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segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A história dos cronómetros de marinha na revista Turbilhão


Já está nas bancas mais um número da revista Turbilhão. Um dos artigos que lá publicamos diz respeito aos

Cronómetros de marinha

Harrison, Newton, Galileu, Huyghens, Breguet… O problema do achamento da longitude no mar

Fernando Correia de Oliveira*

A questão das longitudes terá sido, segundo muitos historiadores da ciência, o problema tecnológico mais importante de todos os tempos, não somente pelo seu impacto económico como, também, pelos séculos que resistiu à solução. A solução estava na Relojoaria.

Qualquer local na Terra pode ser claramente identificado por duas coordenadas, que se cruzam: a latitude e a longitude. Desde cedo o problema da latitude foi resolvido, tanto em terra como no mar, ou pela medição da altura do Sol, ou pela medição da altura de outras estrelas ou planetas, à noite. No entanto, a questão da Longitude, mesmo em terra, demorou mais tempo a ser resolvida, devido à dificuldade de parâmetros fixos para a sua medição. Quanto ao achamento da Longitude no mar, a bordo de um qualquer navio, a questão revestiu-se de crucial importância a partir do momento em que a navegação deixou de se fazer com a costa à vista, por início do período da Expansão portuguesa, no início do século XV.

Duas aproximações, desde sempre, foram tentadas para a resolução deste problema da determinação da longitude no mar: a solução puramente astronómica, a solução astronómica com o auxílio da mecânica, mais propriamente recorrendo-se à arte de medir o tempo, a relojoaria.

O problema das longitudes ocupou durante séculos os saberes e as imaginações, sendo estudado intensamente como um problema exclusivamente astronómico entre 1600 e 1800. Os esforços que mobilizou levaram ao enorme desenvolvimento da Matemática no século XVIII e lançaram os fundamentos da ciência moderna. Neste sentido, a questão das longitudes terá sido, segundo muitos historiadores da ciência, o problema tecnológico mais importante de todos os tempos, não somente pelo seu impacto económico como, também, pelo tempo que resistiu à solução.

Na verdade, a questão da determinação da longitude no mar ganhou ao longo dos tempos uma tal aura de impossibilidade que se comparou este problema se apresentava tradicionalmente a par de outras questões míticas, como sendo a quadratura do círculo ou o moto continuo.

Com a urgência cada vez maior em se conseguir uma solução para o problema – a falta de uma medição exacta da longitude levava os navios a navegarem quase às cegas, julgando-se muitas vezes a milhas da costa quando estavam prestes a chocar com ela, como acontecia frequentemente – os monarcas europeus aceitavam nas suas cortes gente vinda de todas as paragens, sábios, astrónomos, matemáticos, mas também lunáticos, aventureiros, que se dispunham a resolver a questão.

Um exemplo: em Portugal, sabemos de um tal Felipe Guillén, boticário de Sevilha, que chegou a Lisboa em 1525 e se apresentou a D. João III, que o recebeu com grande expectativa. Dizia ele que resolveria a questão da determinação da longitude no mar através da variação da agulha na bússola. Descrito como “muito entendido e engenhoso, grande jogador de xadrez”, o espanhol chegou a receber dinheiro do monarca. Mas foi rapidamente desmascarado como charlatão, e preso, quando se preparava para fugir. O escândalo foi tal, na época, que até Gil Vicente dedicou umas trovas ao atrevido, onde o pai do teatro português goza com a figura de quem prometia “tomar o sol pelo rabo em qualquer hora do dia”, mas que não fora mais do que boticário “hasta ver esta ciudad” (Lisboa).

Desde muito cedo se sabia que uma hora de diferença de tempo solar corresponde a 15º de diferença de longitude, Leste ou Oeste segundo o lugar que tem a hora mais tardia. Assim, a diferença horária entre dois lugares é exactamente traduzível na diferença de longitudes. Se o tempo medido a bordo de um navio tivesse como termo de comparação o tempo nesse dado momento no ponto de partida, com cálculos simples se saberia a que longitude se encontrava a embarcação. Esta aproximação, tendo o tempo como instrumento, não tinha até então sido viável, porque os relógios mecânicos eram pouco exactos em terra, quanto mais no mar, sujeitos a balanços, humidade, variações drásticas de temperatura. Até muito tarde o tempo a bordo foi medido com o recurso a ampulhetas. Mas um pequeno atraso, uma desatenção na contagem das voltas por parte do marinheiro encarregado da ampulheta, e o tempo a bordo deixava de ser exacto, acumulando desvios de horas… que, traduzidos em graus de longitude, davam centenas de milhas de diferença.

