[...] «Há alguns grupos no alto pirismo, muitíssimo agradáveis – se nele incluímos
tanta gente!... – em que se cultiva ainda a boa conversa, em que, sem sombra de
pedantismo, se discutem livros, ideias, arte, e em que ninguém sente saudades de jogar
o bridge. Mas há outros grupos, em que nas festas os homens não estão na mesma sala
em que estão as senhoras, festas em que só dança, e pouco, a gente muito nova, e em
que as meninas, nada interessantes, mas com aquele ar de timidez e de recato que tanto
agrada aos portugueses à volta duma viagem pelo estrangeiro, namoram pelos processos
arcaicos, sob os olhares mais ou menos adormecidos da mamã. Festas essas em que, a
alturas tantas, nós, com a certeza absoluta de que o relógio está parado, começamos a
sentir verdadeiro ódio pelas begónias artificiais – ainda se encontram! – que
ornamentam a étagère, e que cresceram em leque de dentro duma espécie de musgo
seco, muito mal imitado; festas em que só pela muita força da boa educação recebida
nos obrigamos a trocar umas palavras vazias de interesse, por uma contorção difícil e
dolorosa do corpo, com a senhora gorda que está sentada no borne atrás de nós!
(Também ainda se encontram muitos bornes!!)
«São estes grupos do alto pirismo, é preciso dizer a verdade toda, que nos enchem
precocemente a cabeça de cabelos brancos. [...]
Raul Brandão, in Memórias, A Sociedade Elegante, citando "uma senhora de espírito"
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2 comentários:
Mesmo em prosa se expressando
há quem faça poesia,
conforme acontece quando
se recorre à alegoria!
JCN
A poesia permite
o que a prosa não consente
por não ter qualquer limite
para expressar o que sente!
JCN
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