quarta-feira, 15 de julho de 2015
Investimento em relógios - artigo no Jornal de Negócios e a nossa opinião
O Jornal de Negócios publicou esta segunda-feira, 13 de Julho, um artigo assinado por Teresa Gens sobre o tema Investimento em Relojoaria. Fomos ouvidos para ele.
Para além do publicado, deixamos aqui, na íntegra as nossas respostas, num tema que será sempre controverso e ao qual nunca fugimos.
1. Hoje um coleccionador de relógios é sempre um investidor, ou seja, compram-se relógios a pensar em rentabilidades futuras?
1 - Pela experiência que tenho, a esmagadora maioria dos coleccionadores que conheço compram relógios mais por prazer do que por investimento puro. Isso não quer dizer que não pensem no possível valor das peças que possuem no caso de um dias as quererem vender. Mas, como disse, a esmagadora maioria pensa em conservar as suas colecções e decerto teria algum desgosto se tivesse que se desfazer de algum ou da totalidade dos relógios que possui.
2. Em Portugal há mercado, ou seja, há quem venda e quem compre ou de facto, neste domínio, passa-se tudo lá fora?
2 - Em Portugal, o mercado de compra e venda de relógios em segunda mão é muito limitado. Basta pensar que as grandes leiloeiras a operar no mercado nacional raramente realizam leilões dedicados especificamente a relógios. Com o aparecimento da Internet, o panorama mudou radicalmente a nível de Portugal e do resto do mundo. O mercado de relógios em segunda mão tornou-se global e as transacções online dominam hoje a cena. Os compradores e vendedores estão mais informados sobre tudo - modelos, especificidades, raridade, preço atingido em leilões, etc.
3. A maioria dos bens começa a desvalorizar assim que saímos com eles da loja, nos relógios imagino que aconteça o mesmo. Em que condições pode um relógio ser um bom investimento? Ser extraordinariamente caro não chega? O que o torna um activo com potencial retorno?
3 - Tal como os carros, que ao saírem dos stands já estão desvalorizados, também os relógios desvalorizem mal saem das relojoarias. Quem diga o contrário mente e muito provavelmente terá interesse directo nas vendas... Há excepções, que obedecem às leis do mercado - raridade, estado, anterior possuidor ser alguém especial, determinados modelos de determinadas marcas. Quando a caixa do relógio é de metal precioso, há sempre o valor intrínseco desse metal. O mesmo se passa com as pedras preciosas que um relógio possa ter.
4. Que modelos/marcas são valores seguros, isto é, têm procura e retorno garantido?
4 - Por estranho que possa parecer, pela sua massificação, um Rolex é sempre um valor seguro, em qualquer parte do mundo. Ou seja - é muito mais fácil convertê-lo em dinheiro do que outra marca. Em qualquer parte do mundo, toda a gente conhece a Rolex e os seus modelos, a procura continua grande, trata-se seguramente da marca com maior mercado em segunda mão. Há depois modelos Rolex, como o Daytona, que são ainda mais procurados que os restantes. Quanto a relógios de pulso, a Patek Philippe continua a ser a marca que melhores preços atinge em leilões, mas quanto a investimento estamos sempre a falar de peças de edição ou produção limitada, com muitas funções (as chamadas complicações). O mesmo se passa com marcas como a Vacheron Constantin, a Breguet, a Jaeger-LeCoultre ou a Audemars Piguet. Mas, repito, só com modelos muito específicos e caros, não com os modelos mais vulgares.
Quanto a relógios de bolso, de mesa ou de sala, é preciso um conhecimento maior das peças, dos relojoeiros que as fizeram, do estado e das reparações que sofreram, da lista de anteriores donos. Os preços em segunda mão e leilão dos relógios de bolso, por exemplo, desceram na última década, mas mesmo aí há excepções devido à raridade de modelos ou à história que possa envolver determinado relógio.
5. Não vale a pena sequer pensar em investir em relógios sem uma liquidez mínima de quanto? É preciso ter-se a carteira bem recheada ou comprando com conhecimento é possível fazer bons negócios?
5 - Pode-se investir com qualquer importância, não há limite mínimo. Uma colecção temática de relógios com caixa de aço, por exemplo, cronógrafos, e de um determinado período - digamos dos anos 60, 70 e 80, os chamados vintage - pode fazer-se com alguma facilidade e um investimento da ordem dos 2 a 3 mil euros por peça. No conjunto, e se ela tiver uma lógica relojoeira, a colecção pode valer, no seu todo, mais do que as partes.
