu acesso a documentos dele sobre construção de relógios de sol. Há no livro História do Tempo em Portugal, de 2003, referência a Pereira do Vale. Anos depois, a Ana contactou-me, porque tinha sido encontrado um objecto de madeira, em escavações ocorridas junto ao rio, na zona de São Paulo. Pediu-me que o contextualizasse. Avancei desde logo que seria uma parte de um relógio de sol portátil, mas convidei um amigo, o Comandante Estácio dos Reis, membro da Academia de Marinha e especialista em marinharia, a ver comigo o objecto. Ambos concordámos – estávamos perante aquilo que tinha sido uma meridiana, nome que também se costuma dar aos relógios de sol portáteis.

Chegados aqui, e antes de voltarmos ao objecto que faz a iconografia do convite para este evento, permitam-me que derive por escassos momentos e, para além disso, vos leve por um percurso rápido, desde a pré-história até aos nossos dias, através dos vestígios materiais em Portugal da ciência gnomónica e da sua tradução em relógios de sol.

A breve deriva serve apenas para vos mostrar alguma iconografia, que muitos conhecerão, outros não, do sítio onde nos encontramos, projecto financiado por D. Nuno Álvares Pereira e sede histórica da Associação de Arqueólogos Portugueses.

As imagens são do Arquivo Pitoresco, de 1858. Feito este rápido aparte, regressemos aos relógios de sol. Quanto às fotografias, que julgo serem de uma perspectiva inédita para muitos de vós, foram tiradas há uns três anos, a partir do telhado do então Quartel da GNR, aquando de investigações que fiz sobre o relógio mecânico que lá se encontra, numa torre sineira.

Feito este aparte ao qual não resisti, vamos então fazer um périplo temporal e geográfico pelo mundo dos relógios de sol em Portugal.

Pré-história

Quando e como começaram os homens e mulheres que habitaram o território a que hoje chamamos Portugal a “pensar” o Tempo, a ter dele consciência, a medi-lo?

Terá sido no Neolítico final e começos da Idade do Cobre (3000-2500 a.C.) que surge a magnífica, exuberante, misteriosa cultura megalítica – esse grande arco que terá por cenário praticamente a totalidade dos territórios a que hoje designamos por Portugal, Espanha, França, Irlanda, Dinamarca, Grã-Bretanha e Alemanha.

Aos nossos dias chegaram conjuntos monumentais, pedras enormes, colocadas umas sobre as outras, umas ao lado das outras, mas especialmente orientadas – antas ou dólmenes, menires, cromeleques, que os especialistas associam a espaços sagrados, a monumentos funerários, mas também à surpreendente função de marcadores do tempo, através da projecção da sombra do sol, ao longo do ano.

Portugal é especialmente rico nesses conjuntos, nomeadamente no Alto Alentejo, na Beira Baixa, no Minho. Os cromeleques (conjuntos de menires) de Vale de El-Rei ou Fontaínhas Velhas (Móra), dos Cuncos (Montemor-o-Novo), Couto da Espanhola (Idanha-a-Nova), Portela de Mogos ou Almendres (Évora), de Xarez (Reguengos de Monsaraz) são disso esplêndidos exemplos, estudados na sua orientação e função.

A direcção para o quadrante de sudeste da entrada dos corredores da maioria dos dólmenes do Alto Alentejo, repetida durante séculos, confirma, pelo menos, alguns preceitos rituais fortemente radicados e conotados com conhecimentos de uma antiga, e talvez incipiente, astronomia, diz-se. Mas o que mais surpreende os especialistas é que essa orientação se repete, durante aproximadamente dois milénios, em todo esse arco de cultura megalítica, das planícies hoje alentejanas às montanhas hoje britânicas. Os monumentos megalíticos estão todos dirigidos para o quadrante situado entre nordeste e sudeste, ou seja, para os pontos de amplitude máxima e mínima do nascer do Sol ao longo do ano. Marcavam os solstícios de Verão e de Inverno.

Não é difícil imaginar toda uma linguagem, teatralizada, desempenhada por alguns “eleitos”, uma casta de sacerdotes, com direito a penetrar o espaço sagrado delimitado pelo conjunto de pedras. Casta essa que sabia a data exacta, a hora exacta, ano após ano, do espectáculo solar, num calendário que marcaria os ritmos, muito para além dos agrícolas. Calendários, sempre foram instrumentos de poder, de quem tem o poder.

Temos pois que, os primeiros calendários “portugueses”, ao mesmo tempo relógios de sol, ainda e sempre prontos a funcionar, a indicar solstícios, datam de há cinco mil anos. A chamada “cultura castreja” que se seguiu (700 a.C.), a dos povos celtas que entretanto foram invadindo o território, apenas terá continuado a utilização sócio-religiosa e de instrumento astronómico-astrológico-calendário destes conjuntos megalíticos. Da ténue ocupação fenícia, grega, cartaginesa que se seguiu (na orla costeira, em entrepostos comerciais) não nos chegaram quaisquer artefactos sobre a medição do tempo.

