Um calendário de memórias e sentimentos
Surpresa, apreensão, concentração – algumas das emoções que
se exprimem fisicamente com o enrugar da testa. Quantas vezes esses sentimentos
têm de ocorrer para que as rugas se tornem permanentes? É muito variável. A
exposição solar é catalisador das rugas, há jovens com testa precocemente
enrugadas e idosos de testa bem lisa.
Não há calendários perfeitos. Quando o homem se apercebeu
dos ciclos do quadro celeste, fez esquemas que procuraram encaixar neles. Julgando
que o Relojoeiro Supremo (Deus), ao presidir à harmonia celestial, a fez com
ritmos totalmente exactos e eternamente repetidos.
Até que os relógios dos céus foram destronados pelos
relógios humanos – estes últimos, com a sua exactidão insuperável provaram que
os ciclos celestes eram variáveis no tempo.
Na sua subjectividade pessoal e intransmissível, as rugas na
testa, quando as há, são o nosso calendário das emoções. Perfeito. Podemos não
nos lembrarmos de todos os espantos, mágoas ou olhares mais atentos que fomos
registando ao longo da vida. Mas as estrias da memória estão lá para nos
recordarmos, ainda que vagamente, delas.
Texto escrito para acompanhar a foto, no livro 100 Olhares, de Luís Cangueiro, onde este convidou 100 pessoas a escreverem inspiradas em 100 fotos tiradas por ele em Moçambique, em 1970. O livro é editado pela Âncora e foi lançado este 5 de Outubro no Museu de Música Mecânica, no Pinhal Novo, de que Cangueiro é o fundador e que está a comemorar 7 anos. Algumss das fotos estarão lá expostas durante as próximas semanas.
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