6. Há um perfil de investidor ou é muito heterogéneo?
6 - é um perfil muito heterogéneo. Mas não conheço investidores que não aliem isso ao facto de gostarem verdadeiramente de relógios. Claro que há todo um lado obscuro a nível global - pode-se comprar uma ou duas peças muito caras para lavar dinheiro ou para transportar mais facilmente potencial liquidez de um lado para o outro. Contam-se casos de mulheres de oligarcas ou mafiosos russos, carregando malas de relógios e jóias para casas de recuo no sul de Espanha, na Grécia ou em Chipre. No caso de as coisas darem para o torto com os maridos... têm ali potencial liquidez para os tempos mais próximos.
7. Um português que, na óptica da diversificação de uma carteira de investimentos, pense em comprar um destes relógios com potencial o que pode fazer na prática para comprar - há leilões mas aí arrisca-se (imagino) a que o preço vá por aí acima, há dealers em Portugal que podem fazer este investimento? Quantos?
7 - Um potencial investidor português não tem mais de duas dezenas de casas em todo o país que se dedicam à compra e venda de relógios em segunda mão. É um mercado muito limitado e onde toda a gente se conhece. Como disse, com a Internet, tudo mudou.
8. Todos os investimentos têm risco e este tipo de investimento não será excepção, mas diria que os riscos - quando mitigados – são bem inferiores ao que acontece noutro tipo de activos?
8 - O risco aqui é mais o de ter comprado gato por lebre. Se o relógio corresponde totalmente às condições acordadas, o preço pago está minimamente garantido numa futura transacção. Como em tudo o resto, há sempre a questão da liquidez - a rapidez com que pode recuperar o investimento. Mais uma vez, valores seguros como a Rolex garantem liquidez quase imediata.
9. Li outro dia – quando estava a tentar ter uma noção do tema – que para investir em relógios ou se compra vintage ou peças especiais muito raras ou muito complexas em termos mecânicos ou, então, em número. Mas isto não torna o mercado incrivelmente pequeno? Há dimensão para transaccionar com frequência?
9 - Penso já ter respondido a esta pergunta.
10. Em termos de prazo este é tipicamente um investimento de médio longo prazo ou há na realidade marcas modelos que mal saem da fábrica já estão a valorizar - uma espécie de valorização ao segundo?
10 - Há modelos que, mal são anunciados (muitas vezes ainda nem sequer estão todos produzidos) já começam a ter procura acima do PVP dado pela marca. São casos muito raros, dizem respeito a marcas como a Patek Philippe, como no caso recente de um relógio muito complexo, de pulso, de que só serão feitos sete exemplares e um deles será para o Museu da marca. Há quem esteja já disposto a pagar muito mais do que o primeiro preço anunciado. Mas até as próprias marcas, como é o caso da Patek Philippe, que fogem deste mercado especulativo e procuram que os seus relógios vão parar a mãos de verdadeiros coleccionadores, que os guardem em família por gerações. Há, no entanto, outras marcas, e não vou citar nomes, que agem de forma contrária, fomentando com edições especiais reduzidas mas sucessivas esse mercado especulativo de compra e venda. Há mesmo marcas que, indo a leilão, licitam em segredo relógios seus, fazendo os preços subir artificialmente, mas criando aí operações bem sucedidas de marketing para quem não está dentro deste jogo. O tema, sempre evitado pela indústria, foi há anos primeira página do The Wall Street Journal, denunciando essas bolhas relojoeiras motivadas por leilões onde os grandes compradores são as próprias marcas que, anos depois, voltam a colocar as mesmas peças a leilão…
11. Remetendo ainda para a questão anterior pedia-lhe dois exemplos: de um relógio que tipicamente valoriza com o passar do tempo e outro que ainda está em produção e já há quem esteja disposto a pagar acima do seu valor naquele momento (e como conseguir estar numa lista de espera para um relógio destes)?
11 – Julgo ter respondido a esta questão. Quanto a listas de espera, elas existem, muitas vezes criadas artificialmente pelas marcas – o caso do Rolex Daytona em aço, um cronógrafo relativamente fácil de produzir mas que a marca faz em quantidades controladas, para ir mantendo a sede de consumo. Depois, há mesmo listas de espera para determinadas peças, que podem até não ser de produção limitada, mas que são de tal forma complexas que a marca só tem capacidade de produzir uma ou duas por ano, porque os mestres relojoeiros que as montam são poucos e levam meses a montar ou afinar um calendário perpétuo com repetição minutos, por exemplo.
