Hipotecas. Vencimentos. Moratórias rogadas e negadas.
Malvadez de credores, Ponto final.
Dentre os salvados da quinta do Alto Minho, um relógio de
caixa viera deixar de trabalhar para a casa citadina da
senhora.
Explicou:
— Os relógios de pesos são muito difíceis de acertar.
E prosseguiu:
— Em pequenita, eu tinha um sonho, um sonho muito
esquisito e que se repetia sempre...
Eu disse:
— Sim?
Ela:
— O relógio — este que o senhor está a ver — batia —
claro, isto no sonho — vinte e quatro badaladas. Abria-se
então
a porta da caixa e saía uma coisa assim. Não lhe sei dizer.
Era
uma coisa em forma de... Assim.
A senhora arredondava para mim gestos indefinidos.
Continuou:
— Eu acordava sempre nesse momento do sonho, assustada e
alagada en suor. Que acha o senhor que poderia ser?
Tropecei no cliché «alagada em suor».
Disse:
— Não sei. É difícil saber.
Olhei para o relógio. Imaginei-o sonhado pela adolescente
que vivera naquela mulher. Depois desinteressei-me desses
não-pensamentos. Construí, então, outra ilha de palavras.
Durante a construção, ela descruzou e escancarou as
pernas, mas a sua atitude, bem diferente da que parecera
assumir
ao princípio, era a de quem queria devolver-me, a todo o
custo,
esse que fora o meu pai.
Alexandre Oneill
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