As vinte e cinco máquinas de escrever da grande sala dos escritórios da Companhia Inglêsa faziam lembrar vinte e cinco pianos na hora apoteótica de um grande concerto musical. Todas as dactilógrafas interpretavam a ópera do trabalho de correspondência, fazendo bailar incessantemente os dedos nervosos sôbre os teclados das letras. E o matraquear dessas cinquenta mãos, embora afogado numa estranha confusão de ruídos, marcava um ritmo que transpirava actividade e desejo de viver. [...]
Quando o velho relógio marcou a hora solene do meio-dia, o
peito de todas as raparigas sentiu-se descomprimido de uma pesada inquietação.
Chegava, finalmente, o instante da sua libertação, que não duraria mais do que
duas horas, mas que a-pesar-de tudo, lhes chegaria de sobra para correrem a
casa, debicar o almôço, e, logo a seguir, aparecerem num jardim ou numa praça
onde as esperava o noivo, para adormecerem num rápido sonho de felicidade!...
[...]
Maria Fernanda, a dactilógrafa negra, a única figura negra
naquela grande população de empregados brancos, desceu no último elevador e, ao
chegar à porta da rua, ficou surpreendida de não ver o Humberto, o noivo, à sua
espera."
Guedes de Amorim - A BAILARINA NEGRA (novela). Lisboa,
Empreza Nacional de Publicidade, 1931.
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