12. O mercado é transparente? É fácil de compreender o real valor das peças? Pergunto porque maioritariamente nos investimentos ditos alternativos não há qualquer tipo de regulação.
12 – Com a Internet, com os leilões online, com as compras nos sites especializados, com os fóruns de debate, com as experiências contadas nas redes sociais, o mercado está hoje muito mais transparente do que há 10 anos.
13. Na última década quais as valorizações mais importantes que registou (que requisitos tinham esses relógios)?
13 – Edições de produção reduzida ou limitada da Patek Philippe ou da Vacheron Constantin foram das que mais valorizaram, mas estamos a falar de relógios que podem ter sido comprados por um quarto de milhão de euros, não estão ao alcance do investidor vulgar. Tem havido algumas tentativas de formação de fundos de investimento em relojoaria, como já os há em arte ou em vinhos, onde cada um pode comprar uma parcela da carteira (neste caso portefólio de relógios) e ter uma rentabilidade mínima assegurada, para além de mais-valias que o mercado possa ditar com a venda de parte do portefólio, mas não têm tido grande sucesso.
14. É possível dizer quanto, em média, tem valorizado ao ano este mercado?
14 – Pelas respostas acima dadas, podemos apenas referir, no conjunto do mercado de relógios de pulso com até 30 anos, o que é que eles desvalorizaram… Há hoje uma procura por peças vintage, quase sempre de aço, e elas atingem valores entre os 1.500 e os 5.000 euros. Mas, se atendermos à inflação, veremos que o que se pagava nos anos 1960 ou 1970 por esse relógio e o que se paga hoje é praticamente equivalente. Sempre é melhor que o comum dos carros… não resistem tanto, são mais caros de manter e quase sempre vão parar à sucata.
15. Quando falamos em relógios para investimento estamos a falar de relógios de senhora ou de homem, ou de ambos?
15 – Sobretudo, falamos de relógios de homem. Desde logo, porque as formas são mais conservadoras e resistem mais ao tempo. Há relógios de senhora dos anos 1920 e 1930 que hoje não são simplesmente viáveis porque os mostradores são demasiado pequenos. Nos de senhora, há o aspecto importante do relógio-jóia, mas aí estamos a falar de metais e pedras preciosos, da griffe de uma determinada marca, da personalidade que o usou.
16. Além dos relógios tradicionais diria que existem hoje novos talentos na área da relojoaria que têm, à priori, condições para se virem a tornar, a prazo, um bom investimento? Pode dar exemplos
16 – um relógio mecânico, automático, cronógrafo, com caixa de aço, com um calibre fiável, Swiss Made, poderá custar entre os 1.500 e os 5.000 euros, dependendo da marca. Digamos que será um bom empate de capital para quem goste de relojoaria tradicional – poderá andar com ele décadas e vendê-lo-á quase sempre pelo preço de custo mais inflação. Mas não será nunca um grande investimento.
Sobre os novos relojoeiros, o investimento será sempre arriscado. Ninguém garante que a marca não morra dentro de pouco tempo ou que o relojoeiro-autor, ao desaparecer, também desapareça com ele a marca. Quem garante o serviço pós-venda, digamos, dentro de 50 anos? Mas esse poderá ser, afinal, o grande investimento – comprar um relógio muito complicado, de que só foram produzidas algumas dezenas, de um relojoeiro independente, pode significar daqui a meio século uma mais-valia muito superior ao normal –se esse relojoeiro ficou famoso, se os seus relógios se revelaram fiáveis, se daqui a 50 anos continuar a haver amantes da relojoaria mecânica complicada… Por outras palavras, é muito complicado investir em relojoaria…
17. Que conselho dá sempre, à cabeça, a quem pensa iniciar-se neste tipo de investimento? Que cuidados ter?
17 – Se não gosta de relógios mecânicos, desista, que empata dinheiro sem retorno visível. Se gosta, informe-se, apaixone-se, compre (ligando a compra a um momento especial da sua vida ou de alguém da sua família). Ao usar ou ao olhar para a gaveta, está a homenagear ou a recordar situações que lhe foram ou são caras. Haverá melhor investimento do que este?
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