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quinta-feira, 12 de março de 2015

Há dez anos - leitura digital e ou analógica do Tempo


Relógio de Grisogono, mecânico, com leitura simultânea analógica e digital

Crónica escrita em Março de 2004 na revista Internacional Horas & Relógios

Enigmas do tempo

Analógico versus digital

Fernando Correia de Oliveira

“Tudo o que pode passar de analógico a digital passará”, vaticinava recentemente José Pacheco Pereira (1). “Viveremos de um fluxo contínuo digital de palavras, imagens em movimento, imagens a três dimensões, músicas, a prazo, cheiros e tacto”. Aparentemente, assim será. Mas é grande a confusão de conceitos entre o que é digital e, em oposição, o que é analógico. Segundo o Dicionário da Academia das Ciências, analógico é todo o processo que tem uma variação contínua e que permite, também, uma leitura contínua de dados; quanto ao conceito de digital, será todo o aparelho ou dispositivo que apresente resultados ou indicações sob forma numérica, num ecrã ou mostrador. Já o Merriam-Webstar Online diz que analógico está relacionado com um mecanismo em que a informação é representada por quantidades fisicamente variáveis; e que digital é todo o mecanismo que fornece informação em dígitos, logo, de forma descontinuada.

Acrescenta o Merriam-Webstar que, tratando-se de relógios, serão considerados analógicos os que têm no mostrador ponteiros de horas e de minutos. Entremos então no diferendo analógico-digital no que respeita à medição do tempo. Desde logo, há uma identificação errada entre analógico e mecânico, por um lado, e digital e de quartzo, por outro.

Uma coisa é o que os relógios têm no interior das suas caixas – movimentos mecânicos ou eléctricos – outra coisa é como fazem a representação do tempo que vão marcando. Quando a tecnologia dos cristais líquidos (LED) se vulgarizou, por volta dos anos 60 e 70 do século passado, os relógios de pulso da moda, usando também a frequência isócrona de cristais de quartzo, passaram a dar a leitura do tempo na forma digital. Nessa altura pensou-se que o relógio mecânico tinha morrido (até porque, desde então e até hoje, passou a ser imbatível a exactidão da tecnologia do quartzo). Daí se formou a ideia generalizada de que um relógio de leitura digital ser sempre um relógio não-mecânico.

Ora, desde há muito que os relógios mecânicos, embora usando a leitura analógica do tempo, também utilizam o método digital – na indicação de data, dia, ou ano, por exemplo.

E, depois, os relógios de quartzo, passados os primeiros anos de entusiasmo e “modernismo”, passaram quase todos a dar a informação através de uma leitura analógica. Quanto ao LED, a tecnologia gastava muitas pilhas e foi rapidamente ultrapassada por outra, muito mais económica, mas que manteve a indicação digital.

Uma indicação digital do tempo é muito mais exacta. 13h58 são mesmo isso. Nem mais, nem menos. Mas não nos dá a ideia de quanto tempo terá passado desde que olhámos pela última vez para o relógio, digamos, dez minutos atrás. Colocar o tempo no espaço de 360 graus de um mostrador ajuda também à compreensão de um dos conceitos mais elusivos da Humanidade. O devir contínuo, com passado, presente e futuro, à velocidade de ponteiros que giram da esquerda para a direita, tal como girava a sombra do gnómon nos primitivos relógios de sol... Outra vantagem de uma leitura analógica é o facto de, à distância, ou com um olhar indirecto, termos logo a noção do tempo, mercê da colocação relativa dos ponteiros das horas e dos minutos num mostrador. Num relógio com indicação digital, ou se lê, ou não. Não há essa hipótese de “leitura aproximada”.


Um relógio Casio G-Shock de quartzo, com leitura analógica

Mas, se o tempo é linear – e parece que é – então a leitura digital deveria estar a ganhar – a passagem sucessiva de dígitos, acumulando-se, aproxima-se muito mais desse conceito do que o girar contínuo dos ponteiros num mostrador, parecendo que o tempo é circular. Será, como afirmam ainda hoje algumas escolas filosóficas? E o futuro, como será? Em termos de relógios mecânicos, terão sido muito exageradas as notícias sobre a sua morte – desde os anos 80 do século passado que se assiste a um reviver da micro-mecânica – não pode competir com a tecnologia do quartzo em termos de exactidão, mas também não é para isso que hoje se quer um relógio...

Se quartzo e mecânico parecem ter vindo para ficar, ambos – como será quanto às leituras digitais e analógicas? Parece que o tempo se dá melhor quando vive num espaço, em vez de traduzido em saltos de algarismos. Só que, para baralhar mais uma vez as coisas, a nova moda é os mestres relojoeiros – mecânicos, claro – criarem agora relógios com leitura digital das horas e dos minutos. Até há um relógio, ainda em fase de protótipo, que, sendo mecânico, e cronógrafo, medindo intervalos de tempo até ao centésimo de segundo, dá essa indicação em termos digitais. Imagine um calendário de secretária a mudar à velocidade do centésimo de segundo... com os números a aparecerem em catadupa, na janela, mas com existência física no interior da caixa, e não sendo criados virtualmente por circuitos integrados.

Baralhando ainda mais as coisas: os relógios mecânicos, se repararmos bem, têm o ponteiro dos segundos a avançar a pequenos intervalos, num pára, arranca que traduz o ritmo do balanço do mecanismo. Logo, tratar-se-ia, verdadeiramente, de um processo de leitura, não analógico, mas digital. E que dizer dos relógios de quartzo, que, podendo fazer avançar o ponteiro dos segundos de forma contínua, sem sobressaltos, procuram imitar as “hesitações” dos relógios mecânicos, fugindo a uma leitura digital pura?

1 – PÚBLICO, 13/01/04 Fernando Correia de Oliveira www.fernandocorreiadeoliveira.com/

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