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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Anuário Relógios & Canetas 2014 - grande entrevista a François Thiébaud, Presidente da Tissot e Presidente dos Expositores Suíços na Baselworld


O Anuário Relógios & Canetas 2014 trás uma grande entrevista a François Thiébaud, Presidente da Tissot.

O segredo do muito, do bom e do barato

Fernando Correia de Oliveira

À frente da Tissot desde 1996, François Thiébaud conduziu uma marca com 160 anos de história para níveis nunca antes atingidos – ultrapassou em 2012 os mil milhões de francos suíços em volume de negócios e deverá ter ultrapassado em 2013 os 4 milhões de relógios produzidos. Presidente dos Expositores Suíços na Baselworld, a maior feira do sector, Thiébaud mostra-se otimista – o melhor ainda estará para vir.

Com um T-touch num pulso e um Swatch Sistem51 no outro, François Thiébaud recebe-nos no seu escritório, no último andar do edifício histórico da Tissot, onde tudo começou, há 160 anos, em Le Locle. “Eu sou apenas o maestro da orquestra. Tenho sorte nos excelentes músicos com quem trabalho”, diz-nos este histórico da relojoaria, falando de uma empresa onde, como temos podido constatar, reina um ambiente familiar. Muitos casais, mas também pais e filhos e até netos orgulham-se de “criar” dinastia na Tissot, que pertence ao Grupo Swatch.

O facto de Thiébaud ostentar num dos pulsos um Swatch Sistem51, ainda em protótipo (seria lançado no mercado apenas em Novembro e a entrevista ocorre meses antes. Ver notícia noutra página) diz também do espírito de corpo que reina no próprio Swatch Group, ele mesmo a bater recordes sobre recordes na venda de relógios.

“Aqui, na Tissot, visamos o crescimento através de grandes volumes e não através de preços elevados”, sublinha Thiébaud. “Quanto mais vendemos, quanto mais podemos baixar os preços. Essa é a grande força da nossa marca”.

Como viu a edição 2013 da Baselworld, depois da ampliação e da renovação?

Tratou-se de um investimento enorme, não apenas da empresa proprietária da feira, mas também da maioria dos expositores, que renovaram os seis stands. Alguns, com autênticas obras de arte, concebidas por grandes arquitectos. Baselworld é hoje, também, um hino à arquitectura contemporânea.

Basileia é o local por excelência para um certame como este. Desde logo, não se imaginaria a maior feira mundial de relojoaria fora da Suíça. Isto, é como nos vinhos. É preciso respeitar o “terroire”, e este país tem o clima, o solo e as gentes necessárias e suficientes para produzir “grandes crus” quanto a máquinas do tempo. Há muitos, bons e variados vinhos, mas um Bordeaux será sempre um Bordeaux…. E unicamente feito na região de Bordéus.

Há bons relojoeiros que não são suíços, mas os melhores querem vir trabalhar para cá, não descansam enquanto não se instalam cá. As grandes marcas de griffe, como Cartier, Hermès, Chanel, Gucci ou Louis Vuitton, quando querem fazer relógios, instalam-se na Suíça. As marcas americanas de moda vêm para cá quando se trata de fazer relógios. É aqui que encontram a mão-de-obra especializada, que têm a cultura e o clima empresarial propício. Há todo um savoir-faire em relojoaria que a Suíça tem e é inigualável. É o vinho no seu “terroire”…

Mas há cada vez mais salões internacionais e regionais de relojoaria, muitos deles em países emergentes. A Baselworld não perderá importância?

Só na Suíça se respira um certo tipo de autenticidade relojoeira. Baselworld, como salão mundial desta indústria, só poderia ser na Suíça. Depois, em Basileia, porque a cidade fica no coração da Europa e não é uma cidade relojoeira, como Bienne ou Genebra. Estamos em território neutro, conhecido pela finança e não por fazer relógios. As marcas relojoeiras do Jura, de Genebra ou de Bienne podem vir a Basileia e sentir-se confortáveis. Uma Rolex, ou uma Patek Philippe, por exemplo, podem receber os seus clientes com mais atenção e conforto em Genebra, mas continuam a apostar numa presença forte em Baselworld porque é aqui que se mostra quem se é – ao próprio sector e ao mundo.

