Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Meditações - Não tenho palavras para o futuro

ad finem

Não tenho palavras para o futuro, mesmo o passado, do nosso esforço. Esse esforço (e o Destino) e não elas criará, se o criar, esse futuro. Por isso as minhas últimas palavras não são proféticas, mas exortativas. Dirijo-as aos que queiram acompanhar-me, e aos dois que fiz mestres, nesta tarefa redentora. Dirijo-as um pouco a mim próprio, e ao poeta a quem acompanho, para que esse dever, escrito neste livro, corra menos risco de que o esqueçamos. Todas elas se resumirão em uma advertência. O nosso dever sabemos nós; o nosso fito compreendemos; os nossos inimigos sabemos quem são.

Não nos deixemos, porém, arrastar pela compreensão de quanto o nosso espírito se não conforma com a nossa época. É justo que nos isolemos, porque o que podemos dar a este mundo, ele não o quer; nem ele nos pode dar aquilo que, se pedíssemos, lhe pediríamos. Não podemos, pois, como pagãos, participar da vida da cidade, ou das coisas da época activamente. Até este ponto é justa e própria a nossa atitude negativa.

Não passemos, porém, além deste ponto. Isolando-nos, por uma higiene do espírito, dos homens e dos cuidados do nosso tempo, cuidemos bem em que não tomemos o isolamento em si por um bem, nem, dentro do nosso espírito ponhamos, entre nós e a humanidade, aquela fronteira que é forçoso que tracemos entre nós e a humanidade presente.

Que o nosso isolamento seja doloroso, para que seja nobre; porque nós devemos ser isolados por amor à humanidade e à pátria, e não por indiferença a elas; por amor da pátria do pagão isolados da pátria degenerada e cristista que, sejamos os nacionais que formos, o destino nos deu, a nós de hoje, que habitássemos. Deve doer-nos deveras a degeneração e a torpeza em que a humanidade caiu, com o cristismo; não devemos ser indiferentes a que ela seja assim, ou de outra maneira.

De outro modo não seremos dignos da estatura de pagãos, nem do nome, que devemos merecer, de servos dos Deuses, de escravos submissos do universal Destino. Seremos apenas homens de um período da decadência, superiores pelo instinto da libertação, mas não pela prática, dentro em nós, desse instinto.

Digo isto porque tão altos e claros espíritos como Caeiro e Ricardo Reis não deixaram de pecar neste ponto. A que fim superior serve dizer — e antes de dizer, pensar — como Caeiro:

(...)

António Mora (Fernando Pessoa)

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