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sábado, 23 de maio de 2020

Arquivo Ephemera - Núcleo do Tempo - A primeira referência em português ao segundo como unidade de tempo?


Do Arquivo Ephemera - Núcleo do Tempo: o Almanaque Bertrand para 1910 inclui um artigo sobre o astrónomo e matemático jesuíta Eusébio da Veiga, o último professor da célebre Aula da Esfera.


Num dos seus opúsculos, relatando as observações feitas durante o eclipse solar de 26 de Outubro de 1753, encontramos referência à unidade de tempo segundo (quando os minutos e segundos de arco, como se designavam os graus dos ângulos, há milénios que eram referidos). Isso só é possível devido ao avanço da exactidão em relojoaria, ao pêndulo, a orgãos reguladores de tipo novo, como o inventado poucos anos antes por George Graham, o chamado "escape de segundos mortos".

Em História do Tempo em Portugal (2003), fazemos referência a Eusébio da Veiga e a esse opúsculo.

A primeira utilização registada da noção de segundo

Em 1755 publicava-se em Lisboa um folheto científico onde se dava conta de um eclipse parcial da Lua, observado nesta cidade a 27 de Março desse ano. Eram seus autores os jesuítas Eusébio da Veiga e José Teixeira. Dos dois, Eusébio da Veiga é o mais conhecido. Professor de Matemática no colégio de Santo Antão de Lisboa, quando a ordem foi extinta, passou a presbítero secular. Sendo incluído na proscrição geral dos seus confrades, decretada por D. José em 1759, saiu de Portugal para Roma, e aí viveu o resto dos seus dias. Foi Correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa.

Barbosa Machado não faz referência a obras suas, Inocêncio refere o Planetário Lusitano, calculado para o ano de 1757 e o Planetário Lusitano explicado em problemas e exemplos práticos, para melhor inteligência do uso das Efemérides, que para os anos futuros se publicam no Planetário calculado, e com as regras necessárias para se poder usar dele, não só em Lisboa, mas em qualquer meridiano. Para uso da náutica e astronomia em Portugal e suas conquistas, publicado em Lisboa no ano seguinte. Diz Inocêncio que “a este sábio jesuíta devemos pois as primeiras Efemérides regulares e metódicas, que em Portugal se publicaram, coordenadas por modo que não tinham que invejar às que então se haviam por mais perfeitas na Europa, isto é, às de Paris, dadas pela respectiva Academia das Ciências, e às de Bolonha”. E acrescenta que “a sua inesperada e não merecida expulsão do reino o impediu de prosseguir neste trabalho, que prometia continuar nos anos futuros”.


Como Barbosa e Inocêncio não referem o opúsculo científico sobre o eclipse solar, pensamos que ele nunca terá sido analisado posteriormente. Há um exemplar numa miscelânea da Biblioteca Nacional.

O que o opúsculo tem de interessante, resume-se a dois factos: prova que Portugal, e especialmente os jesuítas, estavam tão avançados como o resto da Europa no capítulo da astronomia, que eram capazes de fazer relógios dos mais modernos para o tempo, que os auxiliavam nas suas observações. Nota curiosa, trata-se da primeira vez que detectámos, em documentos escritos portugueses, a noção do segundo como unidade de tempo. (84)

Escrito em latim, o opúsculo, que terá tido uma edição limitada e uma circulação nacional muito restrita (embora deva ter circulado pela cadeia de relações dos jesuítas, que se centralizavam no Colégio da ordem, em Roma), foi editado “com autorização superior”, nas oficinas de Miguel Manescal da Costa, que também deu à estampa as Efemérides de Eusébio da Veiga.


Logo a abrir, uma indicação surpreendente: “Para a medição do tempo, foi construído um relógio com oscilador do tipo Graham”. Ora, o relojoeiro inglês com esse nome acabara de inventar há poucos anos essa melhoria extraordinária, que iria tornar mais exactos os relógios a partir de então. Os jesuítas portugueses estavam a par desses desenvolvimentos tecnológicos e, mais, sabiam como aplicá-los.