Ocupação romana

Em 218 a.C. o exército romano entra pela primeira vez na Península Ibérica. Com a rendição da cidade de Gades, em 206 a.C., termina o domínio cartaginês do território. Em 197 a.C. a península já estava dividida em Hispânia Ulterior e Citerior. Os Lusitanos, cujo território não se confinava ao espaço compreendido entre o Tejo e o Douro, antes se prolongava, para sul, até à região de Cáceres, revoltam-se por volta de 155 a.C. contra a ocupação romana. Viriato assume em 147 a.C. a liderança dessa resistência e, após uma trégua, é reconhecido como “amicus populi Romani”. Mas é morto em 139 a.C. Na resistência, segue-se Sertório, mas também ele acaba por ser assassinado (72 a.C.). Depois de campanhas ferozes comandadas pelo próprio Júlio César, inicia-se a pacificação definitiva do território (44 a.C.).

Instaurada a Pax Romana, o processo de romanização é avassalador, provocando nos povos autóctones mudanças económicas, sociais, económicas e culturais profundas, que duraram até hoje (língua, ordenamento básico do território, através de grandes vias de comunicação e fundação ou solidificação de agregados urbanos, ordenamento jurídico, etc.). Este mundo irá acabar apenas no início do século V (409, através da acção de Alanos, Vândalos e Suevos, primeiro, de Visigodos, pouco depois), aquando das invasões bárbaras.

Os romanos terão tomado conhecimento com a ciência gnomómica através dos gregos. Depois da conquista da Grécia, trouxeram para Itália relógios de sol, que não sabiam estar orientados para outras latitudes, mas continuaram, aparentemente, a servir-se deles, em locais públicos, incluindo Roma.

A falta de exactidão desses relógios de sol talvez não preocupassem em demasia os romanos, já que o dia no império, embora dividido em 24 horas – 12 de dia e 12 de noite – tinha duração diferente para essas unidades, consoante eram diurnas ou nocturnas, e consoante as estações e a latitude do lugar onde se estava. Uma confusão, que já os gregos tinham admitido. Séneca, na sua obra Apocolocyntosis, diz a dada altura que “é mais fácil pôr de acordo dois filósofos que dois relógios”…

De qualquer modo, o dia romano tinha início com a “hora prima” – sempre o nascer do sol, quando começava o período de “alba” – seguia-se o “mezzogiorno” e o “tramonto”. A noite era dividida em quatro “vigiliae”.

Os primeiros relógios de sol terão entrado no território que é hoje Portugal através da conquista romana. Mas é grande a raridade e escassez de referências a esse tipo de artefactos. Deste período, foram encontrados até hoje alguns exemplares, como um, em barro, em Conímbriga; um, de quadrante esférico, proveniente da vila romana da Herdade da Olivã, Campo Maior, junto à fronteira espanhola; outro, também em pedra, na vila de Freiria (S. Domingos de Rana, Cascais).

Quanto a este último, foram recuperados dois fragmentos, em calcário da região, permitindo a reconstituição da quase totalidade do relógio, cerca de três quartos, e determinar, desde logo, que se trata de um quadrante de tipo cónico, e gnómon horizontal, expressamente construído para uma latitude muito próxima da do local: 39-40 graus.

De secção meio cilíndrica, apresenta um orifício central na parte superior, para fixação do gnómon, com 12 mm de diâmetro e a profundidade de 28 mm. No pequeno buraco observam-se, ainda, vestígios de chumbo.

Sobre um fragmento, ainda em pedra, no teatro romano de Lisboa, que a princípio se julgava ter pertencido a um relógio de sol, afirmam hoje os especialistas que a primeira análise foi um erro. “Existe uma pedra proveniente das escavações arqueológicas realizadas no teatro romano na década de 1960 que foi, durante algum tempo, considerada como um relógio de sol, no entanto, trata-se de uma pedra de embrechado (à qual faltam os respectivos embrechados realizados em pedras de cores diferentes) datada do séc. XVIII”, garantia-nos há dias a Dra. Lídia Fernandes, Coordenadora do Museu de Lisboa - Teatro Romano.

Mas o exemplar mais interessante, até porque o único rigorosamente datado e aquele que mais controvérsia tem gerado, é um que não foi até hoje descoberto mas cuja existência está documentada numa inscrição.

Estamos a referir-nos a uma lápide romana, de 16 a.C., trazida de Idanha-a-Velha por um antigo Conservador do Museu Etnológico Português (hoje Museu de Arqueologia). Diz-nos Leite de Vasconcelos, em 1915, que se tratava da mais antiga inscrição romana no espólio do museu. Nela se lê “(h)orarivm”, e, segundo ele, poderá ter figurado num edifício construído de raiz para albergar um relógio de sol, na praça ou “forum” da capital dos Igaeditani. “É uma das nossas mais notáveis lápides epigráficas, tanto pela sua significação, como pela vetustez e por estar datada”, refere aquele que foi também Director do Museu Etnológico.

