Editorial Maio
Relojoaria mecânica, uma excepção
A indústria relojoeira suíça, que lidera em valor a nível
mundial, vive sobretudo da produção de peças mecânicas, com as suas rodas
dentadas, eixos e energia fornecida por molas. Trata-se de uma misteriosa
excepção num mundo cada vez mais digitalizado.
O relógio mecânico é um objecto desconectado num mundo em
rede, onde os smartwatches dominam, mas ainda não conseguiram matá-lo.
Em Março, assistiu-se ao reforço na forte tendência de
aumento que se faz sentir desde o início de 2023 nas exportações relojoeiras
helvéticas. Tanto em valor (+13.8% no mês e +11.8% no acumulado do primeiro
trimestre) como em quantidade - mais 300 mil relógios exportados em Março
(+23.9%), para um total de 1,5 milhões de unidades.
Como explicar esta excepção? Edições limitadas, um mercado
de segunda mão efervescente, leilões a baterem recordes e os investidores
vindos das mais valias feitas com as cripto-moedas estão a contribuir para que
a valorização de certas marcas – Rolex, Audemars Piquet, Patek Philippe,
Richard Mille, por exemplo – seja superior ao investimento em bolsa.
Limei Hoang, editora sénior no Luxury Society, um jornal
online, recorda que foram precisos apenas 14 minutos e 39 segundos para que um
relógio Tiffany-Blue Patek Philippe Nautilus 5711 tenha sido vendido em leilão
por 6.5 milhões de dólares, muito possivelmente por um investidor em
cripto-moedas preocupado em assegurar que os seus ganhos digitais se
transformariam em algo tangível. “Um Rolex em segunda mão pode custar mais caro
do que um modelo novo, devido às limitadas capacidades de produção e à escassez
de produto”, diz.
Se o relógio mecânico é a excepção analógica num omnipresente
universo digital, já o relacionamento das marcas com o consumidor final
baseia-se cada vez mais nas plataformas online. Essa relação directa está a
revolucionar as redes de distribuição e retalho.
Marie-Clémence Barbé-Conti, jornalista especializada na
indústria do luxo, fala em “Masstige”, conceito que sai da contracção de
“massas” com “prestígio”. O neologismo resume bem a contradição actual no mundo
do luxo, quando antes a noção de raridade era a base para a definição desse
mesmo luxo.
O economista e sociólogo Serge Letouche avança com os
perigos da banalização, do “luxe populi”, e pinta um quadro futuro de
equilíbrio instável – conciliar a garantia de que, em democracia, todos têm
direito a aspirar aceder a um estatuto. Como combinar o homo aequalis com
o homo hierarchicus?
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