Kaas pegou no relógio e viu de repente naquele objecto um espantoso buraco no meio do compartimento, onde o tempo se concentrara. Encostou o olho direito ao relógio como que na esperança de ver algo, além das horas que aparentemente aquele objecto indicava. Com o olho encostado ao vidro que protegia os ponteiros, Kaas imaginava-se um fazedor de catástrofes, através da mera imagem que daquele momento lhe ocorreu: a introdução estranha, inesperada, de uma única das suas longas pestanas naquele outro universo aparentemente separado e mecânico: os ponteiros indicadores das horas, dos minutos e dos segundos. Uma pestana minúscula que fosse capaz de baralhar o tempo e o funcionamento normal dos dias.
Gonçalo M. Tavares, Jerusalém (p. 88)
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