A norte do Tejo, a hoje Idanha-a-Velha (Civitas Igaeditanorum), a capital da Igitânia, revelou-se como o centro romano mais rico em inscrições latinas (mais ou menos 200), traduzindo a importância da urbe nas rotas comerciais da região no século I da nossa era.

A inscrição, uma das mais antigas que se conhecem em território da Lusitânia, diz-nos que um tal Q. Iallius Augurinus mandou construir, à sua custa, um “(h)orarivm” (relógio), que ofereceu à cidade de Igaeditanis.

Depois, interessou-se por ela o arqueólogo Scarlat Lambrino, que faz notar o seguinte pormenor: o termo (h)orarium é usado, pela primeira vez com o significado de relógio (de sol). Anteriormente, tinha sido usado para significar “relógio de água, clepsidra”. Normalmente, os romanos designavam “relógio” através do neologismo grego que deu o equivalente latino de “horologium”, termo este que aparece frequentemente em outras inscrições.

Seria o relógio da Idanha um relógio de água, uma clepsidra, que é um engenho “de um mecanismo muito mais delicado?”, pergunta Lambrino. “É verdade que o uso destes aparelhos se tornou corrente em Roma durante o reinado de Augusto e que na segunda metade dos séculos I e II da nossa era o seu uso expandiu-se muito mais”, refere. “Mas a nossa inscrição é do ano 16 a.C. e estamos no extremo ocidental do império”, conclui, defendendo pois que a lápide se referia à oferta de um quadrante solar.

Quem seria Q. Iallius Augurinus? “Como ele não ostenta nenhum título, podia tratar-se de uma personagem rica da cidade”, diz-nos Lambrino. Mas o especialista diz que isso é pouco provável, inclinando-se antes para a hipótese de se tratar de um industrial ou comerciante da vizinha Emérita (a Mérida de hoje), que ia à Idanha em negócios. Os quatro “magistri” da cidade (poder municipal) ficaram encarregados da fiscalização da construção da edificação onde ficaria albergado o relógio em questão. Estão identificados na lápide segundo a fórmula local: nome e filiação, e nenhum ostenta os “tria nomina” de um cidadão romano. “Estas quatro personagens são todas provavelmente celtas”, arrisca Lambrino.

“A doação de um instrumento tão útil à vida urbana, ocorrida no ano 16, ou seja, três anos apenas após o fim das guerras contra os Astúrios e os Cantábrios, mostra que a pacificação da Península por Augusto permite à civilização romana expandir-se rapidamente até à costa atlântica”, escreve Lambrino.

Mais recentemente, o arqueólogo Vasco Mantas, em comunicação apresentada em 1988 num congresso em Santiago de Compostela, voltava a sugerir, pelos motivos etimológicos já apontados (mas afastados) por Lambrino, que o relógio da antiga Igaiditanis era de água (clepsidra) e não de sol.

De qualquer modo, os relógios públicos serão de uso comum no início do século II, regulando a vida e o trabalho nas cidades lusitanas. A prova disso é que até uma pequena cidade operária como a de Metallum Vipascence (Aljustrel), no Alentejo, devia ter um. Graças a uma das célebres placas de bronze encontradas nesse local e que contêm o regulamento mineiro da localidade, sabemos que ali existiam umas termas, mas à disposição dos habitantes a horas fixas: as mulheres podiam usá-las desde o nascer do sol e até à sétima hora, os homens a partir da oitava hora do dia. E como é que os vispacences sabiam a que horas andavam? Muito provavelmente, através da consulta de relógio(s) de sol.

Idade Média

Com a queda do Império Romano ocorreu um longíssimo período de deliquescência social e de decadência a todos os níveis, e a gnomónica não foi excepção. Na Península Ibérica, primeiro, deram-se as invasões bárbaras, que nada de novo do ponto de vista de conhecimento tecnológico ou científico parecem ter trazido. Com a ocupação islâmica, o tempo passou a ser regido por uma religião para a qual a exactidão do tempo não tinha qualquer importância – os ritmos comunais passam a ser dirigidos pelos muezzin, que faziam os seus chamamentos à oração mediante observação directa da altura do sol, a cada dia que passava. Mesmo assim, alguns sábios árabes, lendo das fontes gregas, traduziram tratados de gnomónica que, apesar de não terem sido utilizados na prática, permitiram, mil anos depois, que a ciência se não perdesse e pudesse ser recuperada.

