De madrugada os galos cantam, a quinta acorda, os cães de fila são acorrentados, a moça vai mungir as vacas, o pegureiro atira o seu cajado ao ombro, a fila dos jornaleiros mete-se às terras - e o trabalho, principia, esse trabalho que em Portugal parece a mais segura das alegrias e a festa sempre incansável, porque todo feito a cantar. As vozes vêm, altas e desgarradas, no fino silêncio, dalém; dentre os trigos, ou do campo em sacha, onde alvejam as camisas de milho cru, e os lenços de longas franjas vermelhejam mais que as papoilas. E não há neste labor nem dureza, nem arranque. Todo ele é feito com a mansidão com que o pão amadurece ao Sol, O arado mais acaricia do que rasga a gleba. O centeio cai por si, amorosamente, no seio atraente da foice. A água sabe onde o torrão tem sede, e corre para lá gralhando e refulgindo. Ceres nestes sítios benditos permanece verdadeiramente, como no Lácio, a Deusa da Terra, que tudo propicia e socorre, Ela reforça o braço do lavrador, torna refrescante o seu suor, e da alma lhe limpa todo o cuidado escuro, Por isso os que a servem, mantêm uma serenidade risonha na tarefa mais dura, Era essa a ditosa feição da vida antiga.
Eça de Queirós, in Correspondência de Fradique Mendes
domingo, 11 de setembro de 2016
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