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sábado, 16 de setembro de 2023

Nos 200 anos da morte de Abraham-Louis Breguet, o maior relojoeiro de todos os tempos

Abraham-Louis Breguet 

Passam este domingo 200 anos sobre a morte de Abraham Louis Breguet (Neuchâtel, 10 de Janeiro de 1747 — Paris, 17 de Setembro de 1823), considerado o maior relojoeiro de todos os tempos

Há 100 anos, em 1923, por esta altura foi criado um Comité do Centenário dedicado a esta figura, que organizou em França e na Suíça importantes manifestações, que culminaram numa exposição parisiense, no Museu Galliera, inaugurada pelo Presidente da República francês,  Alexandre Millerand.

Hoje, a marca Breguet pertence ao suíço Swatch Group, o maior do mundo no sector da Relojoaria.

Recordamos o que escrevemos em 2019 para Mecânica do Tempo - Os Relógios da Colecção Medeiros e Almeida, onde dedicamos o capítulo de abertura a Breguet e aos relógios que aquele museu de Lisboa possui. Começamos com um poema pouco conhecido, de Gonçalves Crespo, onde ele refere o genial relojoeiro.


No mundo de Abraham-Louis Breguet

 

O relógio

 

Ebúrneo é o mostrador: as horas são de prata,

Lê-se a firma Breguet por baixo do gracioso

Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata:

Nela o esmalte produz um quadro delicioso.

 

Repara: eis um salão: casquilho malicioso

Das festas cortesãs o mimo a flor, a nata,

Junto a um cravo sonoro a alegre voz desata.

Uma fidalga o escuta ébria de amor e gozo.

 

Rasga-se ampla a janela: ao longe o olhar descobre

O correcto jardim e o parque extenso e nobre.

As nuvens no alto céu flutuam como espumas,

 

Da paisagem no fundo, em lago transparente,

Onde se espelha o azul e o laranjal frodente,

Um cisne à luz do sol estende as níveas plumas.

 

Gonçalves Crespo (1846-1883)

 

Sem os seus exemplares Breguet, a colecção Medeiros e Almeida seria boa, interessante. Com eles, passa a ser excepcional, constituindo uma das mais importantes em mãos privadas a nível mundial. Abraham-Louis Breguet (1747 – 1823) foi, não apenas um brilhante relojoeiro e inventor, mas também um hábil e inovador homem de negócios. A meio da sua vida, e vivendo em Paris, assiste à Revolução Francesa. E se a História do mundo se pode dividir num “antes” e “depois” da revolução de 1789, também a história da Relojoaria se pode dividir num “antes” e “depois” de Breguet.

Abraham.Louis Breguet nasceu em Neuchâtel, Suíça. Com apenas 11 anos, perdeu o pai. A mãe casou-se depois com um primo, Joseph Tattet, que era relojoeiro. A família Tattet tinha relações comerciais com a França e. com 15 anos, Breguet já se encontra, como aprendiz de relojoeiro, em Versailles. Aprende aí com mestres como Ferdinand Berthout, seu conterrâneo, ou o francês Jean—Antoine Lépine.

Protestante, Breguet renuncia a essa religião e casa-se em 1775, em Paris, com Cécile L’Huilier, cinco meses mais nova. Com o dote da noiva, como era então uso entre os artesãos, instala-se por conta própria numa casa onde vive e trabalha, na île de la Cité, perto da Pont-Neuf, no Quai de l’Horloge, hoje nº 39.

É o contacto com o abade Marie, cujas aulas de matemática Breguet frequenta, no Collège Mazarin, que lhe abre as portas da Corte. O abade apresenta-o ao rei Luis XVI e à rainha Maria Antonieta. O relógio nº 2, o mais antigo conhecido fabricado por Breguet, foi feito em 1782 para a rainha.

Teorizando, Breguet escreveu que os avanços e aperfeiçoamentos em relojoaria se podem agrupar em três categorias:

1 – Invenções de formas, de disposições mais ou menos agradáveis, cómodas e sedutoras.

2 – Invenções de solidez, que tornem os relógios mais resistentes, que durem mais tempo, e que façam mais baratas as reparações.

3 – Invenções que aumentam a exactidão dos relógios e que combatem as causas da irregularidade, como variações de temperatura ou de posição.

Breguet inovou em todos estes campos. Desde logo, na estética. Depurou mostradores e caixas de ornamentos supérfluos, arrumou as indicações de forma equilibrada e elegante, diminuiu a espessura dos calibres (e, assim, das caixas), tornou os ponteiros mais finos, concebendo mesmo uma forma que depois se tornou clássica (inventada por volta de 1783, com um círculo oco e excêntrico quase na ponta).

