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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Relação entre Relojoaria e Joalharia na revista Turbilhão

Já está disponível o número de Inverno da revista Turbilhão. Como habitualmente, contribuímos para esta edição. Um dos artigos versa a relação ente a Relojoaria e a Joalharia.

Jóias animadas

Fernando Correia de Oliveira

A beleza da precisão, aliada à precisão da beleza. Ou os milagres da micro-mecânica escondidos no interior de pulseiras, colares, pendentes, anéis… Relógios de segredo, pavées de dimantes, cravações em padrões coloridos, todo um mundo do relógio-jóia, onde os saberes se fundem.

Pierre-Augustin Caron (1732 - 1799) é mais conhecido pelo apelido que passou a usar na parte final da vida, quando casou, saiu de Paris, e passou a viver em Beaumarchais. E também por ter escrito os libretos O Barbeiro de Sevilha ou As Bodas de Fígaro. Mas, filho de relojoeiro, também ele o foi. Frequentou a corte de Luís XV, fez relógios para o rei. E para a favorita do monarca, Madame de Pompadour. Um deles, um relógio embutido num anel, “o mais pequeno que até agora fiz”, diz nas suas memórias. “Para tornar o anel mais cómodo, imaginei em vez da chave um círculo em redor do mostrador, com uma pequena saliência; ao empurrar essa saliência com a unha até aproximadamente dois terços do mostrador, dá-se corda ao relógio, que fica com autonomia para 30 horas”.

Este é apenas um exemplo da relação perene que a relojoaria teve, desde sempre, com a ourivesaria e a joalharia. A utilização de metais e pedras preciosos em relógios – eles mesmos objectos raros, caros, luxuosos e acessíveis a poucos – vem desde os primórdios da relojoaria de uso pessoal, cerca de 1500, quando a mola helicoidal permitiu uma nova força motriz para os maquinismos, até aí dependentes da gravidade e de pesos pendurados por cordas.

Os chamados Ovos de Nuremberga, com caixas e mostradores muito trabalhados, nas versões de mesa ou de pendurar ao pescoço, incluem desde cedo decorações com pedras preciosas.

Como tivemos ocasião de recordar em artigo anterior, a ligação da relojoaria à joalharia tem também raízes na religião. Vítima das perseguições aos huguenotes na França, João Calvino fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. As suas pragmáticas contra o Luxo, enquanto governava a cidade com mão de ferro, induziam a vestuário sóbrio, escuro, e à proibição de artigos ostentatórios como as jóias.

Para contornar essas limitações, os artífices passaram a produzir relógios ricamente ornamentados, autênticas jóias, onde a função de medição do tempo era apenas o pretexto para o uso de objectos demonstrativos do estatuto social. Passam a estar na moda relógios de segredo – de senhora, e onde o mostrador está escondido, apenas aparecendo, a pedido, num anel, numa pulseira, numa chatelaine. Para a sua produção, são convocados os joalheiros mais hábeis, capazes de cravações pavée e de outras técnicas que escondem por completo a base das peças.

Um factor que contribuiu para o uso cada vez mais generalizado da joalharia em relojoaria foi a Expansão Portuguesa, em África, mas sobretudo no Brasil. Originárias deste país, inundando a Europa, e a partir de Lisboa, passaram a estar disponíveis diamantes e “pedras novas”, designação de gemas até então desconhecidas do continente.

Um suíço, natural de Neuchâtel, David de Purry, instala-se em 1736 em Lisboa, onde funda um banco. Mas o seu principal objectivo é o comércio de extracção e venda de diamantes brasileiros. Os diamantes no Brasil são descobertos em 1725, mas a Coroa esconde o achado por alguns anos, e faz da exploração um monopólio estatal. Em 1735, esse monopólio passa a ser concessionado a particulares e de Purry, com boas relações em Londres, onde a maior parte das pedras preciosas mundiais se transaccionam, acha que tem aqui grande oportunidade de negócio.

Amigo do Marquês de Pombal, de Purry consegue ter o monopólio dos diamantes do Brasil entre 1750 e 1752, fazendo igualmente comércio de madeiras preciosas da Amazónia. O terramoto de 1755 apanha-o de visita a Londres, mas a sua fortuna fica reduzida – três quartos dos seus bens são destruídos.

Profundamente comprometido também no comércio de escravos, recupera e, em 1762, torna-se banqueiro da Coroa, a quem concede dois empréstimos volumosos. Morre na capital portuguesa, em 1786. Durante os 50 anos que viveu em Lisboa, David de Purry foi sempre um dos homens mais ricos de Portugal.

Grandes casas joalheiras, como Cartier, Boucheron, Chaumet, Harry Winston, Tiffany ou Van Cleef & Arpels, sempre procuraram parcerias com as melhores casas relojoeiras, que lhes fornecem maquinismos de grande qualidade. Também manufacturas relojoeiras tradicionais, como Breguet, Vacheron Constantin, Audemars Piguet ou Piaget têm tradição no relógio-jóia. Um aspecto não tão glamoroso, mas crucial na história da relojoaria – o uso de pedras preciosas na melhoria do comportamento dos mecanismos. Estamos a falar, concretamente, de rubis.

As pedras em relojoaria são utilizadas para servirem de “almofada” perfurada aos pontos fixos onde assentam as pontas dos eixos das peças móveis. Evita-se assim o contacto de metal com metal, diminuindo o atrito, permitindo um olear melhor e mais duradouro. Em relojoaria, essas pedras chamam-se, por razões históricas, rubis.

É em Londres, por volta de 1700, que o genebrino Nicolas Fatio usa pela primeira vez rubis nessas funções. Esta inovação permitiu muito para a melhoria da relojoaria inglesa no decurso do século XVIII.

Antes de 1902, as pedras usadas nos relógios são autênticos rubis, com dureza 9, logo abaixo da do diamante. E estas pedras preciosas são limitadas na montagem dos maquinismos por meras razões de economia. Só com a invenção, nesse ano, do rubi sintético, pelo francês Auguste Verneuil, se assiste à massificação do seu uso em relojoaria. Mesmo assim, até aos anos 1970, e por razões de marketing, os mostradores dos relógios de pulso proclamam quantos rubis os seus calibres têm. Quantos mais, maior a percepção de qualidade por parte do consumidor final, embora a relação nem sempre seja verdadeira. Também as palhetas da âncora do escape são feitas de rubi.




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