Auto-Retrato
De português tenho a nostalgia lírica
de coisas passadistas, de uma infância
amortalhada
entre loucos girassóis e folguedos;
a ardência árabe dos olhos, o pendor
para
os extremos: da lágrima pronta
à incandescência súbita das palavras contundentes,
do risco claro à angústia mais amarga.
De português, a costela macabra, a alma
enquistada de fado, resistente a todas
as ablações de ordem cultural e o saber
que o
tinto, melhor que o branco,
há-de atestar a taça na ortodoxia
de certas virtualhas de
consistência e paladar telúrico.
De português, o olhinho malandro, concupiscente
e
plurirracial, lesto na mirada ao seio
entrevisto, à nesga de perna, à fímbria de nádega;
a resposta certeira e lépida a dardejar nos lábios,
o prazer saboroso e enternecido da
má-língua.
De suíço tenho, herdados de meu bisavô,
um relógio de bolso antigo e
um vago, estranho nome.
Rui Knopfli
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