Quem primeiro teorizou sobre a possibilidade de se trazer a bordo, “congelado”, o tempo do ponto de partida, em terra, foi Gemma Frisius, em 1530, mas a teoria ficou adormecida durante dois séculos, dado que não havia relógios mecânicos suficientemente exactos para serem úteis a bordo – para serem instrumentos aceitáveis, teriam que obedecer a parâmetros de exactidão de mais ou menos três segundos por dia, quando as máquinas mais exactas excediam, em terra, largamente nos séculos XV e XVI margens de erro de mais ou menos três minutos diários.

Só a partir do italiano Galileu, por volta de 1595, se ficam a conhecer as leis isócronas do pêndulo. E é apenas com o holandês Christian Huyghens (1629-95) que, em 1629, o pêndulo passa a ser aplicado aos mecanismos de relojoaria. O primeiro relógio feito especificamente com o propósito de se achar a longitude no mar foi construído em 1660. Esta máquina, que não chegou aos nossos dias, mas cujos esquemas estão completos, foi inventada por Huyghens. O relógio, equipado com uma corda em espiral, escape e pêndulo, conseguia manter-se em equilíbrio, apesar de quaisquer balanços do navio. Huyghens fez vários exemplares e chegou a testá-los, de 29 de Abril a 4 de Setembro de 1663, numa viagem feita de Londres a Lisboa. Este capítulo quase ignorado, indirectamente relacionado com uma História do Tempo em Portugal, está registado no Museu Britânico. Os exemplares maiores trabalharam de forma mais ou menos regular, mas os mais pequenos pararam frequentemente e tiveram que ser desmontados, limpos e oleados durante a viagem. De qualquer modo, os relógios marinhos de Huyghens não provaram a sua exequibilidade e foram sendo abandonados. Em 1707, mais de 2000 homens morreram quando quatro navios britânicos se afundaram ao largo das ilhas Scilly, a sul de Inglaterra. O caso chocou a opinião pública inglesa e o Parlamento de Londres promulga em 1714 uma lei oferecendo um prémio de 10 mil libras esterlinas “por qualquer instrumento idóneo para determinar a longitude com o limite de um grau; de 15 mil com o limite de 40 minutos; de 20 mil com o limite de 30 minutos”.

Astrónomos ilustres, como Newton, lançaram-se na corrida. Na acta da primeira reunião da Comissão de Longitudes, que iria supervisionar os candidatos, o próprio Newton, seu membro, afirma que “para a determinação da longitude no mar, tem havido vários projectos, verdadeiros em teoria, mas difíceis de executar”. E acrescenta: “Um deles, é o de utilizar um relógio, mantendo o tempo exacto. Mas devido à movimentação do navio, à variação do calor e do frio, à secura e à humidade, e à diferença de gravidade em diferentes latitudes, tal relógio ainda não foi fabricado”.

Seria, no entanto, um carpinteiro autodidacta, John Harrison (1693-1776) quem, desafiando o “establishment” e a inveja dos poderosos, conseguiu construir um relógio com pêndulo “giratório”, que consistia em nove pesos de vários metais, que eliminava assim os efeitos das mudanças de temperatura. O H1 tinha apenas corda para um dia. As partes móveis estavam contrabalançadas e, pela primeira vez, o relógio era independente do efeito da gravidade. Este aparelho de grandes dimensões pesava 33 quilos. Em 1735, Harrison levou o H1 até Londres e mostrou-o à comunidade científica, que se dividiu entre o cepticismo e a inveja. Um ano mais tarde, e é por isso que esta epopeia da longitude terá que se incluir sempre numa História do Tempo em Portugal, o H1 parte para Lisboa, a bordo do navio Centurion. Esta e a viagem de regresso fizeram-se sem incidentes, tendo o H1 provado. Tanto que a comissão do prémio decidiu adiantar a Harrison 500 libras para que ele pudesse prosseguir os seus estudos e experiências. Durante os 18 anos seguintes, Harrison realizou os H2 e H3, relógios que nunca foram experimentados em mar. Mas, em 1759, nasce a obra-prima, o H4, destinado a ser um ponto de referência na história da relojoaria. Tinha apenas 13 centímetros de diâmetro e estava colocado numa caixa de madeira. O relógio seguiu viagem a bordo do Deptford, com o filho de Harrison, William, que em 1761 zarpou para a Jamaica.

