A ideia de viver a vida um dia de cada vez dá importância de mais ao dia. O problema não está nem no dia, nem na manhã ou na noite, mas no hábito de dividir o tempo em unidades fáceis de entender. Para mim, a vida é o que estou agora a viver mais o desejo - mas não a expectativa - que dure mais uns momentos, dias, meses, anos, décadas.
O desejo do futuro, na versão mais alegre, da continuação do presente, ocupa sempre uma porção valiosa do presente vivido sem pensar em mais nada. Mas a estupidez é uma espécie de vida suspensa, pior do que a morte. Tanto o optimismo como o pessimismo - como demonstra com força Will Self na oleosamente autocongratulária edição centenária do New Statesman - são doenças da razão.
Ter uma atitude e gastar tempo com ela é capaz de ser a pior maneira de desperdiçar o tempo. Virão momentos em que nada se conseguirá fazer senão lembrar ou ter medo do que vai acontecer.
Agora não é a altura para nos pormos a adivinhar quando e como serão, com maior ou menor precipitação.
Quando volta o sol da Primavera e o dia começa a correr bem, a nossa tarefa principal deve ser reunirmo-nos a nós mesmos (collect ourselves) e estarmos todos lá, na nossa única pessoa, para recebê-los.
A preparação rouba muito tempo. O vaticínio é mais rápido mas predispõe-nos e ocupa-nos enquanto não for posto à prova.
O melhor é sempre o que está mais perto de nós no tempo, no espaço e na sucessão de acontecimentos: o futuro é hoje; já passou.
Miguel Esteves Cardoso
quarta-feira, 18 de setembro de 2019
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