A esse tempo, no céu alto e lavado a estrela
de alva fenecera por fim, e o horizonte começava de
carminar-se ao de leve. Por todo o céu em cúpula, a
luz fresca e viva da manhã vibrava harmonias
estranhas que iam despertar tudo: a cor da
paisagem e a música dos ninhos, cantigas de
perdizes e rumor de gente por moinhos e atalhos.
Manhã de Verão, serena, tranquila, dulcíssima. Ia
pelo ar um movimento extraordinário de asas –
passarada alegre que saia agora dos ninhos e voava
a matar a sede à borda das ribeiras, andorinhas que
deixavam as suas casinholas em recôncavos de
rocha e tomavam para hortejos convizinhos onde a
vegetação era mais rica de seiva e mais fácil a presa
de insectos, perdizes gralhadoras que iam de monte
em monte, tordos, poupas, melros. Nos vinhedos
das encostas, por entre os renques verdejantes,gente em mangas de camisa ia fazendo as
vindimas. Pelos caminhos, em torcicolos, viam-se
os que desciam aos moinhos, tangendo machos
carregados de taleigos, e berrando-lhes cada xó!
que se ouvia na outra ladeira. Já nas povoações
próximas sinos chamavam para a missa de alva ou
tocavam a ave-marias. Nas quintas e casais
fumegavam os tectos, dizendo horas de almoço. De
modo que o Sol quando rompeu, solene e triunfante
no céu imaculado, encontrou muita vida pelos
campos, toda a natureza acordada para a labuta
interminável do dia.
Trindade Coelho, Os Meus Amores
quarta-feira, 2 de outubro de 2019
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