Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Mil formas de ver o Tempo - revista Turbilhão de Inverno já está nas bancas


Já chegou às bancas a edição de Inverno da Turbilhão. Como habitualmente, escrevemos para lá um artigo de fundo, intitulado "Mil formas de ver o Tempo".


Mil formas de ver o tempo

Fernando Correia de Oliveira*

Costuma dizer-se que, em relojoaria, tudo já foi inventado, durante o chamado Século de Ouro, que vai de 1650 a 1750. A partir de então – apenas houve miniaturização e uso de novos materiais.

Parece exagerado, mas a ideia tem bases sólidas – a força motriz da mola helicoidal, dentro de um tambor; o sistema quinético da sua distribuição através de rodas dentadas; a divisão do tempo em segmentos iguais, por sistema de escape de âncora e balanço/espiral; tudo isso já tinha sido inventado há 250 anos.

Vítima das perseguições aos huguenotes na França, João Calvino fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. As suas pragmáticas contra o Luxo, enquanto governava a cidade com mão de ferro, induziam a vestuário sóbrio, escuro, e à proibição de artigos ostentatórios como as jóias. Ironia das ironias – essas leis estiveram na origem do florescimento da relojoaria em Genebra. Os ricos e poderosos, eles e elas, passaram a ser aliciados por artífices à beira do desemprego – ourives, prateiros, gravadores, cravadores, esmaltadores, pintores em miniatures. Que passaram a produzir relógios de aparato, usados em correntes penduradas ao peito. O estatuto de riqueza e de poder estava assim garantido à vista de concidadãos e forasteiros. E Calvino, como bom Protestante, achava que “tempo é dinheiro”, fechando os olhos à artimanha e juntando.se aos admiradores das belas máquinas rodeadas de saber ancestral dos métiers d’art. Fortalecia-se assim, uma relação mantida até hoje, entre as artes puramente mecânicas e os artistas.

Em “telas” com poucos centímetros quadrados, primeiro nos exemplares de bolso, depois nos de pulso, a imaginação tomou o poder e a Relojoaria seguiu “l’air du temps”. Com a decorativa e floral Art Noveau (de 1880 até à I Guerra Mundial); com a mais sóbria e gráfica Art Deco. A primeira, em reacção à Revolução Industrial, a segunda em reacção a essa mesma I Guerra Mundial, influenciando as correntes artísticas até à II Guerra Mundial.

Pelo meio, o ainda mais despido estilo Bauhaus, onde a função passava a ditar a forma e onde “o mais é menos” se impunha. Surrealismo (os relógios derretidos de Dali), psicadelismo, pop art, arte urbana, steampunk e a nostalgia da Primeira Revolução Industrial, todos estes movimentos influenciaram as formas da relojoaria de pulso. E, como num movimento de expansão e contracção, como num vórtice que acaba e recomeça sem parar, qual espiral ritmando usos e costumes, soltando e enterrando modas – todos estes estilos vão sendo colocados por décadas na gaveta do “antiquado” ou mesmo do “piroso”. Para renascerem em glória, misteriosamente, um destes dias…

Não há escravidão nas formas de um relógio. Apenas no processo de leitura do tempo – ou é analógico (espacial, por ponteiros), ou é digital (por algarismos e janelas). Nisto também, as modas vão-se sucedendo, qual sandes mista – a primeira geração do quartzo, usando leitura digital, está de volta, depois de parecer derrotada pela mais “natural” forma de dizer o tempo – numa leitura analógica, vemos o quarto de hora que falta para a hora, apreciamos a evolução desse espaço à medida que o ponteiro dos minutos avança. Não é o mesmo que ler 19h45, por exemplo…

As caixas dos relógios portáteis (com mola helicoidal a servir de corda) começaram por ser ovais – os chamados Ovos de Nuremberga. Depois, tornaram-se perfeitamente redondos. Mas, logo a seguir, houve soluções para o pulso em quadrado, em rectângulo (e em quadrado dentro de rectângulo), tonneau (tipo barrica) ou mesmo com formas totalmente irregulares (os Hamilton Ventura, por exemplo, usados por Elvis, não morreram – nem o Rei, segundo garantem alguns…)

Mostradores tapados (para protecção do vidro e contra a poeira) usados nos relógios de bolso, regressam em relógios de pulso. A moda do mostrador esqueleto, tão em voga nos anos 1960, está aí em força. Uma janela, onde se mostra parte do calibre, outra moda que já existiu nos relógios de bolso e que desde há 15 anos veio aparentemente para ficar. De certeza, para ficar, o fundo à vista, quando até 1990 isso era algo em que ninguém pensava.