As marcas genebrinas independentes nunca iriam para o Palexpo [onde se realiza o Salão Internacional de Alta Relojoaria].

O Salão Internacional de Alta Relojoaria de Genebra nasceu em 1991, em reação de algumas marcas às condições que consideraram deficientes em Basileia. O SIHH é uma ameaça à Baselworld?

Não há termo de comparação. O Salão de Genebra nunca conseguiu atrair mais do que 20 marcas. Que respeito muito. Chegará um dia em que lhes diremos – voltem! Juntos estaremos melhor! Em Basileia, temos centenas de marcas. Desde a entrada de gama como a Swatch, até à Breguet ou à Patek Philippe. Isso é extraordinário – a feira serve a todos.

Estamos num sector de rara criatividade e vitalidade. Não se pode mudar a medida do tempo – horas, minutos, segundos, semanas, meses, anos… apenas podemos vestir roupas novas ao tempo. E, todos os anos, Baselworld surpreende com novo vestuário.

Nunca ouviu dizer que, de vez em quando, o cozinheiro de província tem que ir à cidade, para ver o que está a acontecer? Pois em relojoaria, quem quer saber o que se está a passar, tem que ir a Basileia… e não são apenas os que estão ligados diretamente à relojoaria. Designers querem ver os stands, há novidades nos expositores, que usam técnicas sofisticadas, a iluminação está a progredir, a embalagem é cada vez mais criativa, as campanhas publicitárias continuam a surpreender. Estamos na crista da onda, e não apenas no fabrico de relógios. Alguns dos cérebros mais criativos do mundo estão ao nosso serviço. A imprensa, mesmo a generalista, olha para a Baselworld como um acontecimento multidisciplinar, na área do luxo.

As novas tecnologias não irão desmaterializar eventos como a Baselworld?

Você pode consultar a Internet, ver modelos a 3 dimensões, viajar por dentro de boutiques, mas nada substitui o contacto direto com o relógio que vai escolher. O nosso negócio é muito emocional. Depois, para fazer negócios, o sector tem que se reunir, pelo menos uma vez por ano, fisicamente. É uma festa, e é em Basileia.

E os salões regionais, como o SIAR, no México, ou o SIHH Honh Kong?

Servem para dar a conhecer a relojoaria. A públicos ainda pouco habituados a este tipo de acontecimentos. A pessoas que nunca poderão deslocar-se a Basileia. Só servem para ajudar. O sonho também deve fazer parte do nosso quotidiano. Mas Basileia será sempre a capital mundial da relojoaria. E a Suíça o “terroire horloger” por excelência.

A indústria relojoeira suíça não está demasiado dependente da China?

Desde logo, acho que não podemos descurar os mercados tradicionais, como Portugal, por exemplo. Eles continuam a ser importantes, e até crescem por receber turismo consumidor de luxo. Na verdade, a Ásia no seu todo permitiu que a relojoaria helvética se desenvolvesse e crescesse nos últimos 20 anos. Mas não é negligenciável a abertura da Europa do Leste e da Rússia. Este bloco não comprava um único relógio suíço, tinha a sua própria produção, para consumo interno. Hoje, temos consumidores cada vez mais rico e informados, que querem ter um relógio suíço.

Isso leva à questão das novas regras, para reforçar o conceito de Swiss Made. Qual a sua posição?

É um esforço que vem desde há vários anos, que começou a ser falado entre a Rolex, o Swatch Group, o Richemont Group e outros grandes do sector. Nós não temos ouro, diamantes e pedras preciosas também não é coisa que abunde nos Alpes… mas um relógio, para ser Swiss Made, tem que ser concebido, montado na Suíça, ter o controlo de qualidade cá. Devemos, mais uma vez, respeitar o “terroire”. A regra é atualmente de haver pelo menos 60 por cento do valor acrescentado suíço, mas deveríamos aumentar para 70 ou mesmo 80 por cento. Isto, por respeito ao consumidor, que quando compra Swiss Made, está convencido de que compra um relógio suíço. É como comprar vinho português. A garrafa pode ser feita noutro lado, o rótulo impresso do lado de lá do mundo, mas espero que o vinho seja português. Posso pagar mais caro, mas é normal que pague mais caro por um vinho de “terroire”, não?