Com o advento dos Beneditinos, a ordem que moldou a ideia de Europa, as suas regras obrigavam a uma grande atenção ao tempo – para rezar, para trabalhar, para estudar. Foi por essa altura que se difundiu por toda a Europa um novo tipo de relógio de sol, que estava dividido para as “horas canónicas” ou “temporais”. Só no séc. XV se começam a substituir os relógios “canónicos” por outros, de horas “comuns”.

Em Portugal, onde a ordem de S. Bento foi essencial para a formação da nacionalidade, os mosteiros dos séculos XII e XIII estariam equipados com estes quadrantes solares. Alguns ainda restam, ao estilo românico (muitos terão desaparecido, levados para o estrangeiro, dada a incúria nacional para com este tipo de património), mas até hoje não encontramos nenhum exemplar datado.

Mostro-vos algumas imagens de relógios de sol, os quatro primeiros concentrados num único lugar, perdido no meio de montes, quase na raia com Espanha, na região da Beira Alta. Os outros são do Minho. De épocas diferentes, mas alguns românicos. Quase todos abandonados, sem gnómon ou com um improvisado, não alinhado correctamente. Estes relógios marcavam os ritmos rurais. De referir que, até há bem pouco tempo, meados do século XX, nos campos portugueses, se usava a enxada de meia-lua, usada nos trabalhos agrícolas, para saber períodos de tempo. Posta de pé fazendo incidir a sombra do cabo sobre a base da enxada, servia para marcar a hora ou as duas horas de jantar e sesta, consoante estivéssemos no inverno ou no verão;

(O Dr. Madruga de Carvalho tem estudado em particular esse uso na região de Torres Vedras)

A meridiana de São Paulo

A escavação do Largo do Corpo Santo, dirigida por Clementino Amaro, e com os arqueólogos Ana Vale e João Marques, foi efectuada devido à necessidade de construir um poço de ventilação para o Metropolitano de Lisboa. A área a escavar correspondia a uma circunferência, com cerca de 15 metros de diâmetro, no canto nordeste do parque de estacionamento, encostado ao edifício da Marinha.

Os trabalhos arqueológicos no Largo do Corpo Santo, em Lisboa, iniciaram-se em Janeiro de 1996. Imediatamente sob a superfície foram detectadas as estruturas pertencentes às oficinas de serralharia do Arsenal da Marinha, destruídas já neste século, para a construção do parque de estacionamento. Depois de liberta a área de escavação destas estruturas recentes, começaram a aparecer pavimentos e paredes pertencentes ao Palácio dos Côrte-real, cuja edificação data de 1585. A escavação sob os pavimentos revelou que estes assentavam num grande aterro onde abundam os óxidos de ferro e cinzas, possivelmente provenientes das ferrarias aí instaladas no início do século XVI. Teriam sido eventualmente danificadas pelos terramotos de 1531 e 1551 que, segundo os relatos, atingiram duramente a zona ribeirinha de Lisboa. Os seus despojos terão sido utilizados para criar um aterro sobre a praia, destinado à construção do novo e grandioso palácio de D. Cristóvão de Moura, casado com D. Margarida de Côrte-real. O Palácio dos Côrte-real, também conhecido como Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo, sofreu um incêndio em 1751, ficando irrecuperável com o terramoto de 1755.

O material escavado no aterro inclui algumas peças de qualidade excepcional, como as primeiras majólicas importadas do centro de Itália, remontando a sua cronologia ao séc. XV e XVI. A meridiana em madeira foi recolhida num nível junto à praia, ou seja, na base do aterro referido, podendo assim datar-se do final do século XV ou início do XVI.

É um pequeno objecto em madeira, de 4,5 x 4 cm. Referimo-nos pela primeira vez a ele, publicamente, em artigo escrito no Público, em Maio de 2009. Trata-se da base de um relógio de sol portátil, o mais antigo do seu género de que temos conhecimento no país.

Esta meridiana, nome por que é conhecido o tipo de relógio de sol em causa, chegou aos nossos dias com a madeira praticamente intacta porque esteve durante mais de 500 anos debaixo de água.

Está incompleta, já que lhe falta, no centro, uma bússola (material ferroso rapidamente deteriorado). E, para completar o conjunto, havia também uma tampa, de que ainda há na base os sinais de ligação. Essa tampa deveria ser também em madeira, e serviria para gravar no interior uma tabela com nomes das cidades mais importantes da Europa, com as respectivas latitudes. Um fio, preso à tampa e a um ponto da base (de que há também vestígios no objecto achado) serve neste tipo de relógios como gnómon, para projectar a sombra do Sol.

