Tínhamo-nos esquecido do tempo, e o espaço imenso empequenara-se-nos na atenção. Fora daquelas árvores próximas, daquelas latadas afastadas, daqueles montes últimos no horizonte haveria alguma coisa de real, de merecedor do olhar aberto que se dá às coisas que existem?...
Na clepsidra da nossa imperfeição gotas regulares de sonho
marcavam horas irreais... Nada vale a pena, ó meu amor longínquo, senão o saber
como é suave saber que nada vale a pena...
O movimento parado das árvores; o sossego inquieto das
fontes; o hálito indefinível do ritmo íntimo das seivas; o entardecer lento das
coisas, que parece vir-lhes de dentro a dar mãos de concordância espiritual ao
entristecer longínquo, e próximo à alma, do alto silêncio do céu; o cair das
folhas, compassado e inútil, pingos de alheamento, em que a paisagem se nos
torna toda para os ouvidos e se entristece em nós como uma pátria recordada —
tudo isto, como um cinto a desatar-se, cingia-nos, incertamente.
Ali vivemos um tempo que não sabia decorrer, um espaço para
que não havia pensar em poder-se medi-lo. Um decorrer fora do Tempo, uma
extensão que desconhecia os hábitos da realidade do espaço... Que horas, ó
companheira inútil do meu tédio, que horas de desassossego feliz se fingiram
nossas ali!... Horas de cinza de espírito, dias de saudade espacial, séculos
interiores de paisagem externa... E nós não nos perguntávamos para que era
aquilo, porque gozávamos o saber que aquilo não era para nada.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
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