O protecionismo do Swiss Made é necessário. Precisamos de perpetuar o savoir-faire que foi pacientemente adquirido e acumulado ao longo de gerações. Além disso, a Suíça goza de uma imagem muito positiva aos olhos dos consumidores, e isso é uma vantagem fundamental. Costumo dizer à minha equipa: os nossos consumidores podem ter até o dinheiro para comprar, mas sem confiança no produto, não compram. A confiança é mais importante que o dinheiro. Mesmo que o reforço do Swiss Made faça encarecer os relógios ou encoraje a deslocalização de marcas de gama mais baixa, continua otimista quanto à indústria relojoeira suíça?

Claro. Repare nisto: a indústria relojoeira suíça representa apenas 3 por cento da produção mundial de relógios, em volume. Nos próximos dez a quinze anos prevejo que possamos crescer até uns 10 por cento. Isso significaria produzir mais 30 a 100 milhões de relógios por ano, um verdadeiro desafio industrial. Penso que cada manufatura poderá triplicar a quantidade que produz, sem fazer grandes alterações. Temos um potencial de crescimento incrível.

É já respondendo a esse desafio que a Tissot lança o novo caliber Powermatic 80?

Sim. Este novo calibre, com autonomia para 80 horas e um comportamento excelente em termos de isocronismo, é um melhoramento do calibre 2824 da ETA. Foi um trabalho conjunto de pesquisa e desenvolvimento. Pode dizer-se que é mesmo revolucionário, pois não precisa de acerto e passa facilmente o certificado COSC de cronometria. Esperamos ter um preço muito competitivo, pois estamos a falar de uma base industrial, de centenas de milhares de calibres produzidos por ano.

O lema da Tissot tem sido “luxo acessível”. Não é um conceito gasto?

Meu caro, nós fomos os primeiros a falar deste conceito, e temos sabido interpretá-lo muito bem. Quando falamos de luxo, normalmente pensa-se num estilo de vida limitado a um número muito restrito de pessoas. É algo a que se aspira, mas a que nunca se chega. Ora, não será positivo permitir que muita gente tenha acesso a esse pequeno luxo que é comprar ou oferecer um relógio?

O luxo não é forçosamente caro. Há luxos como a democracia, a água potável, o ter que comer. Para muita gente no mundo, isso continua a ser um luxo. Até agora inacessível. Ter um relógio suíço, ter um Tissot, é um luxo que queremos seja acessível a milhões de pessoas.

Terminada a entrevista, saímos do gabinete, subimos umas escadas e vamos dar ao terraço do edifício, aproveitando um dia de sol. François Thiébaud olha para a paisagem, aprecia as tonalidades de verde e castanho, pontilhadas de quintas e fábricas, de um certo “bucólico industrial”, tão especial na Suíça.

E atira: “Sabe, nós somos os padeiros nesta engrenagem”. E explica que está a citar o homem que fundou o Swatch Group, Nicolas G. Hayek. “Fazemos pão todos os dias. O negócio corre bem, pedimos dinheiro emprestado ao banco, para um forno novo. Com o novo forno, já somos capazes de fazer bolos, ao domingo, para ganhar algum dinheiro extra. Mas estamos sempre a fazer pão. É que, sem bolos, vive-se. Sem pão, é que não!”.


Com mais de 30 anos de carreira no sector da relojoaria, o francês François Thiébaud licenciou-se em gestão no IGC de Paris e começou na Rectus-Hora, uma empresa francesa especializada na produção de calibres tipo Roskopf. Em 1979, com a crise do quartzo a quase extinguir a indústria relojoeira francesa, muda-se para a Suíça, onde trabalhou durante 13 anos na Breitling. Em 1992, muda-se para a Juvenia, onde fica, até entrar para o Swatch Group, em 1996, para chefiar a Tissot. Desde 1997, é também responsável pelas marcas Certina e Mido. É Presidente do Comité de Expositores Suíços e membro do Comité Consultivo da Baselworld.

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