A base, cujo centro escavado servia de assentamento para a bússola, tem gravados algarismos árabes, vendo-se claramente, da esquerda para a direita, o “0” de 10, e depois “11”, “12”, “1”, 2”, “3”, “6”, “8” e “9”. Os números “4” e “7” estão escritos de forma hesitante, demonstrando a antiguidade do objecto. Os algarismos árabes, incluindo o “zero”, foram introduzidos na Europa científica a partir de Itália, no século XII, por Leonardo Fibonacci, mas só lentamente começaram a substituir a grafia da numeração romana no quotidiano ocidental. A base da meridiana em madeira encontrada no Corpo Santo ainda apresenta uma grafia não fixada dos algarismos árabes. “Apesar de os algarismos árabes terem sido usados ocasionalmente pelos europeus desde o século XIV, só no princípio do século XVII começou a generalizar-se na Europa, incluindo Portugal”, refere-nos o matemático Nuno Crato. Isto poderá significar que a meridiana do Corpo Santo terá vindo de Itália, como o material cerâmico encontrado no local.

No quadrante da meridiana encontram-se ainda marcações que deverão indicar pontos de acerto deste relógio de sol portátil. Depois de achado o Norte, através da bússola, o utilizador deveria acertar o objecto para o local onde se encontrava, mediante a latitude que sabia ou que iria consultar na tabela da tampa.

Mas a meridiana do Corpo Santo não está datada. Pelo que, embora por esse motivo, o primeiro relógio de sol em Portugal, datado, continue a ser um exemplar de 1586.

É o relógio de sol que se encontra no Hospital dos Capuchos, em Lisboa. Encontra-se num pátio, sobre uma base de alvenaria coberta com azulejos setecentistas e possivelmente não foi esta a sua primeira instalação. Assinado “FPL 1586”, dá-nos o nome do autor e o ano do fabrico. Tem três quadrantes – um horizontal, um vertical, meridional, sem declinação e um equinocial, setentrional. O General Pereira do Vale escreveu uma monografia sobre ele.

Ao falar de relógios de sol, muitas vezes se referem “quadrantes solares”, tomando a parte pelo todo, já que o “mostrador” de um relógio de sol tem o nome específico de quadrante. Além disso, emprega-se muitas vezes o vocábulo “meridiana” para indicar indiferenciadamente relógios de sol. No entanto, uma meridiana, no sentido exacto do termo, é um relógio de sol que tem por função marcar apenas o momento do zénite solar num determinado local, e está normalmente associado a um mecanismo sonoro (geralmente um pequeno canhão) que entra em acção exactamente ao meio-dia solar (o chamado tempo verdadeiro).

Meridianas, em Portugal, estão detectadas pelo menos cinco, todas em palácios que já foram residências reais. A do Palácio Nacional da Ajuda (Latitude 38º 44’ N – Longitude 9º 9’ W); a do Palácio Nacional de Mafra (Latitude 38º 56’ N – Longitude 9º 20´W); a do Paço da Rainha, Academia Militar, Lisboa (Latitude 38º 44’ N – Longitude 9º 9’ W); a do Palácio Nacional de Queluz (Latitude 38º 45’ N – longitude 9º 15’ W); e a do Palácio Nacional de Sintra (Latitude 38º 48’ N – Longitude 9º 23 E).

Renascimento

É um pequeno objecto, em marfim trabalhado, e Leite de Vasconcelos fala dele “en passant” nos seus escritos do início do século XX, sem o contextualizar. Refere o etnólogo apenas “uma meridiana em marfim” entre o espólio do Museu Nacional de Arqueologia directamente relacionado com o tempo e a sua medição.

A elegante peça que se encontra em Lisboa é gravada nas duas faces. Chega-se facilmente à conclusão de que não se trata de uma meridiana completa – é apenas a metade superior de um conjunto cuja base, possivelmente também em marfim, teria uma bússola. É este pelo menos o aspecto normal das meridianas produzidas à época.

Na face exterior, notam-se os furos onde assentariam os gnómons (ou espigões, geralmente em metal, que servem para projectar a sombra do sol numa escala e, assim, darem as horas). Além de três escalas nessa face, a peça está datada (1556) e assinada – Iohann Gebhart Nor. Pois este tal Gebhart é dos artífices mais referenciados entre os que, nos séculos XVI e XVII fizeram da cidade alemã de Nuremberga um dos pontos mais importantes de construção de instrumentos científicos da Europa (do mundo).

Num livro publicado em Cambridge em 1988, aquando de uma exposição de relógios de sol, “The Ivory Sundials of Nuremberg 1500-1700”, Penelope Gouk refere vários exemplares deste artífice, que também assinava “Johann Gebhart Norenberge Faciebat”.

No exemplar que se encontra em Lisboa, apenas o nome e a abreviatura da cidade. Depois, na face interior, com um ornamento solar muito característico deste artífice, está uma espécie de relógio de sol universal, com a possibilidade de se saber a hora nas principais cidades europeias. Os números em frente do nome de cada uma das urbes dizem respeito às latitudes respectivas, tal como tinham sido calculadas à época. Danzig, Cracóvia, Praga, Viena, Colónia, Antuérpia, do centro e do norte da Europa, mas também Veneza, Roma, Nápoles, Florença, Sevilha ou Valência figuram no exemplar lisboeta.

