O Fora de Série, suplemento mensal do Diário Económico, que sai hoje, é dedicado à China e à sua sede pelo luxo. Estação Cronográfica contribuiu com um artigo de análise.
Do novo ao antigo, desde que seja caro, os chineses querem
Os melhores compradores do mundo
Fernando Correia de OliveiraSão muitos, gastam muito, viajam cada vez mais. Têm uma moeda cada vez mais forte, a actividade que mais apreciam é uma ida às compras. Os chineses são a menina dos olhos da indústria do luxo. E são ocidentais que, perante tudo isto, ficam de olhos em bico.
Os nomes Beijing Poly e China Guardian dizem-lhe alguma coisa ? Provavelmente, não. E, no entanto, elas são as quarta e quinta casas leiloeiras maiores do mundo, apenas ultrapassadas pelas históricas e ocidentais Sotheby’s e Christie’s. Estabeleceram-se no ranking em apenas cinco anos ou seis, embora trabalhem exclusivamente para o mercado interno.
Em tempos de incerteza e de risco económico e financeiro, os investidores recorrem classicamente aos chamados “valores seguros” e as obras de arte, as antiguidades, continuam a fazer escola. Há uma década apenas, os grandes investidores chineses nessa área resumiam-se a cidadãos de Hong Kong, Taiwan ou Singapura. Mas, a partir de então, tem sido crescente o número de chineses continentais a investir.
Até agora, esmagadoramente em porcelanas e outros artefactos chineses. Mas começa a perceber –se o interesse dos novos ricos de Beijing ou Shanghai em Arte Moderna ocidental, em jóias, em relógios. E, como se sabe, o “efeito chinês” é sempre dramático. Os relógios de bolso – por exemplo. Tiveram uma relativa depreciação dos mercados tradicionais, nos últimos anos. Mas o súbito interesse de chineses em peças Breguet ou Patek Philippe do século XIX tem feito subir muito os preços nos últimos leilões internacionais. Falemos de outros “valores seguros”, diamantes.
A entrada em força em cena dos consumidores indianos e chineses no mercado global da joalharia vai alterar muitas das regras actuais, faz notar um relatório da autoria de Jonathan Kendall, Director Operacional da De Beers.
"Prevê-se que, em 2015, a Índia e a China representem o mesmo (30 por cento) que os Estados Unidos no consumo de jóias com diamantes. A quota do Japão deverá cair dos actuais 12 por cento para 8 por cento", diz ele. Ora, isso só pode significar aumento dos preços. O mundo está mesmo a mudar o seu eixo, para leste…
Se o leitor é amante de carros, estará decerto atento às novidades dos Salões Automóveis de Genebra, de Paris… Poi terá que passar a estar atento, antes de mais ao Beijing Auto Show. A edição deste ano confirmou-o como um dos mais importantes do circuito, com os seus 230 mil metros quadrados, mais de 2 mil expositores e… 36 novidades em primeira mão, vindas de marcas multinacionais. Os 800 mil visitantes ficaram a saber, primeiros que europeus, norte-americanos ou japoneses, de modelos que há um ano ou dois teriam sido lançados primeiro no Ocidente.
Na batalha do luxo, a China tem “um pequeno problema”. Os seus consumidores têm dinheiro, cada vez mais, mas compram sobretudo marcas estrangeiras. A China não tem marcas de luxo e o Made in China não traduz, de maneira alguma, conceito de luxo. Bom… se não há marcas chinesas, por que não ir ao mercado comprar? E é o que, paulatinamente, de forma mais ou menos discreta, investidores chineses têm feito. Exemplos – a lendária De Tomaso, empresa italiana construtora de carros desportivos é desde Janeiro de um grupo de investimento chinês; um outro adquiriu a maioria do capital da também italiana Ferretti, construtora de iates de luxo.
Com o euro a perder, desde o início de 2012, cerca de 15 por cento em relação à moeda chinesa, o yuan, essas compras tornam-se cada vez mais fáceis. Passemos de novo aos relógios. Desta vez, de pulso, e contemporâneos.
Todos os anos, o Digital Luxury Group divulga os resultados de 15 marcas do sector de Alta Relojoaria no WorldWatchReport™, o principal estudo de mercado na indústria da relojoaria de luxo. As principais conclusões do estudo, edição de 2012: a China já é o principal mercado para a Alta Relojoaria, com 25 por cento do bolo, ultrapassando pela primeira vez os os Estados Unidos, que representa 21 por cento; Singapura é o país com mais conhecedores e coleccionadores de relojoaria per capita. As marcas de relógios mais procuradas nos motores de busca são, por ordem decrescente: Longines, Omega e Rolex. Na joalharia, Cartier, Swarovski e Tiffany. No luxo generalista, Louis Vuitton, Chanel, Dior, Hermès, Gucci, Burberry, Coach, Armani, Prada e Versace.
As principais projecções internacionais sobre o luxo são unânimes – A China contará para cerca de um terço do crescimento o crescimento do sector em 2012. Mas os chineses não compram apenas no seu país. Calcula-se que os turistas, especialmente asiáticos, sobretudo chineses, representem entre 30 e 60 por cento das vendas do luxo na Europa, dependendo dos países em causa. O LVMH, o maior grupo de luxo do mundo, sabe que cerca de 15 por cento dos seus compradores finais chineses o fazem fora da China. Os chineses a comprar em sistema “tax-free” cresceu 79 por cento em Março, comparado com igual mês de 2011, a taxa de crescimento mais elevada de um país, tornando-os nos maiores gastadores livres de impostos – 21 por cento do bolo mundial.
Na Europa, aquilo que os chineses mais procuram são relógios, jóias e artigos de moda. Segundo estudos europeus, cada chinês gasta em média 11 mil euros em viagem à Europa, Hong Kong ou Singapura. As compras, aliás, são, segundo inquéritos feitos, a actividade mais popular dos chineses no estrangeiro. Respondendo a esta procura asiática, a estratégia das multinacionais do luxo tem sido a de aumentar desde Janeiro entre 3 e 5 por cento os preços nos seus pontos de venda europeus – o que coloca em risco o poder de compra dos locais, eles próprios a braços com economias estagnadas ou em recessão.
Como já aqui referimos em artigo anterior, há vários perigos nesta situação, aparentemente gloriosa, para a indústria do luxo. Desde logo, a própria economia chinesa está a abrandar e nada garante que factores sociais ou políticos possam interferir inesperadamente no conjunto. Depois, a massificação do luxo, é ela própria uma contradição com o conceito de luxo – se todos tiverem o mesmo relógio caro, a mesma mala de preço estratosférico, qual o sentido? Onde está a diferenciação, a mensagem de estatuto?
Finalmente, a dependência de um único mercado, por parte de muitas marcas, é obviamente perigoso. Os últimos dados disponíveis da Federação Relojoeira helvética, em relação ao primeiro trimestre de 2012, confirmam a tendência que já vem de há uns três anos – a Grande China (considerando o Continente, Hong Kong, Macau, Taiwan e Singapura), as comunidades chinesas no estrangeiro e os turistas chineses, é consumidora de quase metade dos relógios. Há marcas de Alta Relojoaria que, neste momento, estão a vender quase exclusivamente a chineses.
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