Eleuze deu o nome de imagem-cristal a segmentos elementares do tempo, isto é, elementos do presente que encerram em si informação passada, como uma cápsula de tempo, que se desenrola em dois sentidos: o que já foi e o que será: “O que constitui a imagem-cristal é a operação mais fundamental do tempo: já que o passado não se constitui depois do presente que ele foi, mas ao mesmo tempo, é preciso que o tempo se desdobre a cada instante em presente e passado, que por natureza diferem um do outro, ou, o que dá no mesmo, é preciso que o tempo se desdobre em duas direções heterogéneas, uma se lançando em direção ao futuro e a outra caindo no passado.” (Gilles Deleuze, A imagem-tempo)
A ideia de segmentos temporais, de “agoras” que, empilhados,
formam um universo-bloco, não é propriamente uma novidade, e sempre existiram
variantes entre as teorias de como este “bloco” se poderia apresentar. Uma que
me parece interessante, pela forma radical como trata o tempo, é a do físico
Julian Barbour: para ele, o tempo não existe. A ideia é que, tal como acontece
no cinema, existem uma espécie de fotogramas tridimensionais (que Barbour chama
“agoras/nows”), perfeitamente estáticos e cuja mudança entre os tais “agoras”
se dá por um mecanismo mental que organiza “diacronicamente” as pistas
anunciadas em cada segmento que contém informações do passado.
Nesse aspeto, no que concerne à densidade de dados num
elemento, não difere muito da ideia de Deleuze. Há um presente grávido de
futuro que traz consigo todo o seu passado. Cada “instante” tem inúmeros
instantes dentro dele, como uma boneca russa, e o cérebro interpreta esses
dados e monta-os num filme: “Sugiro que o cérebro contenha em todos os
instantes, por assim dizer, vários fotogramas de um filme que correspondem a
diferentes posições de objetos que pensamos ver em movimento. A ideia é que é
essa coleção de fotogramas, todos presentes num determinado instante, tem um
paralelo psíquico com o movimento que realmente vemos. O cérebro ‘reproduz-nos
o filme’, como uma orquestra reproduz as notas da partitura”.
Barbour, no entanto, não parece ter lido Deleuze, ou pelo
menos não o menciona, e em vez de usar a imagem-cristal, preferiu uma outra
analogia: a de cápsulas de tempo e de uma flor (salsifi) que encontrou no
jardim plantado pela sua mulher. O motivo pode ser explicado assim: “A
tendência à bifurcação está profundamente enraizada na mecânica quântica. Em
princípio, [o tempo] pode acontecer nas duas direções de um filamento. No
entanto, os ‘agoras’ que vivenciamos parecem ter surgido de um passado único.”
É precisamente este passado único que se vai bifurcando na
direção do futuro (seja lá o que isso for) que lhe dará o formato de flor. Como
disse antes, este tipo de pensamento não é propriamente novidade (ainda que a
teoria de Barbour tenha sido colocada de uma forma radical: a negação do tempo.
Esta premissa tem historial: os eleatas, 2500 anos antes, haviam negado o
movimento). John Wyndham, autor de As Sementes do Tempo (publicado pela Caminho
em 1985) tem uma descrição semelhante à flor proposta por Barbour: “Portanto, a
cada ‘instante’ um átomo de tempo cinde-se. Depois as duas metades continuam
por diferentes caminhos e encontram influências divergentes à medida que
divergem — mas não divergem como unidades constantes; cada uma delas se cinde
também a cada instante. O padrão que forma é o da estrutura das varetas
radiadas de um leque; e juntamente com cada uma das varetas, mais leques; e
juntamente com as varetas destes, ainda mais leques, e por aí fora, ad
infinitum.”
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