Reunião dos conspiradores (Palácio da Independência, Lisboa)
Há precisamente 386 anos, um sábado, pelas nove horas da
manhã em Lisboa, dava-se início à operação militar que resultaria na
restauração da independência do reino de Portugal, que desde 1580 fazia parte
de uma monarquia dual com a Coroa espanhola.
Diz D. Luís de Menezes na História de Portugal Restaurado
que o grupo de Conjurados decidiu na última reunião antes da revolta,
lendariamente realizada no Palácio dos Almadas, ao Rossio, avançar a acção para
sábado, 1 de Dezembro de 1640. E que, “com o menor rumor que fosse possível, se
achassem todos junto ao Paço, repartidos em vários postos, e que tanto que o
relógio desse nove horas saíssem das carroças ao mesmo tempo”.
Mais à frente, nesse mesmo dia, os conjurados, “impacientes,
esperavam as nove horas, e como nunca o relógio lhes pareceu mais vagaroso,
tanto que deu a primeira, sem aguardarem a última, arrebatados do generoso
impulso saíram todos das carroças e avançaram ao Paço”.
O resto, já se sabe. Portugal recuperou a independência, que
tinha estado hipotecada nos 80 anos anteriores. O relógio que deveria bater as
nove horas era, possivelmente, o do Paço da Ribeira, com torre própria desde os
tempos de D. Manuel I.
Como em qualquer operação militar, o tempo sincronizado era
importante e, para isso, era necessário um relógio comum aos conspiradores – no
caso, o relógio do Paço da Ribeira. Mesmo sob governação filipina, e com a
capital da monarquia dual em Madrid, Lisboa e o seu Paço não deixaram de ter
importância política, pois era aí que se encontrava a viver o representante do
rei castelhano.
O Duque de Bragança,. futuro D. João IV, na sua residência,
em Vila Viçosa, foi aliciado por enviados de Lisboa, a liderar o movimento,
assumindo-se como rei.
Os revoltosos, no Terreiro do Paço (Palácio da Independência, Lisboa)
Outro relato coevo, a Relação de tudo o que se passou na
felice aclamação do mui alto e mui poderoso rei dom João o IV, Nosso Senhor,
cuja monarquia prospere Deus por largos anos, 1.ª edição de Lisboa, Oficina de
Lourenço de Anveres, s. d. [1641]:
“Desde o domingo até a sexta-feira daquela venturosa semana
se fizeram com grande fervor e diligência infinitas preparações, ajuntaram-se
as armas que para o efeito eram mais acomodadas, deu-se ponto aos amigos e
parentes, e muitos convidavam para um empenho grande que sábado às nove horas
da menhã haviam de ter no terreiro do Paço, sem declararem o que era. Não se
passou noite nenhuma em que não houvesse junta em casa de João Pinto Ribeiro.
Iam os fidalgos a ela com grande recato, porque importava já muito a
dissimulação, e donde quer que a cada um deles lhe anoitecia, se apeava e,
embuçados, entravam no Paço do duque, em cujas salas tudo era sombras e horror,
e somente na casa mais oculta − que era aonde se fazia o conselho − estava ũa
candeia tão desviada e com tão pouca luz que escassamente alumiava. […]
“Deu-se enfim o ponto para as nove horas da menhã, e deu-se
ordem a todos para que, poucos a poucos, por vários caminhos, se ajuntassem no
terreiro do Paço, o que se fez com recato e boa disposição, que uns em coches,
outros a cavalo, outros a pé se dividiram em troços por todo aquele espaço que
há desd’ o Arco dos Pregos até o Arco do Ouro.[…]
"Neste comenos deu o relógio do Paço nove horas, e como
quando o fogo de ũa mina atea na pólvora e saem num mesmo instante por várias
aberturas da terra − em cópia larga, com medonho ímpeto − mil raios e mil
despedaçados e abrasadores mármores, assi feros, assi terríveis e assi furiosos
saíram num mesmo tempo alguns fidalgos dos coches, e logo foram em seu
siguimento com a mesma deliberação os mais que, a cavalo, ou a pé, vinham para
aquele efeito. Subiram todos intrépidos por ũa e outra escada do Paço, já com
as armas prontas, e dispostos para ver a cara ao mais estupendo transe em que
desde que hove guerras no mundo se viu o coração humano”.
Para saber mais sobre os marcadores de tempo coletivos na
capital e a sua relação com os poderes religioso, político, económico e
científico, desde a Reconquista até aos nossos dias, pode ler Tempo e Poder em
Lisboa – O Relógio do Arco da Rua Augusta (2008).