Segundo Penelope Gouk, a maior parte do marfim que era usado pelos artífices de Nuremberga na feitura destes instrumentos de medição do tempo provinha de Lisboa (local de chegada das presas vindas de África, comercializadas pelos portugueses), de onde irradiava para toda a Europa de então.

Quem poderá ter usado as meridianas de Gebhart e de outros mestres seus conterrâneos? “Só o facto de este tipo de instrumento ser ajustável geograficamente indica desde logo que se tratava de objectos para distribuição alargada para além das fronteiras da cidade ou de um país”, diz-nos a especialista. “Embora este tipo de meridiana pudesse ser utilizada em todas as cidades a que fazia referência, a função real da lista de metrópoles era indicar que o seu possuidor era alguém que necessitava dessa informação. Da mesma maneira que as agendas de hoje incluem mapas, listas de aeroportos, datas de feriados e eventos religiosos em muitos países, enquanto relógios de pulso podem indicar tempos de até oito cidades espalhadas pelo mundo, mediante o simples toque de um botão. Estes objectos podem ser usados por pessoas que nunca vão para além cidade mais próxima, mas que gostam de imaginar viagens pelo mundo. Posto em termos modernos, os artífices de bússolas e meridianas conseguiam 'embrulhar' com imaginação um conceito de viagens pelo estrangeiro para todo aquele com dinheiro suficiente para comprar os seus instrumentos”.

Está documentado que havia relações comerciais intensas entre Lisboa e Nuremberga nos séculos XVI e XVII. Em Janeiro de 1507, por exemplo, Michael Behaim escreveu de Nuremberga ao seu irmão Wolfgang, sediado em Lisboa, agente ou sócio comercial da família Hirschvogel, igualmente daquela cidade. Eles eram irmãos de um mais conhecido Martin Behaim, famoso pelo globo terrestre que ajudou a construir em 1492. A família era proveniente da região de Schwarzbach (Boémia), embora se tenha radicado em Nuremberga no século XIII, passando os seus membros a serem conhecidos pelos Behaim (boémios).

Por essa altura, finais do século XV, morre Catarina de Áustria, irmã do imperador Carlos V, viúva de D. João III. Dos róis da rainha faziam parte relógios mecânicos, ampulhetas e relógios de sol.

Bartolomeu Velho, cartógrafo que exerceu a sua actividade na segunda metade do século XVI, nasceu em Lisboa em data desconhecida e faleceu em Nantes em 1568. Aliciado a servir o rei de França, enviou-lhe uma lista com uma série de instrumentos que dizia de sua invenção, entre eles relógios de sol universais.

Em 1603, Manuel de Figueiredo (1568-1630), natural de Torres Novas, publicava em Lisboa uma Cronografia – Reportório dos Tempos, onde inclui um capítulo dedicado ao “Tratado dos Relógios horizontais, verticais, laterais, declinantes, e universais ou polares”.

Em 1612, o cosmógrafo Gaspar Cardoso de Sequeira publicava em Coimbra o “Tesouro dos Prudentes”, mencionando no capítulo IV — “Da Esfera — Maneiras de fazer quadrantes para tomar altura, fabricar relógios diurnos e nocturnos, medição de horas planetárias... etc.”

Em 1620, Frei Nicolau de Oliveira, no seu “Livro das Grandezas de Lisboa”, refere que trabalhavam na altura na capital três relojoeiros de relógios de sol e outros tantos de relógios de ferro.

O jesuíta Valentim Estancel escrevia em 1660 o “Tiphys Lusitano ou Regimento Náutico Novo”, “o qual ensina a tomar alturas, descobrir os meridianos e demarcar as variações da agulha a qualquer hora do dia ou da noite, com um discurso prático sobre a navegação de leste a oeste”. O padre Estancel, que faleceu em 1750, foi professor de Matemática em vários estabelecimentos de ensino, nomeadamente o real Colégio de Santo Antão, em Lisboa.

Em 1678, o padre António Carvalho da Costa publicava em Lisboa o “Tratado compendioso da fabrica e uso dos relógios de sol”. Dividida em quatro secções, a obra trata “de alguns problemas de Geometria práctica necessários para a inteligência e construção dos relógios de sol por regra e compasso e por trigonometria”, dá exemplos de “vários relógios universais” e de “relógios de sol delineados pelo globo”. A obra foi impressa na oficina de António Craesbeeck de Mello. O dicionário de Inocêncio refere-se a apenas 3 exemplares conhecidos. Um deles, encadernado em pergaminho, encontra-se hoje na Biblioteca da Marinha, em Lisboa.

Barroco

D. Luiz Caetano de Lima (nascido em Lisboa em 1687) escreveu ainda uma belíssima “Gnomónica Universal, e método para toda a casta de relógios Regulares, e Irregulares, Astronómicos, Judaicos, Babilónios, e Itálicos com grande número de figuras”.

