Reunião dos Conjurados, painel de azulejos, Palácio da Independencia, ao Rossio, Lisboa (antigo Palácio dos Almadas)
Diz D. Luís de Menezes na História de Portugal Restaurado que o grupo de Conjurados decidiu na última reunião antes da revolta, lendariamente realizada no Palácio dos Almadas, ao Rossio, avançar a acção para sábado, 1 de Dezembro de 1640. E que, “com o menor rumor que fosse possível, se achassem todos junto ao Paço, repartidos em vários postos, e que tanto que o relógio desse nove horas saíssem das carroças ao mesmo tempo”.
Mais à frente, nesse mesmo dia, os conjurados, “impacientes, esperavam as nove horas, e como nunca o relógio lhes pareceu mais vagaroso, tanto que deu a primeira, sem aguardarem a última, arrebatados do generoso impulso saíram todos das carroças e avançaram ao Paço”.
O resto, já se sabe. Portugal recuperou a independência, que tinha estado hipotecada nos 80 anos anteriores. O relógio que deveria bater as nove horas era, possivelmente, o do Paço da Ribeira, com torre própria desde os tempos de D. Manuel I.
Como em qualquer operação militar, o tempo sincronizado era importante e, para isso, era necessário um relógio comum aos conspiradores – no caso, o relógio do Paço da Ribeira.
Mesmo sob governação filipina, e com a capital da monarquia dual em Madrid, Lisboa e o seu Paço não deixaram de ter importância política, pois era aí que se encontrava a viver o representante do rei castelhano.
O Duque de Bragança,. futuro D. João IV, na sua residência, em Vila Viçosa, foi aliciado por enviados de Lisboa, a liderar o movimento, assumindo-se como rei.
Entrevista do Duque de Bragança com Pedro de Mendonça, 1640, painel de azulejos, Estação de Caminhos de Ferro de Vila Viçosa
Partida do Duque de Bragança para Lisboa a ocupar o trono, 1640, painel de azulejos, Estação de Caminhos de Ferro de Vila Viçosa
O Paço da Ribeira e a sua Tore do Relógio, painel imediatamente anterior ao terramoto de 1755, Museu do Azulejo, Lisboa
O golpe de 1640, liderado por nobres descontentes com a situação, procurando a recuperação da independência de Portugal, é uma operação militar. Decorre na zona do Paço e, como operação militar, necessita de um emissor de tempo comum, que sincronize as acções a desenvolver.
Outro relato coevo, a Relação de tudo o que se passou na felice aclamação do mui alto e mui poderoso rei dom João o IV, Nosso Senhor, cuja monarquia prospere Deus por largos anos, 1.ª edição de Lisboa, Oficina de Lourenço de Anveres, s. d. [1641]:
“Desde o domingo até a sexta-feira daquela venturosa semana se fizeram com grande fervor e diligência infinitas preparações, ajuntaram-se as armas que para o efeito eram mais acomodadas, deu-se ponto aos amigos e parentes, e muitos convidavam para um empenho grande que sábado às nove horas da menhã haviam de ter no terreiro do Paço, sem declararem o que era. Não se passou noite nenhuma em que não houvesse junta em casa de João Pinto Ribeiro. Iam os fidalgos a ela com grande recato, porque importava já muito a dissimulação, e donde quer que a cada um deles lhe anoitecia, se apeava e, embuçados, entravam no Paço do duque, em cujas salas tudo era sombras e horror, e somente na casa mais oculta − que era aonde se fazia o conselho − estava ũa candeia tão desviada e com tão pouca luz que escassamente alumiava. […]
“Deu-se enfim o ponto para as nove horas da menhã, e deu-se ordem a todos para que, poucos a poucos, por vários caminhos, se ajuntassem no terreiro do Paço, o que se fez com recato e boa disposição, que uns em coches, outros a cavalo, outros a pé se dividiram em troços por todo aquele espaço que há desd’ o Arco dos Pregos até o Arco do Ouro.[…]
"Neste comenos deu o relógio do Paço nove horas, e como quando o fogo de ũa mina atea na pólvora e saem num mesmo instante por várias aberturas da terra − em cópia larga,com medonho ímpeto − mil raios e mil despedaçados e abrasadores mármores, assi feros, assi terríveis e assi furiosos saíram num mesmo tempo alguns fidalgos dos coches, e logo foram em seu siguimento com a mesma deliberação os mais que, a cavalo, ou a pé, vinham para aquele efeito. Subiram todos intrépidos por ũa e outra escada do Paço, já com as armas prontas, e dispostos para ver a cara ao mais estupendo transe em que desde que hove guerras no mundo se viu o coração humano”.
Para saber mais sobre os marcadores de tempo colectivos na capital e a sua relação com os poderes religioso, político, económico e científico, desde a Reconquista até aos nossos dias, pode ler Tempo e Poder em Lisboa – O Relógio do Arco da Rua Augusta (2008)
ou História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (2003)
Na edição de 2 de Dezembro de 1922 da Ilustração Portuguesa fala-se da residência de Filipa de Vilhena, do palácio dos Almadas e da cerimónia de deposição em 1886 de uma coroa de bronze no monumento aos Restauradores
Na edição seguinte, a 9 de Dezembro de 1922, a mesma revista fala das comemorações do 1º de Dezembro desse ano
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