Comprem por paixão
Ao longo dos últimos 30 anos temos sido recorrentemente abordados por uma pergunta que nos deixa intimamente irritados, mas a que, obviamente, respondemos com calma e moderação. “É um bom investimento comprar este relógio?”
Encarar a aquisição de um relógio como um simples
investimento, de que nos desfazemos quando achamos oportuno, muitas vezes sem o
usar, vai contra a paixão e a cultura relojoeira que apreciamos, que temos
desde a adolescência – o nosso primeiro investimento num relógio, mecânico,
claro, foi feito em 1975, quando adquirimos em Lisboa um cronógrafo automático
(cuja marca omitimos, pois jornalistas não fazem publicidade), por um preço
equivalente a três ordenados do que ganhávamos na altura. E que veio substituir
outro relógio mecânico, com que fizemos todo o ensino secundário, e que tinha
sido a tradicional prenda dos pais no final do ensino básico (e que continua
connosco, a funcionar).
Face à bolha relojoeira actual – com 3 ou 4 marcas a baterem
recordes nos leilões de peças não apenas vintage, mas também contemporâneas,
com alguns modelos a terem anos de espera para poderem ser comprados – o tema
da especulação torna-se premente.
Essa especulação, por um lado, beneficia o sector, com a
publicidade que se tem dado a recordes sucessivos, a estudos que referem ser
muito mais rentável investir em relógios do que em outros bens.
Mas, do outro lado da moeda, está o aumento generalizado dos
preços, tornando impossível a camadas mais jovens terem acesso a relógios
mecânicos. E, se, como é natural, essas faixas etárias procurarem peças com
“estatuto” para ostentarem nos pulsos, o lado aspiracional está hoje muito mais
distante do que há uma década.
É que há uma diferença muito grande entre comprar um relógio
mecânico procurando prazer íntimo e, ao mesmo tempo, dar sinais de “estatuto” a
terceiros; e pura e simplesmente adquirir peças que os “especialistas” dão como
refúgio seguro em investimento, sem sequer gostar de relógios… É como investir
em vinho sem ser para o beber (e há muito que isso se faz, mas sem afectar
tanto todo um sector, como está a acontecer com os relógios).
Procure com a hashtag #rolexmarathon e veja o que está a
acontecer no Japão: é a chamada Maratona Rolex. Um “desporto” de tipo novo.
Às gerações mais jovens, e à minoria (sempre foi assim) que
gosta de relógios mecânicos – resta investigar o mundo das pequenas marcas,
independentes, algumas até centenárias, que a preços razoáveis, continuam a
disponibilizar peças que, podendo não dar “estatuto” nem ser um investimento
material, nunca deixarão de ser aquilo que sempre deveriam ser – um
investimento por paixão, sem taxas de rentabilidade agarradas. E uma porta de
entrada no mundo maravilhoso da medição do Tempo através da mecânica pura.
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