A obra, datada de 1704, encontra-se ainda manuscrita, nos acervos da Biblioteca Nacional. Desenhados à mão, e a cores, são representados nessa obra algumas dezenas de modelos de relógios de sol e explanados os métodos de os construir.

Os relógios mecânicos que equipavam as torres das igrejas ou dos municípios portugueses de então, a chamada relojoaria grossa ou férrea, eram de fraca qualidade e, com D. João V, começam a chegar novas máquinas, muito mais precisas, que vão substituindo a pouco e pouco as da geração anterior. Até mesmo o relógio da Sé de Lisboa era pouco fiável. Uma carta de Novembro de 1719, dirigida pelo secretário de Estado, Diogo de Mendonça Côrte Real, ao presidente do senado municipal da câmara encarregado da parte ocidental da cidade, reza assim: “S. Magestade, que Deus guarde, é servido que V. Ex.ª ordene que o relógio da Sé de Lisboa oriental se ponha pelo sol, e, quando não haja relógio de sol, se ponha pelo dos padres da Congregação do Oratório”. A relojoaria férrea ainda se acertava então pelo sol. D. João V equipou por essa altura dezenas de mosteiros e conventos com relógios de sol, que conseguiram na generalidade sobreviver até hoje.

É neste ambiente de luxo e ostentação, por um lado, e de devassidão e insegurança social, por outro (o ouro do Brasil tudo permitia), que surge na cidade de Lisboa uma figura misteriosa: Manoel Angelo Villa.

Nada se sabe dele, a não ser através de um opúsculo publicado em 1745: “Lista noticiosa dos instrumentos, e artefactos físicos, e matemáticos, que se fabricam, e se vendem nesta cidade de Lisboa, em casa de Manoel Angelo Villa, professor operário dos ditos instrumentos”.

Da lista de instrumentos feitos pelo “professor operário” Villa constam “relógios de sol de algibeira de diferentes modos, uns de madeira de buxo, outros de marfim, e de metal, de anel, armilares, e de caixa, etc.” ou um “relógio astronómico de minha invenção, que toca três carrilhões, a saber: cravo, órgão, e campainhas, isto é, antes de dar as horas, o que faz uma figura com um martelo nas mãos, o dito relógio mostrará os crescentes, e minguantes dos dias, de Inverno, e Verão, e os crescentes e minguantes da Lua, a qual sai ao mesmo tempo, que a verdadeira, e juntamente o sol às mesmas horas, que o verdadeiro”.

Na Real Fábrica de Relógios, fundada em 1765 pelo Marquês de Pombal, na zona das Amoreira, ao Rato, em Lisboa, além do fabrico de relojoaria mecânica de vário porte, também se tratava da ciência gnomónica e da sua prática. À sua frente está um francês, Claude Berthet. No primeiro inventário, de Agosto de 1765, referem-se “parafusos para tarraxar relógios de sol”, e mesmo um “relógio de sol”.

Desse tempo existe um relógio de sol equatorial ou universal no Museu de Marinha, em Lisboa, assinado “marquant le temps vrai et le temps moyen, fait et inventé par André Berthet, horloger à Lisbonnne,1774” (marcando o tempo verdadeiro e o tempo médio, feito e inventado por André Berthet, relojoeiro em Lisboa, 1774).

Dispondo de dois níveis de bolha de ar, cruzados, para que a sua base fique na posição horizontal, e de uma pequena agulha magnética, para o orientar segundo o plano do meridiano do local onde se encontra, o relógio pode ser usado em latitudes entre 30 e 45 graus. A sua particularidade mais importante e rara é fornecer o tempo médio, ou seja, resolve a chamada “equação do tempo” (diferença de entre mais 14 e menos 16,5 minutos por ano no movimento aparente do Sol).

Esta e outras particularidades da construção deste relógio tornam-no de excepcional qualidade. Quanto a André Berthet, não se sabe mais nada deste fabricante.

Na primeira metade do século XIX, uma figura importante na medição do tempo em Portugal, Veríssimo Alves Pereira, equipa a Torre dos Clérigos, no porto, de um relógio de sol sofisticado – uma meridiana provida de lente e de pequena peça de artilharia. O sol, no zénite, fazia disparar todos os dias, ao meio-dia solar verdadeiro, com o calor concentrado da lente a atingir uma mecha, uma pequena peça de artilharia (recentemente descoberta). Quanto ao sofisticado relógio de sol, não há rasto dele. Posteriormente, Veríssimo Alves Pereira iria convencer a Câmara de Lisboa a instalar um sistema semelhante no Castelo de São Jorge. Esse sistema passaria depois para a Escola Politécnica – mas a peça de artilharia passava a ser accionada por dispositivo eléctrico, com a hora (o meio-dia civil) a ser emitida a partir do Observatório da Ajuda, através de fio telegráfico. O canhão da meridiana de Lisboa, transferido entretanto para o Jardim de São Pedro de Alcântara, terá deixado definitivamente de funcionar em 1914 ou 1915.l

A meridiana do Castelo da Pena, em Sintra

A âncora / relógio de sol, em Belém, nos anos 60 do Séc. XX e na actualidade

Quanto a relógios de sol em Lisboa, e com tradição, Mário Costa fala-nos de um que havia no Jardim das Albertas, à Rocha do Conde de Óbidos, e que parece não ter deixado também rasto.