“No que diz respeito ao método de achar o tempo médio, foram feitas observações em Janeiro, baseadas nas posições da estrela Rigel e da estrela média no céu, Orion”, prossegue a explicação.

No dia do eclipse, “a noite estava tranquila, o céu sem nuvens e a lua brilhante”, descrevem os astrónomos portugueses. A observação foi feita “com um telescópio de 18 palmo de comprimento e 10 de largura”, sendo observadas a partir dele as imersões e emersões sequentes.

Segue-se depois a descrição do fenómeno, acompanhada de tabela cronológica. E é aí que encontramos, decerto numa das primeiras vezes que tal ocorre em Portugal, a menção às horas, aos minutos e aos segundos. Os relógios da Idade Média só tinham ponteiro das horas, assinalando quando muito e de forma sonora as meias horas ou os quartos. A exactidão das máquinas (ou a falta dela) não dava muito sentido à existência de um ponteiro indicando os minutos, quanto mais os segundos. Mas para que é que se observava, nesses tempos, um eclipse. Era a maneira mais exacta que se tinha de se achar a longitude de um local. Toda a Europa andava nessa batalha da determinação da longitude e a sua determinação no mar ainda era mais difícil.



Com a projecção da sombra da terra na superfície da lua, com a anotação rigorosa dessa sequência de desaparecimento de locais e posterior reaparecimento, com os tempos correspondentes, medidos ao segundo, obtinha-se um conjunto de dados. Comparados com outro conjunto semelhante, produzido pelo mesmo eclipse, num outro local, conseguia-se determinar com exactidão a longitude, através do cálculo da diferença de tempos.

Imagine-se a Terra como um gigantesco mostrador, com 360 graus, dividido em 24 zonas, correspondentes às 24 horas de um dia. Ao girar, ela faz de “ponteiro”. Desde que se conseguisse ter máquinas com isocronismo suficiente, bastava fazer os cálculos das diferenças de tempos entre sítios diferentes para se saber a longitude respectiva.

Eusébio da Veiga e José Teixeira registam o início do eclipse numa determinada zona da Lua, pelas 10 horas, 34 minutos e 27 segundos da noite. Segue-se a descrição do percurso da sombra da Terra na superfície lunar, até uma “Maxima obscuratio Lunae”, pelas 11 horas, 54 minutos e zero segundos. A Lua ficou nessa máxima sombra durante sete minutos e 42 segundos. Depois das imersões, segue-se o relato cronológico das emersões, ou seja, da saída da Lua da sombra. Há um “Finis umbrae verae”, que se poderá traduzir por “fim da sombra verdadeira” às 01:58 (madrugada do dia seguinte) e um “finis penumbrae densioris” às 01:14:04.

Mas, para a determinação da longitude, observar o eclipse apenas em Lisboa não serviria de nada. Assim, o folheto informa que o fenómeno foi igualmente observado pelo jesuíta Dionísio Franco, em Évora, no Real Colégio Jesuíta dessa cidade. Ali, a observação foi feita com um “tubo óptico” de 20 palmos de comprimento. Franco transmitiu depois para Lisboa as observações das fases e da evolução das sombras, oportunamente apontadas, podendo assim fazer-se comparações com as anotações feitas em Lisboa e assim escrever-se “a distância de tempo entre os meridianos das duas urbes”.

O folheto compara em seguida a altura exacta em que começou o eclipse em Évora e Lisboa, conseguindo-se com isso uma “distância meridiana de tempo”. Faz-se nova comparação, agora com a “sombra máxima” de determinada zona lunar. São feitas mais três comparações de tempo para imersões ou emersões semelhantes.

O relato termina dizendo que, se as observações foram acuradas, “somando aritmeticamente as diferenças máximas e mínimas, a distância do meridiano de tempo entre Lisboa e Évora é de 6 minutos e 31 segundos”. Esse tempo, como já foi explicado, tem uma tradução em graus, sendo assim que se achava o valor da longitude de um local. Até que os satélites e o posicionamento triangular trouxeram o GPS...

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