[...] As primeiras informações chegadas a Portugal sobre os relógios
de Huygens
O gosto da corte dos Bragança por relógios de uso pessoal
era grande. D. Francisco de Melo e Torres, conde da Ponte e marquês de Sande
(1610-1667), no decorrer da sua longa carreira diplomática enquanto embaixador
de Portugal em Inglaterra, recebeu da nobreza portuguesa encomendas várias,
nomeadamente de relógios. Diz-nos Theresa M. Schedel de Castello Branco: “Além
das compras que fazia para si, não faltava ocupação ao Embaixador com as
encomendas que choviam de Lisboa. A Condessa de Cantanhede entregara-lhe à
partida uma lista inesgotável, e constantemente se lembrava de novo objectos,
coisas que muitas vezes não se encontravam em Inglaterra. ‘Brincos de alambre’
tinham que vir da Alemanha, ‘fitas de palmo e meio de largo’ é coisa que ‘não
se acha em toda a Inglaterra’, só mandando fazer um tear especial, relógios de
bracelete ‘não é cousa que aqui vi a nenhuma Senhora, mas escrevo a França e
logo virão’. Também relógios de esmalte, que a mesma pretendia, só em França se
fabricavam, e os outros que pusera no rol eram ‘tão tamaninos’ que não havia
dinheiro que os pagasse […] A encomenda mais usual tanto de homens como de
senhoras era de relógios, ou de prata, ou de oiro, e guarnecidos a diamantes,
estes últimos, já se vê, para a Condessa de Cantanhede. Os relógios de ouro
lisos eram os mais usados, escrevia Melo ao Bispo de Targa. Havia-os
trabalhados, mas estes só se faziam de encomenda e eram caros, desde 100 mil
réis. O Bispo pediu um dos mais baratos e Melo enviou-lhe um ‘com mostrador de
ouro com caixa, e cadeia do mesmo, tudo obra lisa’ que custou 40 mil e
seiscentos réis; para o Conde de Miranda foi um com caixa e cadeia de prata,
que custou 28 mil e seiscentos réis”. [22]
Em fontes portuguesas, será a primeira vez que são referidos
relógios de pulso. Por um lado, a técnica relojoeira tinha permitido a
miniaturização dos calibres. Por outro, o relógio de pulso foi, de início,
objecto exclusivamente feminino, quando a moda fez subir as mangas e o pulso
apareceu como espaço a preencher por este tipo de relógio-jóia. Só a partir da
Primeira Guerra Mundial, e por motivos militares (consulta mais prática da
hora, em detrimento do modelo de bolso) o relógio de pulso vai lentamente conquistando
o público masculino.
Na troca de correspondência entre o marquês de Sande e D.
Fernando Teles de Faro, então embaixador de Portugal nos Países Baixos, Theresa
M. Schedel de Castello Branco refere: “Curiosa neste contexto é a menção de um
dos novos relógios de pêndulo inventados em 1657 por Christian Huighens. D.
Fernando Teles de Faro comprara um desses relógios quando chegou a Haia. Melo,
que ainda não ouvira falar neles, pedia pormenores. Respondia-lhe D. Fernando:
‘é uma invenção nova, que achou um moço, que aqui há, de boa qualidade, que
chamam Mr. De Zulicomen’. Distinguia-se pelo facto de ‘em lugar de volante ter
um perpendículo, e faz o movimento das horas, que é só o que mostra. A fábrica
é muito pouca e com facilidade se poderá consertar em toda a parte quando
quebra, porém, é tão justo que passam dois meses sem que seja necessário
adiantá-lo ou atrazá-lo. Mas é necessário que esteja sempre a perpendículo. O
que eu tenho é de mola, dá horas, e mostra os minutos, custou-me II livras
esterlinas, vai 40 horas. Outros há que mostram também os segundos, e sendo de
pesos vão oito dias’” [23] Trata-se também da primeira alusão em fonte
portuguesa ao relógio de pêndulo.
O relógio de Teles de Faro era de mesa, tinha de estar
sempre na vertical e era de corda, com autonomia para 40 horas. Ele fala ainda
da aplicação do pêndulo a relógios cuja força motriz era a gravidade, e que
tinham autonomia para oito dias. Apenas com o uso do pêndulo, e com os
respectivos ganhos em isocronismo, se torna possível em relojoaria mostrar os
segundos.
[22] CASTELO BRANCO, Theresa Schedel, A Vida do Marquês de
Sande, 1972, p. 257.
[23] ibidem, pp. 257-258. Christian Huighens ou Huygens
nascera em Zuylichem, o que explica o nome de “Zulicomen” dado por D. Fernando
Teles de Faro.
Extrato de Correia de Oliveira, Fernando, Introdução do
Relógios Mecânico em Portugal, Tese de Mestrado, Faculdade de Ciências,
Universidade de Lisboa, 2022, aqui.
A referência feita na carta de D. Fernando Teles de Faro é omissa quanto ao espiral, apenas referindo a novidade do pêndulo. Mas o diplomata não deixará de ter sido um dos primeiros clientes do cientista holandês. Seria, obviamente, interessante, saber o paradeiro deste relógio.
Sem comentários:
Enviar um comentário