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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Meditações - o relógio de parede

FABULA 141

0 relogio de parede

Vendo pela vez primeira
Um relogio numa feira,
Dos que chamam de parede,
Chega-se um lapuz e pede
Lhe digam o que é aquillo.

— Um relogio; assim se chama
Póde vocé 'star na cama
Muito ás escuras, e ouvil-o
Dizer as horas que são.
Repara então.
Mais attento,
No relogio o tal lapuz
E responde: — Eu cá suppuz
Ser cousa de catavento,
Pois muda a cada momento,
Ora á esquerda ora á direita.
Obra será mui perfeita,
Mas eu vejo que desfaz
O que faz;
Por mais que você m’o atteste,
Não me parece que preste.
— Venha cá, faça favor,
Lhe dizem: Olhe você
Mais acima; e alli vê
Uma chapa com signaes,
Que se cnama o mostrador.
Pois mostra a hora que for;
E dois braços deseguaes,
Chamados os dois ponteiros,
Que nelle apontam certeiros,
Um todas as horas dadas,
Outro os minutos passados
Anda para ambos os lados
Isso que ahi vê mexer,
Sessenta vezess contadas;
E então
Um dos ponteiros andou
Um só passo; e póde ver
Correndo o circulo inteiro
Entretanto o companheiro
Vagaroso caminhou
D'um ao outro dos signaes
Que allí as horas declaram,
Nos caminhos deseguaes
Ambos pois elles gastaram
Uma hora que passou,
Que nao pode voltar mais
— 0 que me esteve a contar
Tanto monta para mim
Como se ouvisse miar
Um gato no meu teIhado;
Brada o labrego enfadado:
Será isso tudo assim;
Mas, se o olho não me mente,
O que eu vejo claramente
É fazer
E desfazer.
Adeus! Temos conversado!
E foi-se mui convencido
De que lhe haviam mentido.

Vês o mesmo acontecer
Com muitos, que nao lapuzes;
E que, embora tenham luzes,
Não podem, não querem ver.
Que o processo
Natural á humanidade
No conseguir a verdade
É a accão
E a reacção,
Que o verdadeiro progresso
Em resultado lhe dão.

Moral: Nunca devemos olhar a intervalos transitórios de regresso, mas sim ao andar dos anos e dos séculos; e para quem não for moço, ainda bastará o princípio da sua vida. Demais devemos atender ao resultado geral, e não chorar por qualquer cousa que se pedeu temporariamente, pois se ela for boa e necessária , há-de voltar, embora modificada na forma.

in Fabulario composto e dedicado a sua alteza real O Príncipe D. Carlos, por Henrique O'Neill, Visconde de Santa Mónica, 1885. Pista dada por Paulino Mota Tavares (arquivo Fernando Corrreia de Oliveira)


Henrique O'Neill (1821-1889), descendant of an Irish family that arrived in Portugal during the eighteenth century, was a distinguished and literate man. After receiving his degree in law from Coimbra he taught Portuguese at Göttingen, then returned to Lisbon to enter the judiciary. O'Neill counted among his acquaintances Alexandre Herculano and Antonio Feliciano de Castilho, and belonged to the Academia Real das Ciências de Lisboa and the Instituto de Coimbra. In 1873 he became perceptor of D. Carlos and D. Afonso, the sons of D. Luis I, and veador of Maria Pia of Savoy, D. Luis's consort. For these services he was named Visconde de Santa Monica.

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