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quinta-feira, 9 de abril de 2015

A Forma e a Função na História da Relojoaria - artigo na GQ Style Brasil


A mais recente colaboração de Estação Cronográfica com a GQ Brasil, neste caso a edição Style.

Relojoaria e estilos

A forma antes da função

Fernando Correia de Oliveira

O relógio de pulso começou a massificar-se há exactamente 100 anos, quando milhares de soldados norte-americanos desembarcaram em teatro europeu, no âmbito da I Guerra Mundial. Mas seriam precisos mais 30 anos para que, no rescaldo da II Guerra Mundial, eles destronassem definitivamente o relógio de bolso como objecto pessoal imprescindível.

No final do século XIX e início do século XX o relógio de pulso foi sobretudo usado pelas mulheres e era visto como objecto efeminado pelos pater familiae, que preferiam ostentar a sua autoridade tornando visível a corrente do relógio, guardado no bolso do colete.

Como objecto eminentemente feminino, o relógio de pulso desses primeiros tempos começou por ser, desde logo, mais adereço que utensílio. Por outras palavras, dava-se mais atenção à forma que à função. O relógio-jóia prevalecia. Desde esses primeiros tempos a indústria relojoeira sofreu as influências das grandes correntes estéticas do virar do século – o movimento da Arte Nova, surgido por volta de 1880 e que durou até ao início da I Guerra Mundial, por um lado; o movimento Art Déco, surgido no final da I Guerra Mundial. O primeiro glorificava a era industrial e a arquitectura do ferro; a segunda dava primazia à variedade de formas e cores.

O terceiro grande movimento a influenciar a relojoaria foi o do design, principalmente a escola Bauhaus. E as preocupações teóricas em redor da forma e da função. Com força nos anos 1920, estendeu a sua influência com força até aos anos 1960.

A moda, com formas, materiais e cores, tomou definitivamente conta dos relógios a partir dos anos 1980, quando estes deixaram de ser simples marcadores de tempo para, lentamente, passarem a ser unicamente adereços, sinais, como acontece actualmente.

Seguindo as tendências da moda, a relojoaria viveu na última década a nostalgia do vintage. Muitas marcas decidiram ressuscitar dos arquivos modelos seus dos anos 1950 e 1950, não apenas imitando formas, como mesmo as cores “in” dessas décadas.

Alguns exemplos desse movimento, com modelos que consideramos, perenes, marcantes na história da relojoaria, não tanto pelo seu valor técnico, mas mais pelo seu apelo estético.

Cartier

Santos Dumond era amigo pessoal de Louis Cartier. Na Paris do virar do século, o joalheiro desenhou em 1904, a pedido do pioneiro da aviação, um relógio que ele pudesse usar no pulso, mais prático de consultar enquanto pilotava. Com caixa quadrada e parafusos facetados na luneta, traduzia com elegância o espírito Arte Nova e a glorificação das máquinas. Só em 1911 o relógio foi comercializado, já com o nome de Santos, a pedido de outros amigos de Cartier. Um modelo que se mantém, declinado sobre esta base, até hoje. Como este Santos 100, com caixa de aço e ouro, movimento automático, saído aquando do centenário do modelo, em 2004.

Audemars Piguet

Foi o primeiro relógio de luxo feito de aço. E saiu em 1972, quando a indústria relojoeira suíça se debatia numa crise profunda, devido à concorrência dos relógios de quartzo japoneses. Quem desenhou o Audemars Piguet Royal Oak foi um dos maiores criadores de formas relojoeiras do século XX, o genebrino Gerald Genta. Formas fazendo lembrar o portaló de um navio, com luneta octogonal, também com parafusos à vista, num revivalismo Art Déco. Formas que resistiram às mais diversas declinações e materiais. E, desde 1993, enriquecidas com a versão Offshore, mais desportiva. O Royal Oak original (49 x 39 x 3 mm) tinha o mostrador com decoração guilloché, tipo tapeçaria. E vinha com um calibre automático, com rotor central, o mais fino da sua época. Indicava horas, minutos e data (numa janela, às 3 horas). E, outro aspecto revolucionário e tecnicamente difícil de resolver, tinha pulseira em aço, totalmente integrada na caixa. Gerald Genta, para além do Royal Oak, desenhou o Omega Constellation (1959), o IWC Ingenieur (1976), o Patek Philippe Nautilus (1976) ou o Cartier Pasha (1997).