Há apenas quatro números do efémero “Cosmochronometro”, editados por Augusto Justiniano de Araújo no ano de 1897. O fundador da Escola de Relojoaria da Casa Pia de Lisboa, a única do país, ainda hoje, ensina no último número da publicação a maneira de construir uma meridiana ou relógio de sol, demonstrando o interesse perene pela gnomónica, apesar do isocronismo quase perfeito que então a relojoaria mecânica tinha atingido. De notar que a gnomónica fazia parte, até ao início do século XX, dos curricula de vários cursos da Escola Politécnica, em Lisboa, e que ainda em meados do século XX a ciência dos quadrantes solares era parte integrante da disciplina de Geometria Descritiva ministrada na Universidade de Coimbra.

Essa perenidade da gnomónica prova-se em outra das centralidades do tempo público alfacinha de finais do século XIX – estava situado no largo dos Remolares, hoje Cais do Sodré. Diz-nos Júlio de Castilho em “A Ribeira de Lisboa, Descrição Histórica da Margem do Tejo, desde a Madre de Deus até Santos-o-Velho”: “Em 1860 havia no centro da praça uma escadaria circular de poucos degraus, e de2 metros de diâmetro, tendo ao centro, sobre um pedestal, uma meridiana ou relógio de sol. Essa meridiana (como tantas coisas inofensivas e úteis!) tornou-se alvo dos epigramas, mais ou menos agudos, do Lisboeta. Há uns certos sujeitos inúteis, que só sabem rir, rir de quem trabalha, epigramar a quem serve. A meridiana era proveitosa; fazia o seu serviço, e cumpria-o bem; andava às ordens do sol, e obedecia-lhe pontualíssima, em benefício dos próprios ociosos que a desprezavam. Pois era moda dizer mal dela”.

E Júlio de Castilho, sem dar pormenores sobre quando a meridiana terá sido construída ou sobre quem a terá feito, conta várias histórias do quotidiano alfacinha que girava à volta da Meridiana dos Remolares. Uma delas diz respeito a “um pobre saloio, para quem um instrumento assim se figurava novidade inaudita, ouvindo dizer que era relógio se lhe aproximara e, desconfiado de que o pretendiam enganar, aplicara o ouvido, e tornara a aplicá-lo, concluindo (depois de maduro exame) que seria talvez relógio, mas estava parado”.

“Outro beócio chegando ali às Ave-Marias, quando já não havia sol, esperou pacientemente que se acendessem os candeeiros de gás da iluminação municipal, e foi depois consultar a meridiana... que lhe disse não sei bem o quê”, acrescente o conhecido olissipógrafo.

“A meridiana foi enfim substituída (e com vantagem) pelo monumento do Duque da Terceira, cuja primeira pedra se assentou em 24 de Julho de1875”, conclui Castilho.

No Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa há uma imagem da Meridiana dos Remolares, numa ilustração ligeiramente diferente da que é incluída em “A Ribeira de Lisboa”. O mesmo arquivo tem depois imagens da praça a sofrer as terraplanagens para receber a estátua e para o assentamento de carris do “americano”, o antecessor do eléctrico, que tanto basbaque iria provocar na capital.

Pelas ilustrações se pode deduzir que o relógio de sol dos Remolares era constituído por uma coluna de pedra, no cimo da qual se colocara uma escala e um gnómon, cuja sombra indicava no mostrador a hora solar. Para onde terá ido, depois de destronada pela estátua equestre? Ninguém sabe.

De Joaquim Fortunato de Valadares Gamboa, poeta barroco português (1745-1815)

Que relógio de sol, que serventia
Ter não pode de alguma utilidade
Quando o dia está brusco, e na verdade
Ninguém faz dele caso nesse dia:
Assim se da pobreza a mão sombria
Faz no homem qualquer escuridade
Em lhe faltando do ouro a claridade
É dos outros desprezo e zombaria:
Dos planetas mais nobre é o sol louro;
O ouro dos metais; e está mais fusco,
Que relógio sem sol, homem sem ouro:
Disto exemplos alheios eu não busco;
pois me vejo que estou, com vil desdouro,
Qual relógio de sol em tempo brusco.


Para saber mais:

O Relógio da República (2010)
Relógios de Sol (CTT, 2007)
História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003)
Blog Estação Cronográfica

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