Na tecnologia, além da miniaturização, o que se pretende é o que sempre se pretendeu – a máxima autonomia – há hoje relógios de pulso com reserva de corda para 30 dias; a máxima resistência ao choque – o sistema anti-choque suíço, Incabloc, funciona em quase monopólio, desde que foi inventado, em 1934; a máxima resistência aos campos magnéticos (novos materiais, amagnéticos, como o silício ou as cerâmicas, permitiram grandes avanços nesse campo, com a Omega e a sua certificação METAS à frente; a máxima resistência à corrosão e ao risco – novas ligas de materiais compósitos (não existentes na Natureza) como cerâmicas ou nanofibras de carbono, levam esses parâmetros a limites inimagináveis há 20 anos.

Mais leves, mais herméticos (à água, mas também à poeira), menos necessitados de manutenção (acerto no órgão regulador, óleo nos eixos e outras partes móveis – o escape coaxial da Omega melhorou o quadro, o novíssimo Defy Lab da Zenith promete o Paraíso… (ler reportagem neste número). Assim se querem os relógios do futuro. Com ecrãs tácteis (pioneirismo da Tissot) ou como objectos conectados. Mas a voga vintage faz, pasme-se, disparar os preços de exemplares dos anos 1960 e 1970, ultrapassando em muitos casos os preços dos seus “irmãos” actuais, que são mais fiáveis e até lhes copiam as formas, as cores, as pulseiras.

Ah… as pulseiras. Muitos puristas garantem que um bom relógio pode ser estragado por uma má pulseira ou por uma inadequada. O nylon já foi moda, sinal de “modernidade”, como o terylene nas calças e nas camisas (que só de pronunciar o nome, dá logo comichão). Mas o nylon voltou – ninguém se atreve a chamá-lo pelo nome, hoje fala-se mais de braceletes tipo NATO… E então a malha milanesa, essa teia fina de pequenos anéis, que nos faz recordar logo filmes italianos em Technicolor e o tempus horribilis no vestuário dos anos 1970? Também voltou!

O que parece que veio e desapareceu rapidamente, para não voltar, foi a febre do Galuchat (pele de raia ou de tubarão, com o nome do curtidor real de Luís XV, Jean-Claude Galuchat). Os movimentos de protecção das espécies fizeram recuar as grandes marcas de luxo e a raridade é ver hoje um relógio com pulseira desse tipo. Ninguém se atreve a fazê-las sair da gaveta. Em vez disso, está na moda fazer alianças com curtidores tradicionais, sobretudo italianos, com sapateiros mesmo (a IWC e a Montblanc anunciam com orgulho que os seus braceletes provêm de pelleterias florentinas ou milanesas com séculos de história, a Hublot usa numa edição especial o mesmo cabedal que a também italiana Berluti gasta nos seus sapatos; a Parmigiani orgulha-se de ter os seus braceletes de pele fornecidos totalmente pela Hermès. Esta, por sua vez, equipa uma linha topo de gama do Apple Watch. Na versão high-tech, a Roger Dubuis emprega borracha Pirelli, sim dos pneus, usados na Fórmula 1. Outra tendência High-Tech é a de usar materiais mistos de tecido natural, tecido artificial e borracha. Um bracelete, uma pulseira, estão para um relógio como um par de sapatos para um vestuário completo – têm que estar a condizer com tudo o resto.

Nas formas, a chamada relojoaria conceptual, nascida há uns 20 anos, alimenta-se dos sonhos de juventude de quem tem hoje 40 ou 50… Corrida espacial, o mundo de Júlio Verne. Nessa escola, iconoclastas como a MB&F aliam a mais exigente relojoaria tradicional com uma arquitectura tridimensional inédita dos calibres, só possível hoje graças a software como o CAD ou a máquinas-ferramentas CNC (com Computer numerical control). A HYT, seguindo também a corrente conceptualista, avança com um anátema – colocar líquidos no calibre, que fazem a indicação das horas.

Mas, com mais ou menos imaginação, seguindo o eterno retorno das modas, o Tempo continuará tão intangível como no primeiro nanossegundo após o Big Bang. Ele foge-nos. Seja qual for a forma que usemos para o expressar.

*Jornalista e investigador



2 comentários:

O Barão do Toupeiral disse...

o sistema quinético (cinético) da sua distribuição através de rodas dentadas;

Fernando Correia de Oliveira disse...

http://dicionario.sensagent.com/quin%C3%A9tico/pt-pt/