IWC

O relógio "O Português" terá partido de um pedido de importadores portugueses que queriam relógios de pulso com caixas grandes e calibres resistentes. Respondendo a esse pedido, a manufactura iniciou em 1938 a produção de uma caixa nova, onde meteu um mcalibre de relógio de bolso já existente. Baptizou-a de Português. Trata-se da mais perene linha da IWC e uma das mais perenes na história da relojoaria mundial. É também, ainda hoje, um dos modelos de maior êxito da marca, sendo mundialmente reconhecido. Começando por ser um três ponteiros clássico (com caixa grande para a época), teve nos anos 1970 a versão cronógrafo automático, ainda hoje a mais popular. É “o relógio masculino” por excelência, mercê das suas linhas simples, puras, imponentes mas, ao mesmo tempo, elegantes.

Patek Philippe

Gerald Genta, o autor do Audemars Piguet Royal Oak, foi também o criador do Patek Philippe Nautilus, a linha desportiva da manufactura genebrina que está a comemorar 175 anos. E foi exactamente em 2014 que a Patek Philippe revisitou o Nautilus, apresentando o Travel Time Chronograph Ref. 5990/1ª. Calibre da manufactura (CH 28-520 C FUS), cronógrafo automático, de roda de colunas, com flyback, duas zonas horárias com indicações separadas de dia/noite, data analógica. Rotor de ouro, balanço Gyromax, espiral Spiromax. Caixa de 40,5 x 45,5 mm, de aço, vidro de safira na frente e no verso, coroa de enroscar, estanque até 120 metros. Selo de qualidade Patek Philippe. O Nautilus é, mercê da sua complexa caixa, um dos Patek Philippe mais reconhecíveis, mesmo para um leigo.

TAG Heuer

Numa altura em que os relógios eram quase todos de caixa redonda, a TAG Heuer lança em 1969 o seu primeiro cronógrafo automático em caixa tipo almofada. Tratava-se do Monaco, que teve desde logo um êxito tremendo, acentuado quando apareceu no pulso de Steve McQueen no filme Le Mans, em 1971. A marca tem reeditado versões do Monaco, como esta, futurista, saída este ano, uma versão V4, turbilhão, e onde o calibre se move através de micro-correias e a massa oscilante anda num carril. Do velho Monaco, na verdade, resta a caixa…

Girard-Perregaux

A Girard-Perregaux está a comemorar os 100 anos de um primeiro prémio obtido na Exposição Universal de Paris, onde Constant Girard surpreendeu o mundos entendidos apresentando um calibre de bolso, turbilhão, com uma arquitectura inédita – baseado em três pontes de ouro. Essa arquitectura das “três pontes” visíveis, do lado do mostrador, tem continuado a inspirar a manufactura, como neste futurista turbilhão bi-axial, com o calibre de titânio, coberto de DLC negro.

Jaeger-LeCoultre

Tudo começou no Inverno de 1930-1931. Oficiais britânicos de serviço na Índia queixavam-se de partir os vidros e de riscar os relógios quando jogavam pólo. Indagaram junto da então ainda e apenas LeCoultre sobre a solução para o problema. A LeCoultre encomendou uma caixa reversível à especialista Jaeger S. A., que a encomendou por sua vez ao designer René-Alfred Chauvot. Nascia a lenda – o Reverso, um dos relógios de forma mais famosos de sempre. Mercê dessa capacidade giratória, o mostrador podia ser protegido. Típico produto Art Déco, o Reverso continua a ser ainda hoje o modelo mais famoso da Jaeger-LeCoultre (as duas empresas fundiram-se em 1937). A possibilidade de fazer do verso face deu ao relógio uma possibilidade de personalização e aos criativos um pequeno espaço onde exprimir a sua arte.