Depois, na resistência, inventou o “pare-chute”, um sistema anti-choque para o órgão regulador (balanço/espiral), através de suspensão elástica. Conta-se um episódio, talvez apócrifo, de Breguet, no meio dos convidados, em casa de Talleyrand, a mandar para o chão o seu relógio e a mostrá-lo depois, continuando a trabalhar, como se nada tivesse acontecido. A pequena anedota correu os salões de Paris e, mesmo que não tenha ocorrido, teve efeitos de publicidade…

Mas é no melhoramento da exactidão dos relógios que Breguet apresenta mais soluções, fazendo dele o maior relojoeiro de sempre. Deu nova forma às espirais, tornando-as mais isócronas e fáceis de regular. Inventou, em 1795, o sistema dito de turbilhão, patenteado em 1801. Consiste em colocar o órgão regulador numa gaiola que roda completamente a cada minuto, anulando assim os efeitos da gravidade. Produziu um escape de força constante. Entre muitas outras invenções.

No entanto, terá sido o sistema dito “perpétuo” que no início, o catapultou para a fama na corte de Versailles. Este sistema de dar corda ao relógio, através de uma massa oscilante, é o precursor dos modernos sistemas de calibre automático usados nos relógios de pulso.

As melhorias de fiabilidade e legibilidade que introduziu em complicações astronómicas como calendários perpétuos ou equações do tempo não ofuscam os avanços que conseguiu em complicações sonoras, como sonneries, repetições minutos e alarmes.

É dele a invenção da “montre à tact”, sistema engenhoso de ver as horas através do tacto – o relógio, com um só ponteiro, saliente, no topo da caixa, que gira, pode ser consultado. A escala das horas, meias horas e quartos, no bordo, é também saliente.

Iniciada em 1793, uma das suas invenções mais fascinantes é a dos relógios ditos simpáticos. Começou por apresentar um conjunto de relógio de pêndulo / relógio de bolso, em que o segundo acerta automaticamente a hora quando colocado num dispositivo que encima o primeiro. Em 1810 apresenta o mesmo tipo de conjunto, mas agora, além de acertar o relógio de bolso, o sistema dá-lhe igualmente corda.

Os relógios Breguet desde cedo começaram a ser vítimas de falsificações. Além de manter em livros os registos de todos os relógios produzidos e o nome do comprador, Breguet inventou um sistema de assinatura secreta, no mostrador, vista apenas de determinado ângulo.

Durante a Revolução Francesa Breguet fica, naturalmente sem clientes. E ele próprio corre risco de ir parar à guilhotina. Consegue sair de França, com a família, em 1793, com um salvo-conduto emitido por influência de Marat.

Regressado à Suíça, estabelece-se no Locle, onde continua a trabalhar em invenções. Mas tem a intenção forte de regressar a Paris, apesar dos riscos que ainda poderá correr. Fá-lo em 1795, encontrando as oficinas saqueadas e as máquinas destruídas. Mas volta a erguer-se.

Os antigos clientes, ou tinham morrido na guilhotina, ou tinham fugido, ou estavam agora pobres. Breguet demonstra o seu génio comercial quando lança, em 1796, os chamados relógios “Subscrição”. Como o nome indica, os futuros compradores adiantavam uma soma de entrada, inscreviam-se. Pagavam o restante no acto de entrega do relógio. Estes Breguet são de construção simples, sólidos, fiáveis, de grande diâmetro e com um só ponteiro, o das horas, mas que permite, mesmo assim, a leitura de horas e minutos. Com menos peças no calibre, mas sempre com a qualidade e estética Breguet, tinham preços mais acessíveis.

Depois da Revolução, Napoleão e família foram dos maiores clientes de Breguet, que tinha, entretanto, fabricado relógios de viagens de grande resistência e exactidão. Napoleão leva consigo um exemplar para a campanha do Egipto. E recomenda aos seus oficiais o uso deles, para que possam sincronizar os ataques nos campos de batalha.

A casa Breguet, já com o filho e um neto a continuarem o negócio, tinha atingido fama mundial. As cortes inglesa, russa ou otomana faziam encomendas sucessivas. Contribuindo para uma globalização do luxo.

Abraham-Louis Breguet passou 60 dos seus 77 anos de vida em Paris. David S. Landes, historiador norte-americano que defende a invenção do relógio mecânico tão ou mais importante que a máquina a vapor na posição cimeira do Ocidente durante séculos, diz: “Enquanto Breguet viveu e continuou a trabalhar, Paris foi a capital mundial do relógio”.

O grande coleccionador Sir David Solomons escreveu uma vez: “Sempre que uso um relógio Breguet, tenho o sentimento que trago comigo alguma parte do cérebro de um génio”.

Manuscritos de Breguet

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