Depois do Porto, foi a vez da apresentação, ontem, em Lisboa, do livro Diário dos Dias da Peste, de José Pacheco Pereira e outros Ephemeros, edição Tinta da China.
A apresentação decorreu no Anfiteatro de Química do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, na Rua da Escola Politécnica, no âmbito da exposição que a Associação Cultural Ephemera mantém até 21 de Novembro naquele espaço, dedicada à pandemia - aC / dC - Tempos de Pandemia.
Como explica José Pacheco Pereira:
Durante vários meses de 2020 e 2021, correspondendo aos
períodos mais duros do confinamento da pandemia de COVID‑19,
o ARQUIVO EPHEMERA enviou aos membros da Associação
Cultural Ephemera uma mensagem diária
sobre os fundos do arquivo. Para além
de pretendermos distrair — objectivo não irrelevante nesses dias cinzentos,
solitários e de medo —, queríamos também mostrar a diversidade dos fundos e o
trabalho colectivo do seu tratamento, usando exemplos do que por cá está,
tratados por quem cá está.
[…] Devemos recordar por uma razão (a mesma por que a
memória nos deveria servir todos os dias): no passado, em várias ocasiões, a
humanidade já passou pela experiência da praga, e em muitos aspectos aprendeu
sempre pouco com a história.
Os ‘ephemeros’ sabem isso bem, porque vivem no meio das
ruínas do tempo. Nestes dias, partilhamos essa habitação com os nossos amigos.
O psiquiatra Daniel Sampaio, ele próprio vítima do vírus SARS-CoV-2 (regista isso no livro Relato de um Sobrevivente), sentado no Anfiteatro de Química, recordando o ano de 1965, quando ali teve aulas, enquanto estudante de Medicina e no local funcionava a Faculdade de Ciências.
O psiquiatra apresentou o Diário dos Dias da Peste. Na mesa, da esquerda para a direita, Bàrbara Bulhosa (Tinta da China); Daniel Sampaio; Judite Alves, Subdirectora do Museu de Ciência; José Pacheco Pereira, fundador do Arquivo Ephemera.
Receita de arroz à valenciana, 1891
Esta receita é para o Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor
António de Castro 1891.
Receita do Arroz à Valenciana
Faz-se um estrugido de cebola picada, muito loira, mas não
queimada, pode levar qualquer ave assada, por exemplo galinha, frango, pato,
etc., presunto cozido, hortaliças, ervilhas, couve-flor, favas, pimentões,
tomates,
Deita-se tudo no estrugido, em seguida deita-se o arroz, e
dão-se-lhe algumas voltas até que tome bem a cor, depois leva a água, mas sempre
o dobro, se levar 2 xicaras de arroz deve levar 4 de água, se for pouca porção
leva 5 ou 10 reis de açafrão, torra-se primeiro e depois mói-se, e desfaz-se em
água, deita-se no arroz; deve levar 20 minutos a cozer, estando quase seco,
tira-se do lume e mete-se no forno a tomar cor.
Fim
Assinatura ilegível
Texto para o Ephemera Diário
Começa agitado o ano de 1891 em Portugal. A 31 de Janeiro, e
em ambiente ainda influenciado pela questão do Mapa Cor de Rosa e do Ultimato
Inglês do ano anterior, ocorre no Porto o primeiro movimento revolucionário que
teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal. Meses
depois, o país declara falência parcial, Reinava D. Carlos.
Esta receita chegou ao Arquivo Ephemera num espólio oriundo
de Viana do Castelo, mas nada mais se sabe sobre ela para além do que lá está
escrito. Datada de 1891, é dirigida ao “Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor
António de Castro” e tem autor com assinatura ilegível.
O arroz à Valenciana, a paella, é hoje um dos ícones da gastronomia
espanhola. Contrariamente ao que se poderia pensar, a receita original não leva
marisco. Nesta versão “portuguesa” de 1891 respeita-se a regra e não aparece
nela peixe ou marisco. A palavra “paella” deriva do valenciano e significa
“sertã”. O étimo é latino (patella). Trata-se de uma frigideira larga, de duas
pegas.
Para os investigadores culinários, a paella “é uma união
entre os romanos, que trouxeram o recipiente, e os mouros, que trouxeram o
plantio do arroz e do açafrão para a Península”.
Durante a Guerra Civil de Espanha, o lado revoltoso tinha
ordem para disparar contra os soldados (independentemente do lado a que
pertencessem) que estivessem a fazer uma paella a céu aberto nas zonas
desmilitarizadas. A razão: Valência
permaneceu leal à Segunda República.
Menus de ida e volta
Do espólio do Núcleo de Gastronomia do Arquivo Ephemera
Ementas dos navios Vera Cruz e Niassa, enquanto navios
requisitados pelo Exército para o transporte de tropas, no âmbito da Guerra
Colonial Portuguesa (1961 – 1974)
O Vera Cruz, de construção belga, pertenceu à Companhia
Colonial de Navegação (1922 – 1974) e esteve no activo desde 1952 a 1973. Foi
adquirido ao abrigo do célebre Despacho 100 (reorganização da marinha mercante
portuguesa, sob a égide de Américo Tomás, então Ministro da Marinha e futuro
Presidente da República).
Último navio a entrar ao serviço ao abrigo desse Despacho, em
1955, igualmente de construção belga, o Niassa pertencia à Companhia Nacional
de Navegação (1881 - 1985). Esteve no activo até 1978.
Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o
Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíje. O Niassa foi o primeiro
paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por
portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens,
chegando a realizar 13 num ano.
As ementas dizem respeito a uma viagem de Lisboa a Lourenço
Marques (Maputo), no Vera Cruz, em 1968; e a outra, no Niassa, em 1970,
presumivelmente de Lourenço Marques para Lisboa. Como chegaram ao Ephemera no
mesmo espólio, contam a ida e volta de um militar português que cumpriu uma
“comissão de serviço” no então Ultramar.
As ementas do Vera Cruz referem a sucessão de almoços e
jantares que vão de 25 de Julho a 9 de Agosto de 1968. No Jantar de Despedida,
de 7 de Agosto, está escrito à mão que a chegada a Lourenço Marques se deu no
dia seguinte. No verso de um dos cartões, apontamentos de uma partida de King…
Quanto ao Niassa, há mais pormenores: O Capitão de Bandeira
(militar que co-comandava o navio fretado pelo Exército), Capitão-Tenente
Manuel Jorge Marques Freire Bandeira Duarte (falecido em 2017, no posto de
Comandante de Mar e Guerra), e o Comandante do N/M “Niassa”, José Henrique
Gomes Vilão (filho de um embarcadiço de Ílhavo, da campanha do bacalhau) e seus
Oficiais, ofereceram no Sábado, 12 de Setembro de 1970, um jantar de despedida
“às Forças Militares que regressam à Metrópole”.
Dois meses depois, quando se preparava para mais uma viagem de transporte de tropas, o Niassa foi um dos alvos dos explosivos da ARA – Acção Revolucionária Armada, grupo clandestino ligado ao Partido Comunista Português. Nesse 20 de Novembro, a ARA atacou ainda a Escola da DGS (polícia política) e o Centro Cultural Americano.
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