Omega

Nenhuma marca de relógios se pode gabar de já ter estado na Lua… à excepção, claro, da Omega, com os cronógrafos Speedmaster de carga manual a fazerem parte do equipamento dos astronautas norte-americanos. O primeiro Omega Speedmaster foi produzido, em 1957. A estética do mostrador foi inspirada nos painéis dos carros italianos da época, contrastando o preto e o branco para uma melhor leitura. O relógio tinha o movimento mecânico Omega 321, também conhecido como o Lémania. O nome “Speedmaster” teve origem no taquímetro que apareceu na luneta, pela primeira vez, em qualquer relógio do mundo. O termo “Professional” foi acrescentado ao mostrador Speedmaster, em 1965, como uma referência aos profissionais da NASA, para quem o Speedmaster se tornou o relógio de escolha. Buzz Aldrin tornou-se o primeiro astronauta a andar na lua com o Omega Speedmaster Professional, a 21 de julho de 1969. Neil Armstrong tinha deixado o seu Speedmaster no módulo lunar como um backup para o temporizador eletrónico a bordo, que tinha avariado. A linha Speedmaster continua a ser a mais popular da Omega, numa estética que tem resistido ao tempo.

Rolex

A 7 de Outubro de 1927, Mercedes Gleitze foi a primeira britânica a atravessar a nado o Canal da Mancha. Houve dúvidas sobre o tempo que fez, quando uma norte-americana disse, quatro dias depois, ter feito um tempo mais rápido. Gleitze, rodeada de um grande interesse dos jornais, realizaria a 21 de Outubro aquilo que seria baptizado como “The vindication swim” (a travessia da vingança). O bávaro Hans Wildorf, que em 1905 tinha fundado, em Londres, a Rolex, e que em 1926 tinha lançado um relógio com caixa hermética, o Oyster, interessou-se pelo evento e ofereceu a Gleitze um Rolex Oyster, que ela usou durante a travessia de mais de dez horas, num fio pendurado ao pescoço, e com água muito fria. Partindo de França e chegada a Inglaterra, Gleitz ostentava o Rolex Oyster, de ouro, a trabalhar na perfeição, quando pousou para os fotógrafos. Um mês mais tarde, a 24 de Novembro de 1927, Wilsdorf lançava o Rolex Oyster no Reino Unido, numa maciça, inédita e milionária campanha de publicidade, que incluiu toda a primeira página do Daily Mail, e onde Mercedes Gleitz era a heroína. Este acontecimento marca o nascimento do conceito de Testemunho até hoje usado pela Rolex. E terá sido a primeira associação de uma celebridade a uma marca relojoeira, numa estratégia concebida por Wilsdorf, considerado um génio do marketing e da comunicação. Na forma, os Rolex têm fama de não mudarem… Nos mostradores, eles ostentam tudo o que é preciso, tudo o que é informação – além de Oyster, Perpetual (automático) e Superlative Chronometer Officialy Certified (Cronómetro Certificado pelo COSC). As linhas Deepsea, para mergulhadores profissionais (estanque até 4 mil metros) ou Explorer continuam hoje tão actuais como quando foram lançadas, há décadas.

Vacheron Constantin

Se há manufactura relojoeira que pode falar do seu património é a Vacheron Constantin – desde 1755, data da sua fundação, que está no mesmo sítio, na chamada Ilha de Genebra, onde nos séculos XVII e XVIII se passaram a concentrar os cabinotiers (relojoeiros) que fizeram da cidade o que ela continua a ser hoje – o coração da Alta Relojoaria mundial. Durante mais de dois séculos e meio a vacheron Constantin produziu relógios de todas as formas e feitios. E tem, tal como as outras empresas, explorado os seus arquivos, fazendo reedições históricas. A linha Patrimony – o nome diz tudo – especializou-se nessas peças. Como este Patrimony Perpetual Calendar Chrono, um dos calendários perpétuos cronógrafos mais legíveis alguma vez concebidos. Uma reinterpretação de um modelo dos anos 1970.

Zenith

A relojoaria e a aviação estiveram, desde os primórdios desta última, intimamente ligadas. Dentro da categoria dos chamados relógios militares, os dedicados a aviadores são um capítulo à parte, onde a legibilidade, de dia ou de noite, é particularmente importante. Caixas grandes, pulseiras muito grandes, que pudessem ser atadas à perna do piloto e não ao pulso, materiais luminescentes, resistência a campos magnéticos, algarismos enormes deram a estética dos anos 1930 e 1940, que hoje está muito em moda. A Zenith está ligada à primeira travessia da Mancha em avião (feita pelo francês Blériot, com um relógio da marca no pulso) e tem registado o direito de usar a palavra “Pilot” nos seus mostradores. Nos últimos anos tem aproveitado a onda vintage e reeditado relógios de piloto, com aspecto militar e correias a condizer.

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