Segundo uma lápide que coroa ainda hoje a entrada da antiga torre barbacã do castelo árabe de Serpa, um tal mestre Pascoal concluiu em Janeiro de 1440 o apoio para receber um relógio. Para alguns especialistas, a parte mais alta da torre já teria caído ou fora derrubada, talvez por altura das suas ameias, para assentar o apoio do relógio.
Segundo os dados disponíveis a nível de investigação de arqueologia industrial, arriscaríamos que a torre relojoeira de Serpa será a terceira mais antiga detectada até hoje no país — como já aqui referimos, há notícia de um “relógio de torre, batendo sinos”, na Sé Catedral de Lisboa, a partir de 1377, e de um, anterior a 1401, na Sé do Porto.
Depois da de Serpa, sabe-se de uma torre relojoeira, de meados do século XV em Portimão, ou de uma outra em 1459, em Olivença. Batalha (antes de 1471), Alenquer (1475), Santarém (antes de 1476), Torres Vedras (1478), ou Orgens, Viseu (1478), são outros casos documentados de torres de relógio quinhentistas.
Como aqui referimos anteriormente, Orgens, com Frei João da Comenda e Frei João da Montanha, inicia o que se julga ser o primeiro caso de relojoeiros portugueses, que fariam ainda mecanismos para instituições religiosas em Santarém, Setúbal, Matosinhos ou Évora. Os outros casos anteriores seriam obra de mestres relojoeiros estrangeiros, que geralmente ficavam adstritos aos mecanismos que vendiam, pois só eles podiam garantir a manutenção dos mesmos. Eram relógios pesados, feitos em ferro, movimentados por pesos pendurados em grossas cordas.
Quanto ao relógio de Serpa, nada se sabe sobre o seu autor. Por via indirecta, apenas em 1625 o livro do Tombo do município fala dele: “Torre do relógio — tem este concelho mais uma Torre do Relógio desta vila com seus cuxuxos e o sino e o martelo e mais pertences a ele”. Tratou--se, desde o início, de um relógio municipal, não ligado a quaisquer igrejas, convento ou mosteiro.
Estava apoiado numa construção em tijolo, que não respeitou a esquadria da torre onde assentava. O seu tecto de abóbada nervada tem ao centro um escudo com quatro flores-de-lis e, ao meio deste, uma abertura com cerca de dez centímetros de diâmetro. A escada tem 52 degraus e, segundo apontamento escrito a lápis nalguns deles, foi renovada em 1871.
Nos livros de actas municipais, refere o investigador João Cabral, a primeira referência ao relógio propriamente dito ocorre em Março de 1672, quando a câmara faz contrato com Brás Lopes, carpinteiro, para o manter em bom estado, “temperando-o e assentando as peças miúdas”.
Mais tarde, em Junho de 1685, o “tempero do relógio e a afinação dos pesos e balanças” estavam a cargo de um tal “castelhano”, que “não fazia a sua obrigação”, pelo que foi substituído por Sebastião Rodrigues Ramos.
Em 1800 acordou-se na compra de um relógio novo, “que regule os serviços públicos e cómodo do povo” e que “fosse de meias horas e quartos e se fizesse um sino novo”. Porém, três anos depois foi deliberado o “arranjamento na ordem do relógio público”, o que demonstra que a compra não se fez. Depreende-se ainda que o mecanismo primitivo não dava as meias horas ou os quartos. Devia, como a maioria dos relógios de torre dessa época ter apenas um ponteiro, o das horas (o dos minutos era desnecessário, tal a falta de precisão), ou nem sequer ostentar mostrador, servindo apenas para fazer tocar os sinos.
Em 1840 o aferidor compareceu na reunião da Câmara e informou que o relógio estava avariado, “não sendo já susceptível de qualquer amanho”. O mecanismo primitivo teria durado, mesmo assim, quatro séculos. Foi encarregado o vereador Joaquim Manuel Teotónio de falar com o vereador António José dos Santos Miranda “para este se encarregar de saber, por intermédio do seu irmão José Elias, quanto custa um relógio”. Em Novembro desse ano o executivo camarário deliberava adquirir um novo relógio, batendo os quartos de hora, pelo preço de 550.000 réis, a pagar em duas prestações.
Em 1841 escreveu-se ao relojoeiro Nicolau António Fernandes, pedindo-lhe que “na ocasião da condução do relógio para esta vila, mande uma capa de chumbo para cobrir a caixa de madeira onde deve ficar dentro a máquina e que por semelhante despesa fica responsável”.
O relógio, que tem no mostrador interior gravados os dizeres “Romão & Comp.ª — LX 1841”, chegou acompanhado do filho do vendedor, que se encarregou da montagem do mecanismo, regressando a Lisboa em cavalgadura alugada a um tal José dos Santos, o que lhe custou 3.200 réis.
O relógio sofreu reparações em 1862 (por mestre Telesforo Bick), 1871 (António Francisco da Silva) e 1908 (Joaquim Alves)
Em 1936, a Câmara tomou conhecimento de que “o relógio público da torre, devido ao seu grande número de anos que tem de serviço, se encontra completamente arrasado e incapaz de continuar a servir”, tendo-se deliberado a compra de outro, por concurso. A ele concorreram Manuel Franscisco Cousinha, de Almada, que se propunha vender um por 13.000 escudos, com 10 anos de garantia, e António Loureiro Nelas, de Viseu, que vendia outro por 7.000 escudos e garantia de 12 anos. Mas a compra não se concretizou. Dois anos depois, nova proposta de compra de relógio é aprovada, mais uma vez sem que isso ocorresse.
Em 1949 foi pedida uma vistoria “às pirâmides do relógio, que ameaçam ruína”. Segundo escrevia João Cabral em 1971, “o actual relógio público tem 128 anos bem puxados. Os bronzes e dentes de várias rodas estão gastos e a pedir substituição, bem como os cabos de fios de arame entrançado que suportam os pesos”. Segundo nos informa a Câmara de Serpa, o relógio sofreu a última reparação em 1991. Quanto ao mecanismo do século XV, o mais provável é que tenha ido parar ao lixo, logo em 1841.
De qualquer modo, a pista para este fim-de-semana é Serpa, e não só pela sua Torre do Relógio. Para além de outros aliciantes, é em Serpa que há um Museu do Relógio, de que falaremos futuramente e que merece obviamente visita.
Para saber mais: História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (2003)
sábado, 5 de dezembro de 2009
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