domingo, 20 de agosto de 2017
Mestre Fortes, relojoeiro há 60 anos, resiste na Baixa de Lisboa
Não eram precisos vidros duplos na janela pombalina até que... chegaram os tuk-tuks, com estação de recolha ali mesmo ao lado. Sérgio Caires Fortes, à beira de completar 73 anos, sorri e mostra-se, apesar de tudo, condescendente com esta intromissão no seu quotidiano de sossego e concentração: "É malta nova, simpática, deu nova vida à zona".
Num terceiro andar da Rua dos Douradores, mestre Sérgio, como é conhecido, passa as horas a consertar, manter e restaurar relógios de todos os tipos. À hora de almoço, num ritual sem excepções, vai a uma pequena tasca em frente - cinco, seis mesas acanhadas - onde um casal do Norte lhe serve cozido à portuguesa, bacalhau com todos e demais vitualhas clássicas do redctângulo luso. Sem que - até agora, valha-nos o santo patrono das tabernas - tenha o local aparecido em qualquer roteiro "in".
Mestre Sérgio, nascido em Angola, pertence à quarta geração de uma família de relojoeiros. Os Fortes tiveram no Luso (actual Luena), as principais ourivesarias e relojoarias da região - a Star e a Confiança, sendo então representantes de marcas como Omega, Longines, Tissot, Breitling, Certina, Universal Genève ou Enicar.
Com a descolonização, ficaram sem nada. "Saquearam as lojas, toda a existência desapareceu", diz-nos, sem querer adiantar muito mais memórias desses tempos. Como centenas de milhares de outros, veio para Portugal. Instalou-se com oficina em Gouveia, região de origem dos Fortes. Mudou-se depois para a Moita. E, em 1984, instala-se na Baixa Pombalina da capital.
Com o antigo 5º ano do liceu como habilitações, aprendeu desde muito novo o mister de relojoeiro com o avô e o pai. Começou a trabalhar nas oficinas da família em 1957. Há 60 anos, pois, que lhe passam pelas mãos relógios de pulso, de bolso, de mesa, de parede, de caixa alta...
"Ainda há duas semanas limpei o calibre e a caixa de um Patek Philippe, cronógrafo, que foi depois a leilão, lá fora", indica, sem dar muitos pormenores. O mercado dos relógios vintage sobreaqueceu na última década, os relojoeiros reparadores experientes são cada vez mais solicitados para das assistência a máquinas com 50 ou 60 anos, mas há toda uma zona cinzenta em torno de peças, referências, ferramentas que lhes vão prolongando a vida...
A Baixa de Lisboa, com as suas ruas dos ourives do ouro e da prata, assim denominadas desde a Idade Média, sempre foi uma zona de instalação de relojoarias, ourivesarias, joalharias, de furnituras (as casas que fornecem as peças para os relógios). Tudo isso tem vindo a desaparecer e, mesmo hoje, com o reviver do bairro recriado a régua e esquadro pelo iluminismo de Pombal, fecham os pequenos comércios de cambistas, gravadores, relojoeiros... para dar lugar a lojas de paquistaneses e bangladeshis a vender galos de barcelos e camisolas do Ronaldo... enquanto os andares de cima, fechados há décadas, reabrem para hostels e regimes de Airbnb. (ver aqui)
Sérgio Caires Fortes, e mais alguns outros, de que iremos falando, para resgatar a Memória de uma certa Baixa, vão resistindo à vaga turística, em autênticas "cápsulas do tempo". Um portefólio do estaminé de mestre Fortes, para memória futura.
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