E, se Lisboa tinha sido escala na estreia do H1, a ilha da Madeira viria a ser desta vez escala nesta viagem do H4, que se demonstrou triunfal. À sua chegada à Jamaica, depois de 5 meses de viagem, o relógio, tendo em conta as correcções estabelecidas por Harrison, tinha acumulado um atraso de apenas 5 segundos, equivalente a um cinquentésimo de grau. Mas o genial carpinteiro teve que esperar mais dez anos para receber o prémio entretanto reclamado. Apesar do sucesso inicial, a entrada do cronómetro a bordo dos navios foi lenta, devido ao seu custo elevado e à prudência que ditava a necessidade de haver até três dessas novas máquinas a bordo, para se conseguir um erro menor, mediante médias ponderadas.

Em 1858 passava a funcionar em Lisboa o chamado Balão do Arsenal, que indicava, a partir de um sinal emitido pelo Observatório Astronómico da Ajuda, a hora de Lisboa, que servia para que os navios ancorados no Tejo acertassem os seus cronómetros.

Segundo relatos coevos, logo que ocorria a queda do balão, ao meio-dia médio, disparava também uma pequena peça de artilharia e faziam-se ouvir os apitos das embarcações ancoradas no Tejo, “manifestação que correspondia a um grito de festa, com que, por momentos, a cidade se animava”.

O Balão do Arsenal deu o seu derradeiro sinal à uma hora do dia 31 de Dezembro de 1915.

O problema da longitude no mar só foi verdadeiramente resolvido, na prática, quando, no início do século XX, o sinal horário começou a ser recebido a bordo, pela TSF. Assim, podia determinar-se diariamente o chamado ‘estado do cronómetro’, que corresponde ao número de horas, minutos e segundos que se deve acrescentar ou diminuir à hora dada pelo cronómetro, para termos a hora de Greenwich.

Quanto ao posicionamento no mar, com as localizações via satélite, vulgo GPS (Global Positioning System), todo o romantismo que rodeou a “batalha da longitude” foi mais ou menos esquecido, mas grandes manufacturas relojoeiras continuam a fabricar hoje luxuosos e caros cronómetros de marinha, em metais raros e dentro de caixas de madeira preciosa, num hino a um dos mais belos instrumentos de medição do tempo que alguma vez a mente humana idealizou.

Caixa

Abraham-Louis Breguet e os cronómetros de marinha

Ao longo da sua carreira o suíço Abraham-Louis Breguet liderou praticamente todos os capítulos da medição do tempo, sendo por muitos considerado como o maior relojoeiro de sempre. Ele exerceu a quase totalidade da sua actividade em França, tendo ganho a admiração do rei Luís XVIII, que em 1814 o nomeia membro do Bureau das Longitudes, em Paris. Desde cedo Breguet se torna numa autoridade no campo do cálculo da longitude no mar. Consequentemente, em 1815, o rei nomeia-o Fornecedor Oficial de Cronómetros para a Marinha Real francesa.

Indo beber na tradição do seu fundador, a casa Breguet lança um relógio de pulso evocativo desses tempos, o Marine Équation Marchante 5887. Esta “Grande Complicação” inclui a Equação do Tempo (indica, ao longo do ano, a diferença – de -16 a +14 minutos – entre a hora solar verdadeira e a hora civil).

Com caixa de 43,9mm, de platina (também disponível em ouro rosa), o 5887 é um Calendário Perpétuo com Turbilhão e 80 horas de autonomia. Tem roda de escape, escape e espiral de silício.

*Jornalista e investigador




2 comentários:

O Barão do Toupeiral disse...

Bom dia.

Apreciei o seu artigo, de eminente cariz e valor divulgador sobre a questão da Longitude, ainda que essencialmente historiográfico e com uma compreensível métrica de introdução temática como sucede nas páginas da revista Turbilhão.

Em 2001 descobri o livro «Longitude - A Verdadeira História de um Génio Solitário que Resolveu o Maior Problema Científico do seu Tempo»
de Dava Sobel e editado em Portugal pela Temas&Debates, que me levou a reflectir, enquanto matemático, sobre como conceitos geofísicos essenciais como a Longitude são tratados maquinalmente no ensino de massas, não os aprofundando devidamente, não os contextualizando historicamente, e sobretudo não os relacionando com grandezas físicas outras da maior relevância, como sucede com o Tempo.

Um bem haja pela sua esclarecedora contribuição introdutória sobre a Longitude, que assim surge mais iluminada nas páginas de uma revista do Tempo.

António José C. C. R. Faceira

Fernando Correia de Oliveira disse...

Obrigado pelas suas palavras. Sobre a relação entre a Longitude e o Tempo, poderá também ver https://estacaochronographica.blogspot.pt/2015/04/ha-dez-anos-comunicacao-academia-das.html
cpts
fco